quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Às Crianças

 Para as crianças eu desejo mil barras de chocolate - não! - rios, mares de chocolate com peixes de jujuba e corais de pipoca colorida. E algodão doce, que duvido que elas saibam o que é hoje em dia, mas eu desejo. Porque desejo a elas que se imersam em nuvens azuis ou roxas ou vermelhas. E que suas camisetinhas sejam tatuadas de balões de gás, e que as levem bem pra cima para o espaço sideral, e que no caminho elas deem tchauzinho para os passageiros dos aviões, e para os pilotos presos em suas janelinhas adultas, e que essas janelas sejam de açúcar, e que imensas cegonhas sejam avistadas a mandar beijinhos com seus bicos pontudos e suas barrigas estufadas carregando próximas criancinhas lindas, e que ao descer do espaço sideral as crianças aterrisem calmamente em campos de alecrim e florestas de carvalhos bons de escalar, e que neles encontrem sorrisos enigmáticos de gatos da Alice, e que chuvas de cartas enbranqueçam os vales e desenhem estradas que levarão ao Sol, e que o vento toque sonatas de caixinhas de música, e que trovões emitam grossas risadas tão gostosas que deem soninho e que com esses trovões chuvas de chicletes anunciem furacões de risadas, e que paisagens troquem de cores deslumbrando olhinhos cada vez maiores, com seus cílios coloridos por fadas artistas e que reis e pumas deem as mãos num círculo festivo onde uma banda de música metafísica embale todo o universo até que enfim, apesar de ser fim, nada disso acabe, ou talvez acabe num eterno ir e vir de começo e fim, e fim e começo. E que se deem as mãos de algodão, macias e transparentes, tão assim, que possa se ver o sangue dançando e o coração aplaudindo o mundo numa explosão de alegria e felicidade, e que tudo siga o fluxo de um rio de suco de uva, onde um dragão rosa com pintinhas amarelas anuncie a tarde. E que, por fim, nunca seja tarde demais. 






quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Só enxerga a alma


 A humanidade é desesperada. Será o amor? Será o Sol queimando a retina? Será a busca? Que busca? A busca pelo que não se conheçe não é busca, é desespero. Como procurar algo que não se sabe nem o que é? Isso muito me aflige e buscarei algum paliativo algum dia se tiver a coragem disso. Mas já senti o que John Lennon escreveu tão perfeitamente "eu sou ele assim como você sou eu e nós somos todos a mesma coisa". E foi lindo sentir isso. Clamo por sentir isso de novo!

A humanidade é perdida. Porque estar à procura de algo que se desconhece o porquê, nem o quê, nem o quando, nem o onde é estar completamente perdido. O homem estava parado na rua quando um carro passou, um sujeito dobro do seu tamanho o pegou, o jogou no porta malas e sai desenfreado rasgando a esquina, um som insuportável de giz no quadro negro nil vezes mais forte, duas mil vezes mais irritante. Esta é a humanidade vivendo o seu ponto de interrogação. Tudo que acontece no mundo é regido pela falta suprema da informação. Há um anjo à solta que nos olha de cima e sorri compassivamente nosso caimento. Não é um anjo malvado. É um anjo apenas. Não há mais informações sobre isso.

Eu escrevo aqui as palavras ditadas pela minha insônia. Dormir pra quê? Quando há tanto para pensar, desvendar. Deslindaremos o labririnto sem portas, sem solução. Um eterno jogo de Paciência que nunca termina. E no rastro celebre de uma rua dourada nossas vontades e aterramento se encontram num poste de luz amarela, e ele nos pede enfim que desvendemos uma charada à qual, não decifrada, não passaremos à lugar algum.

Eu adoraria apertar um botão e mudar meu pensamento. Mas no momento isso é impossível, e talvez seja sempre. E a comezinha esperança de que um dia eu possa me afundar em fontes de caleidoscópios mágicos se perde no medo físico da doença, da tonteira da alma, que me faz olhar para a esquerda quando meus olhos se viram para a direita.

