terça-feira, 30 de abril de 2013

A Mariposa e a Luz

Quando eu tinha uns dez anos de idade, pequeno demais para entender os segredos do mundo, e grande demais pra saber que eles existiam, aconteceu uma coisa que me tocou. Não foi nada grandioso, não fiquem pensando assim, mas foi algo sutil. Mas o segredo do mundo é sempre guardado por Deus nas coisas sutís.

Na minha casa tinha uma escada caracol que levava ao sótão. Uma noite dessas uma imensa mariposa, como eu nunca havia visto antes, pousou numa das barras de ferro laterais da escada. Essa mariposa era enorme e eu nunca havia visto algo assim. Quando voava parecia um beija-flor. Suas asas de um cinza misturado eram bem diferentes. Tinham um formato incomum, que enganava que aquilo não era uma borboleta velha. 

Ela esvoaçou por horas pela sala da casa, e depois foi pousar na escada. Fiquei assustado com aquilo, mas a deixei dormir uma noite naquele ponto exato da escada. Pensei que no dia seguinte, com o calor do Sol, ela acordaria e me deixaria em paz. 

Dia seguinte ela não acordou. O sono devia estar bom e ela permanecia grudada na lateral da escada. Decidi então esvoaçá-la dali, mas é óbvio que não desejava machucá-la. Peguei uma vassoura, e com jeitinho a espanei dali. Ela voou, e voou, e voou sem parar. Deu círculos e mais círculos no teto, e voltou para exatamente o mesmo lugar onde estava. Que coisa! Eu a espanei de novo, e assim se sucedeu inúmeras vezes. Até que tive a idéia de limpar o lugar com a vassoura, enquanto ela voasse em círculos. E foi isso que eu fiz. Limpei o exato lugar onde ela havia permanecido uma noite, talvez grande parte de sua longa vida de mariposa. 

Depois de outra voarada pelo teto, ela voltou pro lugar preferido. Mas aí eu senti que alguma coisa havia mudado. Ela não se sentiu bem ali. Se mexeu, ajeitou o corpo, suas asas se desengonçaram. Ela não se sentiu bem naquele lugar que havia sido seu. Não possuia mais seu cheiro impregnado no frio metal. Não havia ali rastros nem restos de sua vida. Foi aí que ela embaraçadamente voltou a voar e, em círculos, se postou na luz de um banheiro escuro. E começou a rodar sem razão. Rodou, rodou, rodou pela luz. E isso me ajudou a entender um pouco mais as coisas.




domingo, 28 de abril de 2013

Stonehenge

Num belo dia de verão, quando o solstício passava pela fresta exata de  uma das pedras recém erguidas de Stonehenge, o povo se aglomerava e juntos deslizavam alegremente pelo piso do que viria a ser no futuro, uma das maiores interrogações da história desses mesmos seres humanos.

Cinco mil anos se passaram, e enquanto um louco escreve textos que um dia hão de se perder nas abotoaduras do tempo, carros cruzam uma grande avenida, ao lado de uma lagoa, de uma cidade litorânea que também se perderá em futuras inundações - isso de acordo com um grande poeta e músico que não sou eu.

Na ciranda do mundo o tempo parece mais fluido do que realmente é. E se Aristóteles estiver certo vivemos um sempiterno rodamoinho de fatos, que acumulam as areias dos acontecimentos, porém se repetem de forma causticante e inteligente. Quem poderá olhar diretamente aos olhos do tempo sem que sua cabeça exploda? Se Huxley estiver certo as informações podem realmente matar-nos. Basta olhar fixamente para o azul da cadeira que existe no seu quarto, e verá que somos feitos do pó mais granulado da estrela mais assombrosa que um dia explodiu, e vagou sem direção nem tempo. Tempo é movimento. E acontecimentos são fatos decorrentes de um rio que nunca é o mesmo, e a humanidade se perde dentro desse "quem conta um conto aumenta um ponto".

Não é por acaso que uma velhinha recolhia o cocô do seu poodlezinho nas areias da lagoa Rodrigo de Freitas, perto da Praia do Pinto, que não existe mais. Nem é por acaso que o porteiro do prédio do meu pai  esperava com frescor o leite que seria depositado em sua porta, dentro de uma garrafa de vidro há tempos atrás. Nem é por acaso que um menino anda de skate e bate na árvore ao atender seu celular de última geração com canetinha eletrônica e sensor led especial para tirar fotos profissionais.

