Existe um lugar, mais comumente - um bar -, muito popular na zona sul do Rio de Janeiro que atende pelo nome de Empório. (Atende sim, se vocês ligarem pra lá vão ouvir alguém dizendo: - Empório!). Bom, é um bar feito numa típica casa da Ipanema antiga da época dos meus pais. Que fica na esquina do quarteirão da escola onde estudei, e que tanto odiei, e ainda odeio, e que um dia hei de explodir o local (claro que vou esperar as criancinhas saírem de dentro, né? Não sou muçulmano radical.). O Local que vou explodir é a escola e não o bar, só pra vocês terem ciência do que estou falando. Bom, o tal do Empório, na minha meninice, era um bar bobo, sem público, mais limpo do que hoje, e que possuía um "flipper" do tipo Arcade, que a gente descobriu, e ia jogar na saída da aula. Bem legal até. Nos fundos do bar tinha um papagaio, que não lembro se era de madeira ou de verdade mesmo, pois já faz um tempão isso, e eu tô ficando velho. Mas era um papagaio enigmático, como o próprio bar era. Entrei lá pouquíssimas vezes. Era um lugar de adultos.
O tempo passou e eu cresci seis anos a mais e já tomava minhas cervejas, e já virava minhas noites com alguns amigos, e já curtia o rock and roll local de uma forma passiva, porém inserida no contexto, e já começava a escrever minhas primeiras musiquinhas sem graça, as quais só não tinha vergonha de tocar para o meu espelho do banheiro de casa. Empório vivia a sua melhor fase. Não era lotado, mas não era vazio. Havia se tornado "point" cultural do Rio de Janeiro. Destilava seus traficantes, suas musas, seus profetas, seus bêbados, sem a chatice dos adolescentes mais idiotas de hoje em dia (eramos um pouco menos). Gostávamos de Iron Maiden, The Clash, Ozzy, Beatles, e Blues. E o bar encarnou uma aura de templo do rock, de possuir o direito, bem como o dever, de ser o bastião, o Pirineu, o obelísco do Rock Nacional que corria solto na sua única época em que prestou mesmo, e única em que realmente existiu como movimento. O Empório era o
lugar do rock, e sendo que na época o nem o rap, nem o Justin Bieber haviam nascido, nem a pirataria, nem o I-Fode, e mal se tinha secretária eletrônica em casa, o Empório era a CASA do rock na cidade. Não enchia a rua, não atrapalhava o tráfego, mas agitava a vida.
Depois a casa se tornou "point" da molecada cada vez mais idiota (ou eu cada vez mais velho, talvez...). Mas não... porque até então eu só tinha 18 anos, e ainda deveria pertencer a idiotice geral, mas nessa época eu já tinha músicas, e já estava me mandando pra fora do Brasil, o que é outra estória que não vem ao caso neste texto. O Empório se tornou um bar mais esculhambado, não menos Rock and Roll, porém buraco das patricinhas chatas e gostosas e dos mauricinhos e "pleybas" de plantão da época.
Já era o início dos anos 90 e o fim do rock nacional, dos anos 80, do meu período escolar, e acho até que do próprio papagaio, provavelmente. Mas um bar que mudou tanto e tão pouco, com relação à sua fachada arquitetônica, tinha uma característica peculiar, assim como poucos e sempre famosos, bares da cidade: o seu garçom especial. Figuras míticas presentes em vários bares do Rio de Janeiro, muitas vezes assumíam mais importância que o próprio espaço, e se reservavam até o direito a uma certa arrogância súbita. O Empório tinha o seu, e se chamava, e ainda se chama (pra quem acredita que um nome nunca morre, nem uma pessoa) Vicente.
O Vicente era o GARÇOM do Empório. Era a mística do lugar, a cara do lugar, o som do lugar, a imagem do lugar, com aquela sua barba de profeta-stones-metal, o Vicente era o "chefe" do lugar. Virou símbolo do lugar, e agora virou "amuleto" do lugar. Pois Vicente faleceu há pouquíssimo tempo, deixando órfãos os que o amavam, e os que o detestavam.
Agora, pergunto eu: qual a razão deste texto-embromação só para falar da morte de um garçom importante de um barzinho "cult" da cidade? Tudo isto era apenas para falar sobre a vida após a morte. Pois que o tal do Vicente foi um garçom importante e carismático, não resta dúvida. Mas apenas um garçom... nunca foi sócio, e aposto que nunca recebeu mais do que um salário de garçom, pelo que imagino... apesar da fama que tinha, e do sucesso do bar.