A torneira insistentemente pinga

É essa a chuva ou é desse o homem?

Quem sabe é a última moringa

De onde sai a água que se come

A alma vale ouro

Mas o ouro vale a alma?

Onde fica o tesouro?

Não posso saber quem me ama

Sou cego, ao Homem tudo é escuro

Só enxerga a alma









quinta-feira, 17 de agosto de 2023

New Orleans

Once I left a dream

I am talking about New Orleans

So far away from me

Now I can see

Those were not very happy times

Cause I left a dream

A very deep dream

Down in New Orleans


One day when the sun rises

There is a place I gotta be

And tho I in my mind I am still there

I will have t go back

And snap out of that dream

In New Orleans




Love

I am a storm
I am a hurricane
No one can stop me 
From myself

I am an explosion
I am TNT
No one can come around
With myself

Here I go again
Lonesome as I can be
With you on my hands
Holding my hands
I can rest

I am a mountain
I am a volcano
Nothing can beat me
From myself

My pain is mine
My fire is mine
I am a storm
No one can save me
My love is mine

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

A folha, a formiga e o chá

Quando o sono cessa e a noite já não cai em meus olhos, eu tomo um chá na esperança de um regresso à cama amada. E penso no que me consome, se sou eu mesmo ou é o sono vindo. Às vezes sim; às vezes não. Toco o violão, que respira. Peço pra me ninar, mas ele dorme fundo. Tomo o chá. São três da manhã e eu juro que não é insônia - é enfatuação. 

Bebo o chá. São três saquinhos pra ver se surte efeito. Bebo o chá. Consumo a flor de camomila. Mas, acho, ela é que me consome. O chá nos consome, nós só o bebemos. O que nos alimenta a alma nos consome. Nos gasta. E esperamos ser muito consumidos, gastos, extremamente gastos, e assim quem sabe dormimos. 

Sinto o gosto da planta. A planta tem gosto de universo. Tem o sabor de quinhentos milhões de anos. Foi feita por estrelas que explodiram há trilhênios e delas algum pó de ouro foi atirado ao espaço, lançado com o destino a mim. De estar em mim em algum momento. Existe ouro na gente, só não o encontramos. Meu chá áspero é alquimia de estrelas. E espero que esta alquimia me leve de novo pra cama com saúde.

Assim quis o destino - pois nada ocorre à toa - pois quis o destino que eu neste momento estivesse tomando o chá de milênios. A planta, nasce, cresce e não morre. Eu bebo o chá e cantarolo uma música atonal. Músicas atonais me mimam. Pelo menos tentam. Raramente conseguem me fazer dormir, mas é a única coisa que me liberta o pensamento. Minto - meu pensamento nunca está livre, mas pelo menos descansa um pouco. O chá e meu pensamento me ajudam a não pensar muito. Pensar machuca. 

Eu poderia estar bebendo, eu poderia estar fumando, eu poderia estar matando, roubando... Por favor passageiros estou tentando ser honesto e não matar ninguém! Meu desespero resta em balas de pensamento. Meu sono vale um real. Alguém poderia comprar-me o poder de dormir quando preciso? Sem a ditadura do cansaço, sem a tirania do sono verdadeiro? Tomo o chá. 

...., ...., ...., ....,  respiro. Quem sabe consigo meditar. Meu transtorno não me permite meditar por mais que três respirações. Passo a pensar em algo. Na cortina, na vida, no jogo de futebol que nem vi, pior! nas notícias da semana, no caos do mundo! Assim não durmo. Gostaria de chegar ao nirvana. Tão difícil isso... Por isso Kurt Cobain era tão barulhento. Quando medito minha pele começa a coçar. Tenho certeza de que é de propósito! Meu corpo testa a minha paciência. Minhas perebas sabem. Esperam o momento certo de jantar. 