Ao som do Led Zeppelin eu cresci e um dia morri. E eis que o mundo girou, girou, girou. E de acordo com Aristóteles, tudo mudou, embora tudo seja ainda igual. A chapa do molde do qual somos feitos, e tudo..., é o monolito que vimos subir aos céus, atirado pelo grande macaco, na brilhante cena revelada pelos insanos olhos de Kubrick. E assim, cientistas hoje vasculham e adivinham os restos do que um dia foi o inescrutável Stonehenge, na Inglaterra de hoje. O que terá sido tamanha obra? Um templo? Um enorme calendário solar? E apesar de dezenas de documentários encomendados para a programação televisiva, a conclusão nunca existirá. Mesmo que reste geneticamente dentro de nós, como parte integrante de nosso folículo mais importante, e que Freud pensou ser, a memória inconsciente.

O tempo passou, e agora eu estou morto mesmo. Meus amigos também, assim como meu carro, minha bicicleta, minha casa, os Futuros Amantes, e todas as árvores centenárias do leblon. Muito tempo se passou e o planeta teve que mudar; o universo teve que andar para a frente algum centímetro a mais de Deus. E a Terra não é mais a mesma, após milênios, desde que a última pedra do calçamento de copacabana existiu. Novas flores cresceram e tomaram o planeta, novas montanhas surgiram de colapsos tectônicos, novos seres prosperaram, enfim a vida tomou seu rumo sempre diferente e inovador, mas eu não sei qual é, pois eu estou morto. Mas meus restos evoluíram.

No colapso que houve dessa civilização, quase tudo desapareceu. As provas se mantiveram incólumes em fósseis e digitais protegidas por âmbar. E realmente muito pouca coisa restou que olhos conhecedores pudessem  identificar.

Porém em meio à catástrofe sobraram as ruínas do que um dia foi uma pista perfeitamente redonda, construída com cimento armado antiquíssimo. Rodeada por uma armação de pilastras de concreto que se ligavam perfeitamente formando, como dizer... uma espécie de proteção a essa "pista", que existia bem no centro. Sendo que as pilastras, hoje cobertas de nenhuma vegetação, talvez um dia sustentassem flores, e plantas exóticas, acredita-se... Esse suposto "muro" de pilastras deixava uma abertura como que uma entrada para a magnífica pista, que apesar de sedimentada pela erosão não parecia ser completamente reta, mas sim formada por um centro perfeitamente medido em seu diâmetro, e possuindo um ângulo descendente de uns 10 graus. Seres remanescentes e evoluídos ainda vasculham este enigma, em profusão. E cobram entrada dos visitantes - é claro.

Aqui vai o mais recente diálogo revelado por fontes discretas sobre esta última descoberta do templo há milênios identificado, e que pouco pôde revelar da sua real função original:

- Professor, encontramos algo escondido há uns quatro metros de profundidade bem nas cercanias do templo!
- Mesmo? Deixe analisá-lo...
- Sim, mas cuidado, o material é grande, está fossilizado, porém é frágil.
- Sempre tratamos com cuidado, deixe ver melhor...
- Aqui está!
- Hummm,  é uma grande descoberta... com certeza algum artefato de guerra, ou de característica religiosa, possivelmente utilizado em sacrifícios humanos dos antigos...
- É... mas o que mais me intriga, professor... é essa palavra totalmente desconhecida aqui no canto. Consegue ver?
- Sim! Provavelmente o nome de um deus: Skate!










terça-feira, 23 de abril de 2013

Para Y.

Um minuto antes... Um minuto antes... Um minuto antes... Um minuto antes... Um minuto antes... Um minuto antes... Um minuto antes... Um minuto antes... Um minuto antes... Nove vezes. Nove setas. As setas estão à nossa frente todos os dias e todas as horas, mas só ele viu. Sentiu. 

Diante do impossível, da juventude arrancada à força, da imoralidade social, da soberania governamental, do improvável, existem prováveis setas. Nove setas. E uma imensidão de setas para levá-lo à algum lugar melhor. Existem os olhos, e o intragável, o caos do minuto antes.

Dói. Doeu. Seu filme vai no fundo da seta de cada um. Nunca, no pouco tempo que o conheci, pude conhecê-lo realmente. O filme me abriu os olhos para uma coisa que eu não pensava. Me perdoem, mas é impossível explicar com palavras. Portanto este texto estará fadado ao que não conheço. A covardia e a coragem são primas e irmãs, e poucas palavras me tocaram tanto quando essas dele - indizíveis - apenas por ele possíveis. Pois quem sofre sabe. Quem não entende que se foda.

