terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Boca

Gente é um tormento
Ou fala de mais
Ou fala de menos.




quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Conto que reluz.

Na natureza há artifícios. Cores que nos enganam. Flores que nos enlevam. O céu hoje tomou a Terra de sobressalto, e os peixes ondularam com a maré azul. Não sei se flocos encadeados, ou linhas imperfeitas, ou firulas de partículas foram essas, mas com certeza a ondulação que geraram fora mais deslumbrante que nuvens de seda. Como se a natureza, qual cozinheira embriagada, preparasse ao Homem o prato gourmet mais cintilante já visto. O céu não se abrira, pelo contrário, se movimentava como serpentinas celenteradas, esfumaçadas, e em volta desta bruma grossa, existia algo, alguma coisa indefinida - Deus?

Ai, como é linda a terra do Arpoador, querida. Se eu pudesse eu me jogaria nesse céu, nesse mar, nesse sonho... É claro que você pode se jogar, amor, mas não se esqueça das pedras que virão antes. E daí? Depois é paz, e glória. Não... querido, a paz existe apenas numa música qualquer que um famoso compositor fez para isso tudo. Ok, beije-me então, e aprecie as ondulações da maré alta, o crispar das estrelas, a lâmina do luar, e as serpentinas das sedas.

Chegaram por fim a uma casa. Ela ficava por detrás de uma das moitas, ou pedras, ou moínhos imaginários da praia. Era uma casa de madeira, e seu fim era como seu começo: irretocável. Abriram a porta da pintura, e de dentro daquele quadro havia uma janela e o azul que se misturava com o branco sedoso e sinuoso era mais claro e seu lume maior que por fora.

Mas é claro, disse Paulo. Aqui dentro tem mais vida. Mas como tem mais vida se aqui é escuro? Bom... vai ver esta é a razão. Por ser escuro o brilho de fora é sempre mais grandioso. As coisas que a gente não tem são belas enquanto não as temos. Mas às vezes são belas também quando as adquirimos. Amor, lembre-se que não brigávamos antes de amar. É verdade, acho que o Paulo tem razão. Mas que és tu, Paulo?

A questão não é quem sou eu, mas sim quem são vocês! Eu já estava aqui, em minha casa, vocês que entraram! Mas a porta porta estava aberta, nada pudemos fazer. É claro que poderiam ter feito, ora! Bastava não entrar. Ok... acho que vamos sair, então. Podem até tentar, mas eu não sei mais onde está a chave da porta, e a janela é alta demais. Mas foi bom que vocês tenham chegado, pois minha liberdade reside na situação. Eu irei junto, se não se incomodam.

Num canto da mesa, sentado tomando um uísque se encontrava João, que falou: - Pois eu possuo a chave. Se vocês quiserem eu dou. Mas têm que fazer uma promessa a mim, de que o próximo casal que aqui neste recinto entrar será a minha vez.

Claro, João, pode passar a chave, o mundo é um destino e nada mais do que acontecimentos que vão acontecer. A mudança é a única certeza. João então deu-lhes a chave e ao abrirem a porta lançaram-se num mundo de céu e brisa e turbilhoes dadaístas de seda branca e creme envolvidos num pano bordado pela natureza, filha de Deus, que os levou ao lindo solo pedregoso do Arpoador.

Quanto tempo por isso você esperou, Paulo? A resposta foi "a eternidade". Mas um poeta um dia escreveu que esta dura apenas um momento . "Foi rápido,eu acho."

João espera, Que alguém abra a sua porta, que a feche e que lhe entregue a chave que a abrirá novamente. Um momento eterno é uma fração de segundo. E na tela de trabalho de seu computador o desenho de serpentinas de nuvens, ventos celenterados e muita certeza.





sábado, 14 de dezembro de 2013

Para A.

O teu olhar é indefinível
Contém toda a tristeza necessária de um ser feliz.






quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Muitas Vezes (versos imperfeitos)

Uma nota de um milhão
Muitas vezes
Não vale um sorvetão

A Lua no alto do mar
Muitas vezes
Vale nada sem luar

Sem querer
Muitas vezes
Você não é você

Um homem só é digno
Muitas vezes
Dentro do vinho

Eu queria poder ser              
Muitas vezes
O que é você

Música na alma
Muitas vezes
Em nada acalma

Queria ser palhaço
Muitas vezes
Crianças no teatro

Versos imperfeitos
Muitas vezes
Não querem dizer defeito




terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Peteleco

Às vezes sou um campo onde cavalos selvagens divagam sobre a vida
Devagar! Eu acordo sempre que não durmo, e sei que é longe...
Hoje o campo está florido, Deus! Mas em minha terra só há uma estação
Que seja sempre a estação das flores, e das pedras de granito azurita
Correm os cavalos, e são necessários cavalos para se cavalgar os montes
Correm cavalos, e nós em cima, ansiosos do dia em que montaremos bisão
A vida... a vida não tem mistério. Deus me ensinou: basta um peteleco.





sábado, 7 de dezembro de 2013

As Coisas Dão Certo Da Maneira Errada.

