Aconteceu num grande teatro de segunda nos fundos de um bairro que havia sido muito nobre mas que agora ninguém mais frequentava além de morar e viver. O teatro era luxuoso, e o luxo sempre sobrevive à poeira das cortinas e ao veludo enferrujado das cadeiras cor de sangue. Na plateia pessoas, na sua grande maioria pessoas velhas, com seus casacos de pele velhos e rotos, e seus bonés de outros tempos, e suas peles amarrotadas de estivadores de grandes embarcações. Não era um público pobre, pelo contrário, eram apenas "amarelados", com olhos lacrimosos e cheios de penumbra.
No palco empoeirado um quarteto interpretava o Quarteto em Lá Menor de Mahler. Você não conhece? Foda-se! Deveria. É de uma beleza sublime e confusa, melancólica como tudo o que estou relatando e que é a mais pura verdade, e que ocupava aquele teatro como os armários de madeira de lei muito escura e os balcões da cor de braços de violoncelos.
O quarteto chegava a um ponto da música, em que momentos dramáticos e outros rapacemente felizes comoviam os músicos além do normal. A música dentro daquele recinto velho e enegrecido pelos anos, como uma catedral abandonada e furtiva, era uma espiral onde almas iam sendo carregadas como que pelo redemoinho de Allen Poe, tornado sonoro causado apenas por três instrumentos doces e tristes - um violoncelo, uma viola, um violino e um piano de cauda longa que interpretavam com maestria a peça inacreditável, e os cabelos dos músicos voavam maravilhosos com o vento que não existia lá dentro, e era tudo tão lindo e tão precioso que o tempo podia parar.
Havia um ajudante de palco, algo assim, que virava as folhas do pianista no segundo exato. Houve um momento então em que ele deu um passo à frente afim de virar mais uma página da partitura e por uma razão desconhecida de qualquer um, por ventura, seu sapato bem polido pisou em algum pontículo lustroso daquele palco imundo mundano e maravilhoso, e enfim o homem escorregou para trás não conseguindo sequer tocar o caderno com as notas da música. Caiu para trás e sua cabeça bateu na cadeira de ferro fundido e madeira indiana rebuscada de capilares esculpidos à mão. O sangue derramou de sua cabeça e escorreu pelo piso corrido, e o homem morreu no ato.
Os músicos continuaram a tocar efusivamente como sempre. Ninguém na platéia se mexeu. E assim acaba este conto.
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ResponderExcluirEu não sou o Selton Melo! Porra! Pare de me encher o saco e vá encher o Selton Melo de verdade! EU NÃO SOU O SELTON MELO! ENTENDEU?
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