Olha só eu aqui tentando falar de dor! Eu que nada entendo dela. Felizmente... Infelizmente minha imaginação arde. Minha alma pesa quando assisto ao meu amigo assim. Nem sei se é meu amigo. Espero que seja, pois eu sou amigo dele. Compusemos uma música juntos, e eu poucas vezes a toquei. Nem divulguei. Acho que ele não gosta dela. Ou talvez ela o incomode, não sei explicar. Mas consigo compartilhar um pouquinho de vida com a  alma desse poeta do caos, e fico feliz. Incrível como é a felicidade!

Me contou um dos fatos contados também no filme. Foi no leblon, em tempos de boemia áurea, efervescência cultural que cada vez mais não existe no Rio de Janeiro. Ai... como sinto falta dessa época.! Quando o carro dele parava em frente ao Letras e era um "camburão". Como duas coisas iguais podem ser tão diferentes? - camburão dos pedintes marginalizados criminalizados e criminosos, e o camburão do meu amigo. Este o levava e o trazia e enchia o ar de felicidade. Como pode uma pessoa com baixa auto-estima ter baixa auto-estima sabendo que limpa a baixa auto-estima  dos outros? 

Mas é isso aí amigo... você é uma seta. Porém uma seta repleta de música e de ferida. É um vetor da substância mágica que pode mudar o mundo e que resiste em poucas pessoas. Seu traçado nunca será apagado, e eu confio mais em suas pernas soltas do que nas minhas. Sua música é maravilhosa, e embora suas dores o separem de muitos... deixe estar. Quem compõe contigo compõe de verdade porque só você sabe o que é a verdade. E assim sabe em quem confiar. Só quem sobrevive vive. O resto acha que faz alguma coisa, pois deixe achar. Mas essa é a minha opinião. Você provavelmente vai ler isso tudo e me achar banal. Pois eu sou mesmo. Só quem morreu sabe a verdadeira beleza de viver. E você vive apesar da morte, e é um arauto de poesia. Você matou a morte, colega! Um minuto antes...é um conflito. Neste minuto eu apenas penso em você. Um beijo do Alan.



sábado, 20 de abril de 2013

Texto Folk

Minha vida é um ciclone afastando ilhas orientais. Minha vida já foi um furacão devorado por outros maiores. Fui saindo de fininho das tormentas em que ainda me encontro. Parece que nada tem jeito enquanto se caminha. Vamos sempre ao encontro do próximo paralelepípedo que vai nos ensinar a cair direito. Quando eu era pequeno em minhas aulas de Kung Fu o professor nos fazia pular por sobre uma cadeira e cair rolando pelo chão, sem tatâme ou qualquer maciez. Me machuquei várias vezes e continuo. Mas ela vem, coberta de algodão doce, com cabelos de trigo, e quem sabe olhos que me ajudam a olhar, com óculos coloridos e a sabedoria de um George Harrison feminino, cheia de meditação nas pontas dos dedos, e ouvidos que entendem o mar.

Ela me pede para contar minha vida em palavras. Não saberia. A vida nunca cabe num texto, ainda mais no meu. Digo apenas que fui salvo por momentos. Já enganei pivetes em Ipanema, e já fui enganado por ladrões de necessidades mundo afora. Já levei estabacos pelas areias de Copacabana, e já tive muito medo. Aliás, nasci com o medo incutido em meus olhos que viam a praia como um horizonte sem fim. Tudo que eu olhava parecia contrário a mim. E a normalidade para mim era algo que ainda não existe. Aprendi a segurar no laço e a saltar do abismo da minha cadeira. Falo assim, porque minha vida é algo figurado. Não tem explicação. Talvez a droga que nunca tomei explicasse, entretanto houve o momento sublime em que o álcool me transformou em Buda. Mas ela vem devagarinho, sempre em sentido contrário ao tráfego, contra os carros que acreditam escapar de alguma fúria inicial. E ela me veio em sonho uma vez quando pequeno, e nunca mais a esqueci, e ainda acho que é a mulher da minha vida, embora fosse sonho, ou não é.

