terça-feira, 8 de novembro de 2011

A República dos Jabutís

Meu nome é Girimum. Que significa abóbora, não a cor, mas o fruto, só que o fruto é abóbora, que também é cor, embora eu seja verde, pois não sou uma abóbora, sou um jabuti. É isso aí, mermão. Sou um jabuti carioca por opção, ou acaso, ou sorte, que é a mesma coisa. E adoro jujubas.

Na verdade vim da África, não posso me considerar afro-brasileiro, não por ser verde, o que não teria nada a ver com o termo. Mas porque não nasci aqui, sou imigrante, mesmo assim esse negócio de ser afro-alguma coisa é idéia de americano, coisa chata pra caramba.
O lance é que eu vim nadando mesmo, fui caindo em correntezas cabralezas, apareceu um tubarão, tive que desviar rota, segui por atalho, bati com a cabeça no Atol das Rocas, fui descendo, descendo, peguei carona num pinguim otário e sem querer, quando fui ver, estava em ipanema. Olha só como é o acaso, né? Mais um pouco tinha caído em São Paulo, no Guarujá. Com certeza ia ter mais emprego. 
Sorte é um negócio que ou o jabuti tem ou não tem, cara. É o acaso. Vem e vai como marés.

Mas quando eu "desembarquei" aqui, rapá!...a areia tava meio sujinha, mas as mulheres...! Cada gata escandalosa. E os homens mal-educados que só eles! Vi uma gata do bumbum passar pela orla à toa quando de repente dois ciclistas ultrapassaram já mandando beijinhos e elogiando: "parabéns!. Sabe... sempre achei essa coisa de elogio coisa de babaca broxa e viado. Homem que é Homem não elogia, Homem que é Homem fica na sua e faz por merecer. Só quem não tem talento tem que ficar adulando e correndo atrás. Bom, desculpem, essa foi a impressão que eu tive. Sou um jabuti carioca por opção. 

Amigo... Eu cheguei num domingo de sol, e pra conseguir chegar no calçadão foi um inferno. Gente pra cacete. Fiquei louco pra tomar uma água-de-coco, mas não alcançava o balcão, nem dinheiro eu tinha, não ia adiantar. Me contentei com umas sobras jogadas no chão. Que povo porco esse. Tá certo que na África não é muito melhor não, mas me disseram que havia acontecido a tal da colonização, bla-bla-bla... mas minha primeira impressão não foi boa. Tirando as bundas, claro. Mas isso na África tem de montão.

Tomei um sol, dei uma esverdeada gostosinha...e parti pra luta por comida. Fui andando até o leblon, seguindo o conselho de uma piranha meio que perdida na água. Fui até um supermercado chamado Zona-Sul. Achei engraçado símbolo do coração e o nome Zona. Zona na África é puteiro, mas lá só tinha salame e queijo e um mundo de bacana comendo pizza. Me chutaram de lá. Literalmente. Um gerente com cara de viado...

Fui seguindo pra copacabana e eis que me deparo com o mesmo supermercado - Zona Sul! Mas esse não era só supermercado não, esse era zona-puteiro mesmo. Cruzei com uns travecos escolhendo uma linguiças, e uns boiolas escolhendo macarrão. Fruta quase não tinha, e o que tinha tava meio podre. Saquei logo que devia ser um bairro decadente. E de repente, quando já ia afanar uma latinha de manteiga, eis que me puxam de lado, e quando vi tava num buraco na parede, eu e mais uns 5 jabutis que nem eu. 

Juro que cocei os olhos pra ver se estava sonhando. Porra.... saí da África pra ser puxado por mais jabutis num supermercado-puteiro!? Fala sério, né? Mas um deles era uma jabutizinha boa pra caramba, e daí resolvi ficar com eles. Logo um deles começou a falar num castelhano muito do vagabundo. Me chamava de camarada, e a cada frase, três palavras eram "revolucion". Eu só queria uma manteguinha pra passar no meu pão...revolução é o caralho! Lá na África Chê Guevara é simbolo de maconheiro, e olha que lá é terra de revolução, você não faz nem idéia, amigo.

Aí eu falei pro cara: Você não devia estar de vermelho, cara? Jabuti que é jabuti não faz "revolucion" não, a gente faz é cocô nos outros. E ele respondeu: "Mas é isso companheiro, fazemos cocô nos outros mesmo! Nosotros somos terroristas de la mierda!" 

Eu já tava trocando olhares com a jabutizinha linda do grupo, nem dei idéia pra ele. Tava tentando convidar a "gata" pra passear entre os queijos, quando me pegaram pela mão e saíram correndo, se é que isso é possível pra gente como nós, jabutis, né.... Isso porque ia chegando o gerente viadão com os caras da limpeza. Me meteram junto numa tubulação de ar condicionado e eu acabei num cubículo no teto do pardieiro alimentício.

Sei que a galera "jabutonga" vivia lá como se vive numa colônia hippie. Mas só comiam alface, e só alface não dá forças para se fazer uma revolução. Sei que a cada dia que se passava um jabuti novo chegava. E ao longo de um mês nem cabia mais jabuti naquela espelunca cubicular.

