quarta-feira, 23 de maio de 2012

Relatos de Porões

O mundo não é redondo. Pasmem,  mundo é plano sim. As coisas caem, se forem até o fim. Há monstros nas bordas do imenso disco, e cachoeiras feitas dos mares de água salgada que ardem à vista. É verdade que o mar é uma lágrima, e penso que o planeta é uma retina. Alvejados constantemente por pequenos ciscos provenientes de Deus, que batem em nosso halo e apenas arranham nossas íris. As caravelas de nossos sonhos trilham incontinentes os continentes feitos de manchas, "terra". Nossas pedras respiram mais do que os seres que as habitam - respiram a solução negra do universo, que nos trespassa a pele, sem que possamos nem sentir aonde estamos. E encapsulados em oxigênio não possuímos em nossa razão o conceito de que qualquer coisa possa ser "ar". Sonhei um dia que uma pedra me perguntava: "Tu andas?" Ante risos de nebulosas, eu desfaleci em minha pequenez. Não sou solitário, e daí? - somos todos solitários. O Bloco dos Solitários Unidos. Por isso toco meu violão, e escrevo músicas, porque o som há sempre de percorrer e subsistir. Como ecos  de antigas paredes de pedras medievais - hei nunca de acabar. 

Dentro de porões, onde caixas de remédio se comunicam entre si, e antigos "playmobis" conversam utilizando apenas a inaudível força da mente, existem teias de aranhas feitas de filigrana de ouro, e mecânicos pássaros que  voam por entre paredes de néctar, repletas de poesia e gratidão, elas me agradecem por não as ter derrubado nunca. E eu aqui louco para quebrar meus muros, furá-los com piluns romanos, passo as minhas noites a penetrá-los com minhas unhas escavadoras de violão. Mas se perigo chegar ao fim do imenso prato em que perambulo humanamente, e quem sabe cair num vácuo, e descobrir que um buraco negro nada mais é que um mago cuspindo pó de estrelas, ao mesmo tempo que se alimenta delas. E nos meus porões existem baús de lenha grossa, que guardam os chumbos de Newton. Literaturas invisíveis me caçam ao abri-los, e como uma caixa de Pandora, figuras voadoras percorrem o ambiente, transformando os porões, iluminando-os com a escuridão da mente. E bem no meio há um poste antiquíssimo, onde um bêbado resta sentado, contestando, por dentro de sua peruca, o vento que tenta resgatá-la. O supremo conhecimento universal. A doce e misteriosa luta da vida que se desconhece o porquê. Tudo é uma cachoeira que se desprende de um prato imenso denominado Mundo. Embora os telescópios e as ondas de rádio nos enganem,  mundo não é, e nem nunca foi redondo. E a música salta como um bailarino em seu último abraço ante o abismo secular, eu sei - hei nunca de acabar.


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