Cada vez tenho mais a certeza de que as coisas dão certo da maneira errada. Pense bem: há cem anos atrás começava-se a andar de automóvel, porém durante milênios imperaram as charretes e afins. Hoje, cem anos depois, estamos mais avançados tecnologicamente, urbanisticamente, o que nos levou também a um avanço social sem medidas, dentre outras facilidades. Mesmo assim demoramos horas para chegar ao trabalho, se formos de carro ou ônibus, ou qualquer veículo de quatro rodas. Diz-se até que a velocidade média do trânsito de uma grande cidade é equivalente às das charretes de antigamente. Provo, neste texto então, que as coisas por fim deram certo, mas da maneira errada.

Nossa comunicação é seguramente bem mais avançada do que no tempo do Onça. Naquela época, mandávamos bilhetes, cartas que chegavam atrasadas aos fatos - quando chegavam -, a pricipal obrigação de um ser com visão era comprar os jornais todos os dias e se informar. Jornais de papel, eles eram o que havia. Até muito pouco tempo (minha infância, sem querer me gabar da minha idade) não existia tablets, nem laptops, nem mesmo computadores pessoais, quanto mais redes sociais. Andróids só na televisão - que era preto e branca, pra classe média era colorida mas de uma qualidade péssima. "Internet" era literalmente feita "a la" boca à boca, e a quantidade de informação sobre futuras erupções de vulcões, ou supernovas que podem dar cabo de nós em segundos eram teóricas ou desconhecidas. Mas todos os perigos existíam, e as pessoas eram as mesmas, embora tivessem que discar um telefone e torcer pra que a ligação completasse. Hoje, com todos os avanços tecnológicos, obviamente progredimos. Mas é inegável que a quantidade de informação jogada na rede não possui a menor confiabilidade (na maioria das vezes), e os telefones não discam mais, mas o sinal corta nas horas mais emergentes. E embora possa-se utilizar de toda essa evolução simbiótica se ganha menos dinheiro do que antes. Pois o mundo está numa crise bufante, e toda essa tecnologia é infinitamente parcelada em 12 vezes sem juros pelos que não têm muito vintém, ou seja: mais gente do que quando da invenção do vinil. Que aliás, morreu, e ressuscitou valendo 500% a mais. Ótimo investimento. Outro dia vi na televisão um americano dono de 10 mil vinís. Esse sujeito está rico, como nunca esteve antes, deste modo. Palmas! Ou seja, as coisas por fim deram certo, mas da maneira errada.

Encontro-me aqui, sozinho, escrevendo algo que pouquíssima gente vai ler, talvez ninguém (calma, não posso ser tão duro comigo assim, têm americanos e suíços lendo, que eu sei. ... em português...). Graças ao widget que eu instalei no meu blog e que me provê com a informação remota de fãs. E isso porque eu possuo apenas a versão shareware. De outra forma eu saberia até a cor do cabelo deles. E tem as redes sociais para me dar a ilusão de que estou sempre bem acompanhado.Há também os sites de encontros sexuais (não me venham dizer que não é para isso!, afinal coito é a manifestação natural mais importante dos mamíferos.). Fora os SMS's que me dão uma noção bem pragmática do que está acontecendo com o meu "igual". Existem psicólogos que hoje atendem por skype e que dão resultado, pasmem! Por quê não haveríam de dar??? E mesmo assim, com tantas inovações no campo dos relacionamentos, me parece que as pessoas ainda cometem os mesmos erros do passado. Paradígmas na verdade não me parecem mudados. O artista que não ganha grana ainda é infantil; mães ainda gritam com filhos pela cor das calças que eles vão usar em casamentos movidos por convites vindos por e-mail. Um ser humano solteiro depois dos 35-b é considerado ET por muitas sociedades que não deveríam estar atrasadas, visto que possuem celulares e whatsups. Porém como dizia John Lennon " Sou um artista, me dê uma corneta e eu vou tocar alguma coisa.".