Quando éramos uns 200 jabutis, minha respiração já havia esgotado e fui forçado a acelerar essa revolução. Saímos da toca que nem baratas e marchamos, e enquanto marchávamos as pessoas iam correndo de nojo, uns transexuais vomitaram, uns policiais sairam prendendo uns turistas, o gerente foi demitido e foi tanta cagalança de jabuti, foi tanta merda com formato de minhoca espalhada que o supermercado acabou sendo fechado para reformas. Isso gerou tal polêmica que toda a rede, incluíndo a loja bacana do leblon, acabou sendo fechada, pois as pessoas se recusavam a entrar. Tomaram nojo da marca Zona Sul.

Meu amigo jabuti vermelho ficou tão feliz que teve um derrame de felicidade - bebeu tanto rum que empacotou. E eu, que era o único jabuti que falava português assumi o comando da "revolucion". Meus compadres conselheiros diziam que o próximo passo teria que ser marchar discretamente para Brasília, e fazer a mesma coisa no Palácio do Planalto, que de lá é que surgia toda a merda do país, e que se quiséssemos que a grande frota jabutonga da África tomasse o Brasil, teríamos que encher o palácio de cocô também.

Então enquanto o supermercado permanecia fechado, nós fomos aglomerando a cada dia, mais de 200 jabutis. Ao fim de alguns meses era tanto jabuti que nem dava pra contar. Numa madrugada dessas, marchamos todos para fora do estado. Foi a maior "carreata" jabutonga jamais vista. Em 6 meses estávamos na frente do Palácio da Alvorada.

A entrada foi por um canal estreito que levava fiação por debaixo da terra. E por sorte adentramos por um buraco que ficava bem na parede ao lado do closet do presidente brasileiro - Dilmo sei-lá-oquê, algo assim... Dali pra sala do presidente foi um pulo de jabuti. E quando entramos na "sala oval" brasileira eramos mais de 50000  jabutis enfezados e prontos pra luta. Demos de cara com uma mulher, que mais parecia uma mondronga com um topete esquisito, e com cara de faxineira de bordel, porém muito bem vestida. Ela, sentada na poltrona do presidente, se levantou de um pulo só...e desmaiou. 

Começou então a grande cagalança revolucionária. Em cerca de 30 minutos o Palácio da Alvorada havia sido evacuado por eles e por nós. Só que em sentidos contrários. Era tanto cocô de jabuti que daria pra ver por satélite. E assim sendo, tomamos o país.

É claro que houve alguma disputa entre nós, mas por unanimidade, e por ser o único a falar carioquês, etc, etc, e tal.... eu fui posto no poder pela massa de jabutís. Formou-se no poder o PJ. Partido político que dava representação ao que éramos. Engraçado é que não houve luta contra nós, pois demos a sorte de a polícia estar em greve, e os políticos em recesso. E sendo assim,  tomamos o Congresso e o Senado e os enchemos de bosta de jabuti. O país era nosso finalmente!


Primeira medida: decidi então dividir o país em duas partes. Traçamos uma reta que ia mais ou menos do Maranhão até Santa Catarina. Na metade litorânea ficariam as pessoas de bem. Na outra metade seriam jogados os criminosos, os políticos antigos (todos uns ladrões), e os delinquentes. Nesta metade todos teriam que trabalhar em colheitas e viver de uma forma socialista sem liberdades, apenas trabalho e cama para dormir. Afinal, eram criminosos e pessoas do mal. Na outra metade permaneceria o povo honesto, trabalhador, enfim, as pessoas comuns em geral.

Deu certo por um tempo, mas começávamos a perceber que o lado dos maus ia cada vez mais se enchendo. E assim notamos que o funcionamento do país não dava certo. havia algo de podre no DNA do brasileiro. Para tudo havia um trâmite sinuoso, uma maneira escusa, um dinheirinho aqui, um lobbyzinho proibído alí... que mesmo aquelas pessoas de bem se encontravam suspensas e presas numa trama ideológica antiga e mal intencionada. Era como se o Brasil litorâneo começasse a se mudar oficialmente pra o Brasil delinquente do outro lado da linha por nós traçada. 

Logo não havia mais população no lado litorâneo, apenas jabutis. E como eu era o jabuti-mór, o único chefe com noção de português, eu me sagrei ditador supremo de tudo e todos. E minha primeira resolução no comando total ditatorial foi impingir uma ordem para que todos os brasileiros (agora do lado ruim) fossem forçados a comer jujubas cinco vezes por dia. Elas fornecidas por indústrias dinamarquesas de jujubas. Quem não comesse jujuba nas horas devidas seria levado ao muro e passado a fogo. 

Essa medida totalmente nonsense de minha parte causou distúrbios dentro do partido, que começou a rachar. Havia uma esquerda escondida que começava a tramar e conspirar a minha queda do poder. E assim ocorreu a guerra civil dos jabutís. Eu fui deposto e enviado de volta para a África.

Confesso que sinto saudades de Ipanema e das bundas brasileiras. Mas nunca mais voltei ao Brasil. Hoje penso em talvez me associar ao site do CouchSurfing.org e talvez rodar o mundo escondido na bolsa de alguma mulher. Quanto ao Brasil? Trocou seis por meia dúzia... É e será sempre a República dos Jabutís. A não ser que voltem ao passado de 500 anos, e comecem tudo de novo.








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