quinta-feira, 2 de maio de 2013

Route 66

Seguia livre no meu Mustang cor de abóbora. Me cortava o vento da califórnia. Me roubava a maresia do deserto. Me atiçava cada vez mais a sua presença tão longínqua. E eu me esbaldava sozinho, sozinho nos motéis da estrada. E pedia a Deus mais vinho. E perdia meu pensamento ateu a cada vez que bebia. E a poesia em forma de prosa eu escrevia. E tocava meu violão nascente com o dia, sem perceber que era noite. A moça da recepção me perguntava pra onde eu ia. Meus olhos riam e eu respondia. Vou com a brisa, vou com a brisa.

Felizes tempos aqueles em que nada me corrompia. Felizes anos em que nada me prendia. Eu era uma flor sem espinhos, sem dor, sem odor, com calor, com energia. Hoje não sou mais o que fui. Fiz o que pude...mas não deu. O goleiro defendeu o gol no último minuto, cor de alcaçúz. 

O saguão do motel ficava do lado de fora, ao ar livre. E livre estava o ar em que ele ficava. Um soldado entrou, sentou e me perguntou da onde eu era. Eu ri. Eu era de mim mesmo. E ao mesmo tempo não me bancava. Eu era um tímido ainda. Minhas pontes ainda não haviam quebrado. Quando se é tão jovem não se sabe como cruzá-las; quando se perde o olhar da ingenuidade não se pode mais ultrapassá-las.

O soldado sacou um baralho do bolso. Perdi uns trocados. Mas ganhei a loura que havia quebrado o carro, do namorado. Sorte minha não fui roubado. Sabe-se bem o que é ser  vitimado. Especialmente quando este só quer sexo fácil, com uma garota imbecil, linda e psicopata. Quem quer se envolver com alguém que possui apenas um token de telefone e um par de tamancos bem colados?

Esta foi minha vida. E foi tudo do que eu escapei. Não usufruí e não ganhei. Mas também não perdi nem encrenquei. A vida é uma porta aberta quando fechada. Tem que se dar um tranco na fachada. Ou é melhor comprar doses de uísque barato e chorar à madrugada. 

Nos anos perdidos a roupa lavada em casas de feijão vermelho de graça (New Orleans), eu aprendi o que é amizade. É algo que varia com a bola lançada na caçapa. Orlando, amigo, Paulo inteligente. Tantos anos se passaram. O que resta apenas é a gente e a saudade. Longe de tudo, longe da estrada. E essa estrada não se reconstrói, ela fica para trás, apagada. Só resta a memória, que não nos deve nada. E a esperança de que um dia possa-se montar num Mustang, agora vermelho, e retomar a estrada. E encontrar a mineira Rivane, sabe-se lá onde ela possa estar.



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