sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Estácio

Sou um baleiro. Acho que é assim que chama. Mas os motoristas me chamam de Zé mesmo. Eu vendo balas nos ônibus da cidade. Geralmente eu começo o serviço lá no Estácio, que é onde eu moro. Sou feliz de morar lá. Lá tem tudo o que eu preciso. Tem depósito de bala, tem calor humano, pelada aos domingos, uns botecos pra afogar as mágoas, e especialmente uns cortiços que resolvem meus problemas e ainda penduram a conta quando eu to bêbado. Por isso eu finjo muito de bêbado. Fingir de bêbado resolve vários problemas, especialmente com polícia e traficante - ninguém mata bêbado à toa. As pessoas sentem pena. Mas às vezes eu bebo mêmo. Sá porque? Porque sinto falta da Elvira... ......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................
Aí, esse silêncio doeu. Já disse uma vez que eu perdi a Elvira por causa da cachaça, mas eu acho que a Elvira é que me perdeu por causa da cachaça. Sabe porquê? Porque se existe matemática no mundo, não existiria sem a danada da cachaça. Eu lembro que quando eu era criança, lá no pulgueiro público onde eu estudei em São João (é, eu sou de lá) o professor tava sempre pingado. Mas ele acertava as contas! Eu sei disso porque sempre fui bom aluno. Mesmo sendo muito burro. Como eu sei que sou burro? Meus colega sempre me disseram. Mas acho que burros eram eles, porque hoje eu tenho a minha independência financeira, rapá! AHAHA! É isso aí! Vendo minhas balinhas de hortelã nos ônibus que partem do Estácio. Lá no morro do São Carlos tem muita gente que pega ônibus, porque não tem metro nesta região, e muitos xingam a prefeitura por isso. Mas eu não. Acho o prefeito super descolado, dizem até que ele é gay, e gay compra bala, cumpadi. Mas gay compra mais de chocolate, aí meu lucro é menor, mas tudo bem, vale a pena assim mesmo. Se o prefeito tivesse corage de furar um metrô lá no Estácio ia ficar mais difícil de vender, porque no metrô a gente não pode entrar. Ainda! ......................................................................................... Uma moça da vida (puta) - mas não gosto de faltar o respeito, respeito foi a única coisa que Deus inventou, sabe né? - a puta, (desculpe: moça da vida) ela é francesa e disse que em Paris o amigo pode até mijar no metrô. Vender bala, então, nem se fale! Aí, se eu pudesse sair daqui. .............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................Mas se eu saísse daqui como ia ficar a Elvirinha, coitadinha da peça... Eu sei que ela gosta de mim, no fundo eu bem sei. Mas a vida não tem retorno e eu entendo quando ela me disse que precisava ficar com o Tadeu. O Tadeu é o fiscal da firma de ônibus. Caralho. Não consigo nem olhar pra ele. Me dá uma raiva, fico tão vermelho, que às vezes nem vendo muito. Mas quem me salva são as crianças da escolinha pública. O lanche nem tem, então elas acabam matando a fome com balinha de morango. A bala de morango é uma doce ilusão do ser humano, né? O mundo deu o morango para o homem, mas ele prefere comer morango falsificado misturado com açúcar. Mas eu não tenho nada com isso. Eu vendo a camisinha, amigo, não me interessa onde ela vai entrar.

......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................Sabe... eu gosto de samba. Mas não tem mais samba como antigamente, não. Eu gostava do Zé Kéti. Esse era um negão supimpa. Meu primeiro beijo na Elvirinha foi num baile de carnaval em  Jacarepaguá. Nunca vou me esquecer da música tocando e a gente se beijando. Era serpentina pra todo lado, confete...até mijo jogaram lá de cima. Ela disse que foi guaraná, mas é porque ela não queria parar de beijar. Menina inteligente pacas, não tinha medo de nada, bem Amélia mesmo: "tirava a calcinha e ficava à vontade" - paródia da marchinha. Bons tempos...

Olha... eu sou um cara respeitador. Mas todo domingo eu sento no banco do largo do Estácio e fico olhando as lindas crianças, os velhinhos, os travestís, etc. Aí, me dá um calor humano, paz que vem de dentro, que misturada com a pinga eu mando todo mundo tomar no cu. Mando mermo, cumpadi. Porque tá todo mundo andando como se nada tivesse acontecendo, como se o saco de leite não tivesse inflação. Mas nem é pelo leite, porque eu quero que o leite se foda, e a vaca também - não, a vaquinha eu não quero - olha, deu vontade de chorar agora..............................................................mas a vaca da Elvira eu queria que caísse do quincagé...quincajuésimo....porra, andar de número 50....mas no Rio não tem. Acho que só em Paris mesmo. Dizem que as quenga atendem lá no alto mesmo, com vista da Torre Ifél. Quem sabe a Elvirinha não vai pra lá e acaba caíndo pra sempre dá minha vida. ............................................................................................................................................................................Desculpe o silêncio, mas é que ela já caiu mesmo da minha vida... Também, que se foda. É por isso, e por outras e boas que todo domingo eu sento na pracinha e xingo para ca-ra-lho. Análise de pobre é xingamento, e psiquiatra de fodido é a velha 51.