Sou muito vago, ela diz. O vento também é. Minha vida é apenas uma vida. Como a de qualquer um, sempre foi diferente das vidas dos outros. Paradoxo de sangue nas veias. Às vezes quero mijar e não consigo, às vezes quero sonhar com alguém e não consigo, às vezes queria que minha avó me perdoasse, mas nada acontece. Porém tudo acontece, e de longe as coisas são longínquas pois que parecem remotas mesmo assim. Quando penso que sou um pedaço de papel em branco, basta olhar para um segundo atrás e ver que sou mais dinâmico e explosivo que a bomba atômica. Minha vida passa como uma velha estrada empoeirada onde nada passa, mas onde o vento sopra forte e tornados muitas vezes arrancam suas manchas brancas, e há serpentes nas encostas e pitangueiras emergentes que alimentam beija-flores que se confundem. Mas ela vem. E vai surgir por entre cáctus verdes e pontudos, num far-west tropical. Ela talvez venha do norte, ou do sul, quem sabe? As direções só existem porque existe algum lugar em que estamos. Será sempre do norte, então pronto! Ela vem com seus cabelos remodelando o vento, vem em passos calmos e cadenciados. Toca violão ou não. Canta algo que me atinge do lado, ou não. Como uma interpretação de um jazz, me acha bobo e transverso. Sou apenas verso. Ao fundo desse mundo inverso tocará uma música de Django Reinhardt, e ela - deserto - virá procurar minhas mãos que hão de irrigá-la para algum lugar que não sei bem onde fica.



segunda-feira, 15 de abril de 2013

Facebook

Era uma vez um homem que tinha Facebook. Ele era um cara muito legal, e possuía todos os seus amigos no seu Facebook.  Só que alguém no Facebook não gostava dele, porque toda hora ele era bloqueado pelo Facebook. E nesse bloqueio ele ficava impedido (pela força maior - o deus do Facebook) de convidar mais amigos (que por ventura ele achava), ou mesmo de fazer novos amigos. E esse bloqueio durava sempre um mês. E acreditem! Se em um ano ele foi bloqueado umas cinco vezes, isso quer dizer que ele não pôde usar de todas as facilidades do Facebook por quase o ano todo! Isso, foi o que ele concluiu. 

Então, o quê ele pensou: "Acho isso tudo um absurdo, pois eles nem me avisam porquê sou bloqueado quando sou bloqueado! Isso além de anti-democrático, vai contra os princípios da amizade! Pois, se eu saio na rua, na praia, nos parques e se converso com alguém e fico amigo, eu fico amigo! É ou não é? Porque será que o "deus" do Facebook não quer que eu faça amizades com pessoas que eu ainda não conheci, se a graça também deveria ser conhecer gente nova?! Acho que há algo errado com esse Facebook!"

Foi aí que ele teve uma idéia diferente. Na última vez que foi bloqueado ele encerrou a sua conta no Facebook e abriu uma nova. Só que ele bem sabia (pois era muito inteligente) que ao abrir uma conta nova, apesar de ser normal adicionar toooooooodas as pessoas conhecidas, o "deus" do Facebook desconfiava, e  aí ele ia e bloqueava a nova conta. Muitas vezes para sempre!!!!!! Então ao invés de criar uma nova conta e convidar 100 amigos, ele criou 100 contas e se convidou para todas. Assim ele acabou criando uma rede social dele mesmo, onde cada amigo (ou melhor - ele mesmo) acabava convidando apenas um amigo, que era o amigo "central" (assim foi denominado por ele), e desta forma ele conseguiu não ser mais bloqueado.

Pode parecer burro isso, mas depois de muito tempo conversando consigo mesmo através de 100 perfis, que eram ele mesmo, ele foi se sentindo grande, enorme, a "central" de todo o seu próprio facebook. E não viu muita diferença do que havia ali antes, não! As mesmas propagandas chegavam a ele, o mesmo marketing. Apenas menos convites, e isso o incomodava. Então ele começou a bolar coisas, programas, para fazer no fim de semana, e assim ele convidava a "central". E começou desta forma a andar na praia sozinho, a ir ao cinema sozinho, ao teatro, ao futebol, etc. As coisas não mudavam muito para ele, mas de certa forma mudaram porque se ele saía pouco, agora ele saía muito. Sozinho..

Através de sua idéia, depois de muito tempo, ele percebeu o que era o real conceito do que vivia. Não importava a realidade dos seus perfis, e sim a presença deles, mesmo que virtual. E ele, desta forma, conseguiu entender o paradoxo entre existir no facebook e existir no Facebook.  E também se sentiu onipotente, pois que podia deletar a ele mesmo, pois que ele era o próprio Facebook!

Mas tudo mudou quando um belo dia o "deus" de verdade do Facebook lhe mandou um aviso: "Você só pode ser você , portanto está bloqueado."







sábado, 6 de abril de 2013

Saudade


Saudade é uma coisa má
É o seu cheiro
O seu corpo
A sua pele
A sua boca
O seu olhar
A sua voz
Tudo isso na minha alma



quarta-feira, 3 de abril de 2013

Escadinha

Ah, vida!
Quando caio
É que te sinto.