Pois que súbitamente, mas não sem aviso, o cara morre e de repente vai virar SÍMBOLO real da casa. Pois o Empório vai passar a se chamar "Empório Vincent"! E vai ostentar logotipo com o semblante do sujeito. Que honra....me dá vontade de chorar até. Até porque (e me perdoem os donos se eu estiver equivocado) o tal do Vincent não recebeu nem um tostão por isso, e provavelmente não receberá visto que está "dead". Ninguém nem deve ter perguntado a ele das intenções e transformá-lo no símbolo econômico, de um estabelecimento capitalista. Até porque duvido que alguém tenha tido a coragem de chegar para um bom sujeito, trabalhador, morrendo de câncer no fígado, dizendo as palavras: "Vicente, já que você vai morrer mesmo, que tal a gente usar seu nome (disfarçado jurídicamente de Vincent, claro!) e seu rostinho pra promover o bar que continará vivo?" Sacanagem, né? Quem tem culhão pra propor isso sem oferecer nada, pelo menos à família do doente? (Peço perdão de novo, caso isso tenha acontecido de maneira outra e justa.) Mas duvido, e me parece muito injusto que se aproveitem de quem nada pode mais reclamar. Tenho certeza de que o "Vincent" se sentiria honrado (ou talvez não?) com tamanha "vida" após a morte, porém muito chateado de não ter sido homenageado em vida mesmo. Principalmente com algum dinheirinho a mais, um numerariozinho a mais no contra-cheque, que com certeza não ia fazer falta para um garçom. Alguém perguntou a ele?
Pra não me ater apenas a este caso há outros famosos. Como por exemplo quando eu, embasbacado, assisti num show no Canecão, uma Zélia Duncan interpretar de sopetão, e anunciando, sua grande e feliz parceira, numa música composta entre ela e o centenário compositor pioneiro da música carioca - Guerra-Peixe. Música de Guerra-Peixe e letra da grande Zélia Duncan! (Ou não seria o contrário?) Porra! (Desculpem, mas só dá pra expressar isso com palavrão mesmo.) Alguém! Repito... Alguém perguntou ao Guerrinha se ele autorizava a Zélia a enfiar uma letra (boa ou não, que importância tem...?) na música dele? Alguém perguntou ao Guerra se ele gostava da Zélia? Seria impossível; não foram nem contemporâneos... Talvez a família tenha autorizado. Mas eu juro, que se no dia em que eu morrer, uma filha, ou neta ou raio-que-o-parta da minha futura família autorizar o uso da minha música Pintura (que eu adoro!) num comercial de Havaianas, eu vou puxar o pé de todo mundo durante a eternidade. Acho isso um desrespeito com o morto.
Isso aconteceu até com o John Lennon, que depois de assassinado teve uma música usada pra vender tênis Nike. A Nike é uma empresa que tem como política utilizar mão-de-obra semi escrava de países fodidos do oriente, e revendê-los a peso de ouro nos países onde existem povos mais endinheirados. (Um tênis de plástico e nylon a 500 reais!!!, pra mim isso é peso de ouro sim.) Vocês, leitores amigos, que têm algum conhecimento das idéias do falecido John Lennon, acham mesmo que ele autorizaria tamanha audácia em vida? Bom... a Yoko autorizou, ou o editor da música, a gravadora, sei lá quem....
O pior dos casos: Igreja Católica Apostólica Romana. O Vincent deles, Jesus, morreu sem nem imaginar tamanha propaganda que faríam de seu nome durante mais de 2000 anos, sem falar na imensidão de dinheiro e terras e poder que isso gerou, dos quais ele não usufruiu nem uma vírgula. Com todo respeito a quem acredita em Jesus como Salvador, Messias, Profeta, etc. Não importa, né? Se você acha que ele é Deus então tudo bem, ele tá sabendo o que está acontecendo. Não parece muito feliz.... mas está sabendo. Agora... se você pertence a outra religião e acha que ele não teve nem idéia da amplitude que seu nome gerou e que o próprio nome recebeu, é uma tremenda de uma sacanagem com um morto. Quantos não enriqueceram se utilizando de uma pessoa que não está nem mais entre nós. Quantos não assumiram poderes inconcebíveis em nome de um personagem que se foi!
E você? Já pensou em você? Quando você morrer, (e isso é certo que vai acontecer, infelizmente...) o que vão fazer com VOCÊ? Você pode morrer e de repente virar o maior símbolo gay do universo sem nunca ter sido. Ou pode se transformar na maior marca de cerveja de todos os tempos sem nem ter experimentado um porrezinho da maldita latinha. Ou pode ser considerado o maior artista de sua época, e na verdade foi um merda (nesse caso a coisa é bem legal). Mas considerando que em quaisquer das situações você não usufruirá de nada, não saberá de nada, não assistirá a nada, e que outros lucrarão sobre seu nome, dane-se tudo e todos , né?
Mas vamos considerar que existam realmente espíritos, e que possamos depois de mortos assistir a essa imensa orgia que fazem da gente. Impassíveis de tomar alguma providência maior que puxar pezinhos por aí, tudo isso é podre. Volto então ao caso do meu amigo Vincent, ops! Vicente. O sujeito vivo é perigoso. Pois ao ser homenageado desta forma tão bela, de virar cartão-postal e letreiro, pode receber melhor oferta e se mandar. E aí a casa, ou religião, ou empreendimento qualquer cai, né?. Melhor esperar o vivo morrer mesmo. Daí a vida após a morte.