Confesso que já bebi álcool Prink, da farmácia mesmo. Mais barato e agora, por causa da lei, que é feita pra eles ganhá mais dinheiro, ele vem que nem uísque - 42% de média alcoólica. Misturo com uma balinha de gengibre que eu vendo, e inventei o uísque. Fica bem melhor até. Não acredita? Te convido um dia pra tomar um lá no meu cafua. Aí você vai ver onde se mora bem. Tenho até uma televisãozinha de segunda mão, e o proprietário deixou um tapete persa lá, amigão. Ééééééé´! É persa sim, dos antigos, ele disse. Tá meio manchado porque lá tinha uns bichinhos antes de eu me mudar, mas taquei uma água sanitária e tá nos trilhos.

Vocês não vão ficar putos comigos não né? Se bem que putos vocês já são. Porra, caralho, boceta!!!............................................................................................(pausa pra tossir).....................................................Mas é que eu sou rico. Esse texto é uma baboseira. Enganei? Enganei? Ahahahaha! Bando de otários filhos de uma puta! Quero que todos vocês ardam no inferno. E bem que o pastor da Igreja Universal me disse semana passada que o inferno é aqui - mas que é pra eu não espalhar, viu?, se não não rola dízimo..............................................................Mas é mentira. Sou rico não. Nem quero ser. Rico tem que fazer chapinha no cabelo, passar talco no bigode e raspar os pentelhos pra comer uma puta. E eu só como mulher da vida (não são putas, já disse antes, são dignas e pobres)..........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................Epa, olha o ônibus vindo aí, cheião, beleza! Vou subir e vender uns venenos para a criançada perder logo esses dentes branquinhos bem tratados. Brincadeira, vida longa aos dentes da classe A. Dizem que a felicidade não existe para ninguém, é apenas um momento. Vou aproveitar.




terça-feira, 26 de novembro de 2013

Aranhas

Os cientistas "pregam" que não existe inteligência tão desenvolvida quanto a dos seres humanos. Pois eu sempre achei que as aranhas são tão inteligentes quanto a gente, assim como as árvores, mas este é outro fato.

As aranhas constroem uma espécie de armadilha, feita da mais pura e fina "seda". A colocam em lugares estratégicos. Como lojistas num centro da cidade, elas se situam bem onde seus fregueses hão de passar. É claro que é uma armadilha, mas não são as lojas armadilhas também?

A maneira como elas enrolam seus "clientes" é funesta, dissimulada, escondida, eficiente, pragmática. Depois, com calma, sugam seus cérebros e suas carnes como contas bancárias, cartões de crédito... Um comerciante age de forma semelhante, fingindo gostar da presa, ele dissimula, elogia, "enrola", manda um papo, e no fim faz uma completa lavagem cerebral que tem a complexa finalidade de levar o dinheiro alheio. Apenas, dando algo em troca, o que é mais louvável. 

Não estou criticando o comércio, nem o capitalismo. Sou a favor do mérito acima de todas as coisas. Venho de uma família de comerciantes, e que são pessoas boas e trabalhadoras. Assim como são as aranhas, que fazem o que fazem pela sua sobrevivência. Neste mundo um come o outro, é fato. Leia-se Darwin.

No meu banheiro de vez em quando aparecem uns mosquitos odiosos. Aqueles que às vezes são da dengue e às vezes não. Porém os vejo como inimigos sendo que me picam se eu der mole. Não gosto disso. Então se aparece uma aranhazinha da quina da janela eu a deixo livre para progredir, pois sei da sua função.

Outro dia eu percebi uma delas bem no cantinho da janela. Gordinha e bonitinha, possuía a paciência que só os vendedores das grandes lojas de eletrodomésticos parecem ter. Todos de frente para a calçada, olhando expertamente para os passantes desavisados, ainda longe (mas nem tanto) de suas "teias".  O menor movimento os afasta!

Me admirava a paciência da aranha, e me perguntava como ela conseguia realmente se alimentar com tão pouco mosquito aparecendo por lá. Lembrem-se que o banheiro, devido ao seu tamanho,  é como uma cidade para os insetos. 

