quarta-feira, 2 de agosto de 2023

A folha, a formiga e o chá

Quando o sono cessa e a noite já não cai em meus olhos, eu tomo um chá na esperança de um regresso à cama amada. E penso no que me consome, se sou eu mesmo ou é o sono vindo. Às vezes sim; às vezes não. Toco o violão, que respira. Peço pra me ninar, mas ele dorme fundo. Tomo o chá. São três da manhã e eu juro que não é insônia - é enfatuação. 

Bebo o chá. São três saquinhos pra ver se surte efeito. Bebo o chá. Consumo a flor de camomila. Mas, acho, ela é que me consome. O chá nos consome, nós só o bebemos. O que nos alimenta a alma nos consome. Nos gasta. E esperamos ser muito consumidos, gastos, extremamente gastos, e assim quem sabe dormimos. 

Sinto o gosto da planta. A planta tem gosto de universo. Tem o sabor de quinhentos milhões de anos. Foi feita por estrelas que explodiram há trilhênios e delas algum pó de ouro foi atirado ao espaço, lançado com o destino a mim. De estar em mim em algum momento. Existe ouro na gente, só não o encontramos. Meu chá áspero é alquimia de estrelas. E espero que esta alquimia me leve de novo pra cama com saúde.

Assim quis o destino - pois nada ocorre à toa - pois quis o destino que eu neste momento estivesse tomando o chá de milênios. A planta, nasce, cresce e não morre. Eu bebo o chá e cantarolo uma música atonal. Músicas atonais me mimam. Pelo menos tentam. Raramente conseguem me fazer dormir, mas é a única coisa que me liberta o pensamento. Minto - meu pensamento nunca está livre, mas pelo menos descansa um pouco. O chá e meu pensamento me ajudam a não pensar muito. Pensar machuca. 

Eu poderia estar bebendo, eu poderia estar fumando, eu poderia estar matando, roubando... Por favor passageiros estou tentando ser honesto e não matar ninguém! Meu desespero resta em balas de pensamento. Meu sono vale um real. Alguém poderia comprar-me o poder de dormir quando preciso? Sem a ditadura do cansaço, sem a tirania do sono verdadeiro? Tomo o chá. 

...., ...., ...., ....,  respiro. Quem sabe consigo meditar. Meu transtorno não me permite meditar por mais que três respirações. Passo a pensar em algo. Na cortina, na vida, no jogo de futebol que nem vi, pior! nas notícias da semana, no caos do mundo! Assim não durmo. Gostaria de chegar ao nirvana. Tão difícil isso... Por isso Kurt Cobain era tão barulhento. Quando medito minha pele começa a coçar. Tenho certeza de que é de propósito! Meu corpo testa a minha paciência. Minhas perebas sabem. Esperam o momento certo de jantar. 

Escrever me tira o sono. Mas me relaxa, ou não - ainda não descobri. Talvez quando eu fechar meu caderno "virtual" eu durma. Ou tome outro chá. Meu chá já terminou. Terminou comigo. Sou eu que bebo o chá ou ele que me consome? De acordo com a experiência milionária de anos antigos penso que ele me consumiu. Mas a ideia é essa. Ser tão consumido que cansado eu durma.

Um dia um velho me contou uma história. Havia uma folha que caiu de uma árvore e ao atingir o chão olhou para cima e viu que não teria como subir de novo, voltar para onde estava. A folha respirou fundo o seu destino e soltou um imenso suspiro de gás carbônico. Naquele momento passou uma formiga e a pegou nas costas, e essa formiga subiu a árvore. Quando chegou lá em cima quis comer a folha. A folha implorou que a deixasse em paz. A formiga era gente boa e aceitou, mas pediu algo em troca. Pediu que não contasse para as outras a sua bondade. A folha jurou que não contaria e assim selaram um destino. De repente trovões rugiram e uma chuva torrencial levou a folha de novo ao solo. Mas desta vez não ouve suspiro desesperado, pois assim o destino quis, e quando o destino quer não há nada que se possa fazer. Mas como o solo estava molhadinho, e havia ficado bem macio e gostoso a folha adormeceu. Aconteceu então que com a chuva eis que brotou uma semente bem embaixo da folhinha. E esta semente cresceu e se transformou em uma frondosa árvore levando a folha de volta para cima. Assim é a vida, e esta história foi inventada por mim neste momento e não por um velho. Pois assim é: quem escreve mente. Vou fazer um outro chá. E eu espero conseguir dormir pelo menos mais duas horinhas pois essa história me deu um soninho. Beijos e até outro dia.














Nenhum comentário:

Postar um comentário

DESENTUPA AQUI!