Escrever me tira o sono. Mas me relaxa, ou não - ainda não descobri. Talvez quando eu fechar meu caderno "virtual" eu durma. Ou tome outro chá. Meu chá já terminou. Terminou comigo. Sou eu que bebo o chá ou ele que me consome? De acordo com a experiência milionária de anos antigos penso que ele me consumiu. Mas a ideia é essa. Ser tão consumido que cansado eu durma.

Um dia um velho me contou uma história. Havia uma folha que caiu de uma árvore e ao atingir o chão olhou para cima e viu que não teria como subir de novo, voltar para onde estava. A folha respirou fundo o seu destino e soltou um imenso suspiro de gás carbônico. Naquele momento passou uma formiga e a pegou nas costas, e essa formiga subiu a árvore. Quando chegou lá em cima quis comer a folha. A folha implorou que a deixasse em paz. A formiga era gente boa e aceitou, mas pediu algo em troca. Pediu que não contasse para as outras a sua bondade. A folha jurou que não contaria e assim selaram um destino. De repente trovões rugiram e uma chuva torrencial levou a folha de novo ao solo. Mas desta vez não ouve suspiro desesperado, pois assim o destino quis, e quando o destino quer não há nada que se possa fazer. Mas como o solo estava molhadinho, e havia ficado bem macio e gostoso a folha adormeceu. Aconteceu então que com a chuva eis que brotou uma semente bem embaixo da folhinha. E esta semente cresceu e se transformou em uma frondosa árvore levando a folha de volta para cima. Assim é a vida, e esta história foi inventada por mim neste momento e não por um velho. Pois assim é: quem escreve mente. Vou fazer um outro chá. E eu espero conseguir dormir pelo menos mais duas horinhas pois essa história me deu um soninho. Beijos e até outro dia.














Vertigem

 Abriu a porta com a facilidade de um tonto. Apalpou a parede com a mão esquerda. Parou em pé, cambaleante, olhou para a frente. Os pés traçaram um mapa mental. Deu um passo no espaço e descambou pelo lado. A cabeça começou a andar fazendo alguma força para a esquerda. A cabeça é o órgão que anda. 

Seguiu com a calma de um labirinto.  O vento como guia foi levando para o próximo banco. O tempo era astigmático. O valor das coisas mudou. A rua seguia seus pés, e não o contrário. Um carro parou pra dar passagem, depois buzinou e xingou. O asfalto estava na cabeça e não no sapato. Um chapéu imaginário era feito de chumbo. Ele tombava para a esquerda sem ser canhoto. O cérebro tem seus mistérios. Seria ansiedade? Seria a passarada neurológica? Não bebia e não fumava. Tentou se segurar num corrimão que fugia da mão.

Entrou num taxi. Para onde o senhor vai? Tanto faz. Quem não tem lado não tem direção. Quem não tem direção não tem lado. O destino só existe no chão. Seria o trabalho? Seria uma pessoa? Seria eu mesmo? A tonteira é evasiva e calada. O luar passa a ser curvo. O Sol brilha ao lado. O sinal de trânsito está sempre na outra rua. 

Existe remédio para a vertigem da alma? Camus escreveu um livro teorizando a vertigem como a vontade de se jogar e não o medo de cair. A filosofia sempre fala em zigue-zague. Cair não é importante. O importante é a queda. Que vento o levou? Que amores o perderam? Que fundo não chegou? Estar tonto ainda é estar vivo. Que bom! - pensou. Estou vivo, sei onde chegar, mas não chego! Paul Simon provavelmente estava tonto quando escreveu Slip Sliding Away. Grande música. E tombou para o lado do mundo que acaba. Sabe Deus o que faz. O homem não sabe nada. Anda e escorrega em si mesmo. Tropeça na vida e cai no destino. O destino é como se anda, caindo pelas ruas, assim como caiu Edgar Allen Poe. Um dia a gente levanta! A médica diz: calma, um dia o corpo acostuma! Será que um soco na cara da médica seria a cura definitiva? Provavelmente.



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