Então eu esborrachei o mosquito contra a parede. E a aranha incólume, estática. Depois sem querer movi a mão de uma forma que a assustou retirando-a ao seu ninho numa frestinha do ladrilho. Arrastei então com a ponta do dedo o mosquito para bem junto da teia dela; mas não tão junto, coisa de uns dez centímetros de distância ( não queria dá-la uma janta grátis, queria ver o que aconteceria mais tarde).

Horas depois entrei de novo no banheiro e notei que os restos fúnebres do mosquito já não estavam la. Ou seja: ela: se havia servido do free lunch. Achei interessante, e isso me levou a pensar em outra coisa pertinente.

Se eu posso esfolar os mosquitos contra a parede, para quê eu preciso de aranhas no meu banheiro? Mas ao mesmo tempo se eu possuo aranhas para fazer o meu trabalho sujo, para quê esfolar eu mesmo os mosquitos?

Isso me levou a refletir sobre nossa condição humana, passiva ou ativa. O que acabou me levando a pensamentos de ordem política, que obviamente estão ligados aos fatos recorrentes neste país de merda chamado de Brasil. 

Essa reflexão eu vou deixar em entrelinhas, de forma blasé. Assim como as aranhas, pois continuo achando que há nelas algo que alguns seres humanos  não conseguem entender, mas que usam no seu dia-a-dia.

A iniciativa privada e o "governo privado".






terça-feira, 19 de novembro de 2013

Minha cidade preferida

Minha cidade preferida tem árvores impressionistas. Não tem asfalto, nem linhas de trânsito desenhadas nas avenidas. Minha cidade preferida é vesga. Nunca se sabe para que lado ir, nem de que lado ela te olha. Minha cidade preferida chove granizo todo dia, mas nada nos machuca, pois suas marquises são largas e inventaram alguma solução tecnológica para faciltar os cruzamentos nos sinais das ruas. Na minha cidade preferida ninguém sabe o que está acontecendo, mas todo mundo sente nas suas entranhas o futuro que parece se dissolver, mas que é duro como paralelepípedo. Na minha cidade preferida os paralelepípedos refletem o céu, e há casas de chá em cada esquina, que vendem pipoca caramelada e com sabor de curry. As pimenteiras crescem nas rachaduras dos antigos prédios, e os cavalos de alimentam delas para ficar mais vermelhos do que brancos. Na minha cidade preferida os moleques jogam bola com poesia, e a cada chute pensam em alexandrinos perfeitos. A música existe na minha cidade preferida. Ela é composta apenas pelo vento, e é tão linda que as pessoas apenas percebem a felicidade que as atinge, sem nem saber como ou porquê. Só existe um único músico na minha cidade, e ele toca oboé numa esquina, e possui uma tatuagem de uma lágrima só, como que escorresse de um olho, e a cada semana a "lágrima" mudaria de lado, e ninguém realmente saberia da veracidade desta tatuagem, sendo este o lastro de sua música melancólica e triste. Os meninos que não possuíssem bola jogariam um futebol imaginário, e os casais redundantes nunca se separariam, e suas mãos viveriam atadas pela cola do infinito, e o estádio municipal teria seu gramado coberto de espinhos que uma cabra viria comer todos os dias, sendo que eles cresceriam logo após fazendo com que esta belíssima e paciente cabra voltasse para cumprir seu trabalho a cada dia, numa missão digna apenas de um Sísifo. E embaixo das arquibancadas eu faria amor com "Joana". E as pessoas andariam apenas por seus sapatos serem bonitos, e a chuva quando caísse traria com ela papagaios e goiabadas que não durariam mais que sete dias. E o povo se refastelaria com divinos sucos, e enternecidos amores, e os opostos não encontrariam suas distinções, e as baratas não existiriam em lugar algum. E os meninos seriam homens, e as meninas mulheres, e as mulheres seriam meninas e os homens meninos, e existiria uma rua tão repleta de árvores que seria impossível enxergar o chão visto de cima, e que no inverno assumisse a brancura da neve que cairia solta vinda diretamente da alma de Deus, em preparação ao verão onde tudo mudaria de lugar - ruas, estradas, metrôs, pessoas, apartamentos - e todos enfim morariam em frente as areias de uma fabulosa praia cercada de orquídeas, com as quais os homens trepariam e sendo assim dariam a luz à maior maravilha de todas, ou seja, algo ainda não descoberto, porém inexplicado, longe da compreensão torpe do ser que não existiria nesta cidade preferida.




segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Poema Solto

Terra...
Reparte em cinzas
O sexo da vida

Terra
Reparte fria à noite do amor:
Tua ferida

Rogo-te em louvor
Que nunca me soltes
De tua gravidade escorregadia

Mesmo que esta, sim!
Seja de fato
O inverso da Democracia