quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Zig-Zag

 

Não sei da onde veio
Nem sei pra onde vai
Mas nossa vida é um novelo
Preso num gatinho
Que anda em zig-zag





segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Tem dias

 

Tem dias em que a gente acorda estragado e que a mente funciona ao contrário. Tem dias em que o Sol é Lua, e a Lua vira Sol. Tem dias em que tudo é nada e nada é tudo que você consegue enxergar. Tem dias em que apesar da luz a gente não consegue afinar as pupilas, nada se enxerga, tudo é borrado e a borra mancha a vida. Tem dias em que a vida é bege, nem negra, nem rosa, apenas aquela cor mal entendida, mal explicada, sem vida. Tem dias em que o pastel da esquina vem ao contrário, a carne para fora, a massa para dentro dando engulhos, massuda e intermitente. Tem dias em que as pessoas andam sem andar, em que os carros correm sem ir, em que se chega sem chegar, e que a história do mundo parece uma mentira, e embora seja, ninguém percebe, ninguém percebe, ninguém...

Aos momentos em que eu me vejo a flutuar sem rumo, paralisado no vento que a lugar nenhum há de ir, eu penso sem decidir, porque penso sem pensar, porque minha cabeça parece cheia de terra, e os sonhos e vontades e desejos viajam apenas na vontade de chegar porém não movem-se um centímetro que seja, e a esses momentos eu os chamo de uma palavra que não posso dizer, apenas pensar, pois que ela existe apenas no pensamento, ainda não foi inventada, não está em qualquer dicionário, não se encontra na minha língua física, não pertence a um idioma, não existe no mundo palpável, não é tocável, é apenas pensável impossível de ser dita, pois que reside apenas no campo dos meus sonhos, onde meus neurônios se comunicam em segredo, sem me contar nada, infligindo em mim o desvio da separação entre o que é carne e o que é ar-pensamento, sujeito-etério, e evaporam como éter antes que eu possa captar. Nesses dias meus neurônios brincam e se riem de mim ao me fazerem de idiota, eu num meio de um joguinho de bobo onde a bola tocada por eles nunca se mostra possível aos meus braços, às minhas mãos, e consequentemente ao meu pensamento.

Há momentos na vida em que precisamos escalar a tal montanha só pra sentir o prazer de descê-la. Qual montanha inexistente; parece que pisamos em degraus que não sobem; nos agarramos em postes horizontais que não levam para lugar cima; nos deparamos com vistas maravilhosas apenas desenhadas em muros de quilômetros de altura e intransponíveis. Há momentos em que o tempo corre ao contrário sem que fiquemos mais novos. Há momentos em que os pássaros não migram, em que os aviões voam sem passageiros e em que a chuva apenas destrói nossas plantações. 

Nesses momentos tão solitários vejo a multidão sem me relacionar com ela. Vejo as viradas de ambiente, vejo os campos lindos e floridos sem o menor sentido, e a poesia é uma pílula que se toma e que seu vício faz bem. Nesses momentos não há momentos, apenas a poeira que corre dentro de uma ampulheta que a joga para cima e não marca tempo algum. Nesses momentos eu me olho no espelho e durante este olhar apenas tento focar os meus olhos. Como são bonitos os meus olhos! Não adiantam de nada pois nada consigo enxergar, mas rezo para que eu nunca perca a visão deles. Tão importantes são!

Eu, fixo nos meus olhos, consigo não chorar. O reflexo deles no espelho me impede as lágrimas de alguma forma que não sei como. Olho bem em volta do fundo negro que há neles e vejo a bela cor de azeitona, tão diferente do resto do meu corpo, tão translúcida, tão clara contra a luz, tão enigmática e animal, tão existente e tão inequivocada é a cor dos dos meus olhos, os contornos, os pequenos filamentos coloridos são pacíficos, são inebriantes e tão diferentes que eu penso: de que material são feitos meis olhos? A íris, a vítrea coloração me admira. Não há no corpo humano tal material feito de vidro. Só uma coisa me admira mais - a negra pupila - e isso me assusta. Porque tão escura encerra o círculo e cor que a tenta enfeitar. Pupila onde se pensa gardarmos tudo que a luz nos tráz. Mas não! Pois tudo o que entra se perde em neurônios que jogam bobinho comigo no ar e no vácuo da gordura cerebral e tudo é, senão esquecido, distorcido e inventado pela nossa memória falha e desejosa de algo que nos permita dizer que nos lembramos. 

Há momentos na vida em que buscamos o passado, lembramos, acessamos antigos armários mentais e achamos que estamos realmente lembrando de algo que aconteceu sem perceber que nossas lembranças são diáriamente modificadas pelas nossas vontades, veleidades, impersonalidades, recalques e desejos e até nossa alimentação. 

Eu fecho os olhos e vejo uma flor no deserto sem saber que não era um deserto nem era uma flor. Ou talvez fosse?

Há dias em que é preciso escrever.



O importante mesmo é a… LITERATURA, vitamina da IMAGINAÇÃO ! – CASA DA  CRÍTICA

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

A Cruzada de Rua


Uma velha cruza uma rua. 

Quanto tempo demorou para a velha cruzar a rua? 


                         *


Halley e outros cometas

Vestidos beges de seda

Vestígios de bolinhas amarelas

Passeando de almas dadas

Num parque azul de fadas

Um objeto de amor, um anel

E o verso manchado de mel

O caderno de figurinhas

Papel de carta decorado de vizinhas

Compatriotas marchando "à vera"

Manchas de sangue na Vera

A areia quente do inverno do norte

Flores de parreiras que não pulariam a morte

Um vestido azul com chuva de arroz e tudo

O champanhe borrado de dois amores

Um dia o mar virou sertão

Destino de fronteiras e fronteiras de destinos

O galpão a avisar o quanto de memória que há

Apenas o que pode ser será

Não adianta que para trás não se anda


                      *


Foi esse o tempo que ela demorou.