Não foram conceitos inventados e sim descobertos.
Antes as pessoas compravam uma geladeira porque ela funcionava, e funcionava até quebrar. Quando se descobriu que não influenciaria em nada, em termos de vendas, o fato da geladeira quebrar antes do tempo, começou-se a produzir geladeiras mais frágeis, com o intúito de quebrar logo para que o comprador tivesse que, mandar consertá-la, ou comprar uma nova.
A mesma coisa se deu de forma forte no mercado de automóveis, por exemplo. Ou seja: Um bem durável que antes resistia 20 anos, e que passou a resistir apenas 5, sendo vendido pelo mesmo preço foi um achado comercial valiosíssimo, e que deu na era do marketing de hoje em dia. Onda, que aliás, está destruíndo o planeta, literalmente através do super-consumo.
Porquê? Porque a compensação à falta de qualidade das novas geladeiras, como das TV's e dos carros se encontra na beleza, na estética especialmente desenvolvida para que o comprador acredite que aquilo vale alguma coisa. Porém não vale o quanto pesa.
Essa é uma conversa manjada. Não invento aqui a roda.
Mas vou fazer uma relação entre um fenônemo comercial e a sociedade, levando em consideração que o ser humano é o "benfeitor" desses novos conceitos maravilhosos que alteram nossas vidas em prol de sei-lá-o-quê.
O descobrimento do novo mundo se deu por acaso, pelos portugueses e espanhóis, como conhecemos, se bem que tanto os Vikings, como principalmente os Chineses já o haviam descoberto bem antes. O fato é que o descobrimento pelos portuguêses não foi por acaso, como contam nas escolas. Poucos descobrimentos são feitos ao acaso. Até porque para que sejam descobrimentos implicam que há alguém tentando descobrir alguma coisa.
O mundo de hoje que reclama da sociedade do super-consumo, das relações baseadas na futilidade, da necessidade estética acima do prático, é o culpado, não por descobrir tais conceitos, mas por seguir conceitos sem prestar atenção em suas vidas. No mundo de hoje as pessoas procuram a si mesmas e não umas às outras.
Nossa história cultural nunca foi baseada na "facilidade" que vem da futilidade. Desafio qualquer um a listar 10 grandes escritores completamente felizes. Desafio qualquer um a listar 10 grandes músicos completamente felizes. 10 obras de arte relevantes que não carreguem dentro de si o aço já substituído por plástico, em geladeiras. Diretores teatrais, atores, e até palhaços que não chorem no camarim a dor de existir.
Arte é coração. A arte é a única coisa que nos distingue dos animais, além do amor neurótico que o ser humano carrega dentro de si. Esse amor é artístico. Esse amor, mesmo quando carência pura é feito de ferro, nunca de isopor.
Cada vez mais vejo homens e mulheres sozinhos ou ligados em relações insólitas, leves, ou sem caráter. Uma geladeira que quebra em 5 anos é uma geladeira sem caráter. Um pneu de carro feito pra se esmigalhar numa rodovia é um pneu sem caráter. O Homem não tem mais caráter. Os bens materiais são feitos pra gerar dinheiro pra alguém trocar sua geladeira sem caráter por outra sem caráter. Uma Big Band jamais será formada de novo, uma produção musical como "A day in the life" (The Beatles), nunca mais poderá ser repetida porque a pirataria acabou com o mercado fonográfico convencional. Ok! Tudo muda, e eu aceito as mudanças. Mas a pirataria é o nosso roubo diário. Somos ladrões de galinha. Baixamos um grande clássico do jazz na internet, de graça, e metemos como toque de celular. É a geladeira que dura 15 minutos.
E as pessoas? Cada vez mais lindas e sozinhas e sem coragem de assumir as sua impossibilidades, suas incapacidades de amar! Porque o amor ficou raso, fútil, ligado ao plástico dos facebooks. Tem um mundo de supostos intelectuais que cultuam a alegria plena, como se isso existisse. "Basta sentir a "energia""- dizem, insanos. Sim, devemos estar nos tornando árvores! Eu até considero isso uma evolução corporal, pois uma árvore não faz concurso público, não precisa fazer força para existir. É o ser perfeito da natureza. Porém uma árvore quando chora de amor (e elas "choram"), não escreve belíssimas poesias, nem músicas, nem literatura, nem constrói um barco e vai morrer no mar. Não sabe o valor que existe numa Florbela Espanca, triste e amargurada...
Estamos cada vez mais centrados na nossa "geladeira" interior, quebramos rápido, porém somos maravilhosos, porque podemos cantar baboseiras e amar vulgarmente e sermos felizes por 5 anos.
Pois eu quero é mais! Eu desejo ser como um serrote que corta e dura 100 anos. Eu não me troco por felicidades instantâneas banais. Eu me recuso a ser uma geladeira. Eu quero ser um puta Rolls-Roice, que não precisa de propaganda na televisão pra vender. Eu sou feito de turbina de avião! Eu não aceito uma obra artística vazia e rala. Quando leio, leio Dostoievski, porque quero aprender com suas mágoas. Não quero a solução dos que olham para o Sol e se acham curados, por uma alegria dogmática feita de vitamina D. Quero comer a Lua, e sei que essa é a receita dos grandes musicais, das grandes peças, das grandes obras. Sei que pra ser pintor tem que correr o risco das doenças respiratórias, e sei que os grandes guitarristas machucam os dedos nas cordas 0,12. Não aguento guitarristas de merda. Gosto do som louco e soturno da guitarra. Como gosto de um violão antigo, de madeira triste e velha, onde reside a sabedoria anciã de uma floresta.
Relacionamentos hoje em dias são baseados na esperança de algo que não existe: a felicidade completa, eterna, dinástica, financeira. Felicidade é momentânea, e depende de se matar um leão por dia. Tem que se segurar muita infelicidade para ser feliz. Não acredito em promessas de igrejas e religiões que não sejam completamente altruístas. Não acredito no belo à toa, sem esforço, acredito no que dura. Já experimentei o bonito, já experimentei o rico, e sei que as pessoas mudam de acordo com suas situações instantâneas. Acredito na troca duradora. Não acredito em levar porrada e dar a outra face. Mas acredito que beijos são faces simultâneas.
Nosso mercado que vende merda, e premia o medíocre é um mercado que valoriza a alegria fútil e barata, que não passa de um sonho de consumo. Hoje, as pessoas não valem o quanto pesam, por isso não são felizes, mas precisam fingir que são. E eu acredito que geladeiras feitas para quebrar, quebram.
Cada vez mais me sinto como uma geladeira quebrada no canto de um ferro velho. lindo texto.
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