Sei que esse texto parece nostálgico à beça, mas não o é. Se o fosse não estaria sendo escrito num blogspot. Esse texto é para lembrar àqueles que  amam, que o estão amando ainda anda com a velocidade de 20 kms /hora, e que não adianta correr, que o centro da cidade de seus corações está entupido de gente motorizada, internetizada, e cega. O verdadeiro amor no final das contas dá certo como dava antes. Ok...antes não se separava com facilidade por causa taboos. E daí? A separação é um estado de espírito e não um ato. Assim como a internet é um estado de espírito e não uma rede; um celular não lhe comanda, amigo, é você que continua dando as cartas da sua vida, ou não. E o amor? Pode ser bom pontualmente, ou em alguns casos onde existe o respeito a amizade e o encontro de mãos que se necessitam, mas geralmente é uma merda como sempre foi. E o que importa é que as coisas por fim dão certo, mas da maneira errada.






sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Estácio

Sou um baleiro. Acho que é assim que chama. Mas os motoristas me chamam de Zé mesmo. Eu vendo balas nos ônibus da cidade. Geralmente eu começo o serviço lá no Estácio, que é onde eu moro. Sou feliz de morar lá. Lá tem tudo o que eu preciso. Tem depósito de bala, tem calor humano, pelada aos domingos, uns botecos pra afogar as mágoas, e especialmente uns cortiços que resolvem meus problemas e ainda penduram a conta quando eu to bêbado. Por isso eu finjo muito de bêbado. Fingir de bêbado resolve vários problemas, especialmente com polícia e traficante - ninguém mata bêbado à toa. As pessoas sentem pena. Mas às vezes eu bebo mêmo. Sá porque? Porque sinto falta da Elvira... ......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................
Aí, esse silêncio doeu. Já disse uma vez que eu perdi a Elvira por causa da cachaça, mas eu acho que a Elvira é que me perdeu por causa da cachaça. Sabe porquê? Porque se existe matemática no mundo, não existiria sem a danada da cachaça. Eu lembro que quando eu era criança, lá no pulgueiro público onde eu estudei em São João (é, eu sou de lá) o professor tava sempre pingado. Mas ele acertava as contas! Eu sei disso porque sempre fui bom aluno. Mesmo sendo muito burro. Como eu sei que sou burro? Meus colega sempre me disseram. Mas acho que burros eram eles, porque hoje eu tenho a minha independência financeira, rapá! AHAHA! É isso aí! Vendo minhas balinhas de hortelã nos ônibus que partem do Estácio. Lá no morro do São Carlos tem muita gente que pega ônibus, porque não tem metro nesta região, e muitos xingam a prefeitura por isso. Mas eu não. Acho o prefeito super descolado, dizem até que ele é gay, e gay compra bala, cumpadi. Mas gay compra mais de chocolate, aí meu lucro é menor, mas tudo bem, vale a pena assim mesmo. Se o prefeito tivesse corage de furar um metrô lá no Estácio ia ficar mais difícil de vender, porque no metrô a gente não pode entrar. Ainda! ......................................................................................... Uma moça da vida (puta) - mas não gosto de faltar o respeito, respeito foi a única coisa que Deus inventou, sabe né? - a puta, (desculpe: moça da vida) ela é francesa e disse que em Paris o amigo pode até mijar no metrô. Vender bala, então, nem se fale! Aí, se eu pudesse sair daqui. .............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................Mas se eu saísse daqui como ia ficar a Elvirinha, coitadinha da peça... Eu sei que ela gosta de mim, no fundo eu bem sei. Mas a vida não tem retorno e eu entendo quando ela me disse que precisava ficar com o Tadeu. O Tadeu é o fiscal da firma de ônibus. Caralho. Não consigo nem olhar pra ele. Me dá uma raiva, fico tão vermelho, que às vezes nem vendo muito. Mas quem me salva são as crianças da escolinha pública. O lanche nem tem, então elas acabam matando a fome com balinha de morango. A bala de morango é uma doce ilusão do ser humano, né? O mundo deu o morango para o homem, mas ele prefere comer morango falsificado misturado com açúcar. Mas eu não tenho nada com isso. Eu vendo a camisinha, amigo, não me interessa onde ela vai entrar.

......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................Sabe... eu gosto de samba. Mas não tem mais samba como antigamente, não. Eu gostava do Zé Kéti. Esse era um negão supimpa. Meu primeiro beijo na Elvirinha foi num baile de carnaval em  Jacarepaguá. Nunca vou me esquecer da música tocando e a gente se beijando. Era serpentina pra todo lado, confete...até mijo jogaram lá de cima. Ela disse que foi guaraná, mas é porque ela não queria parar de beijar. Menina inteligente pacas, não tinha medo de nada, bem Amélia mesmo: "tirava a calcinha e ficava à vontade" - paródia da marchinha. Bons tempos...

Olha... eu sou um cara respeitador. Mas todo domingo eu sento no banco do largo do Estácio e fico olhando as lindas crianças, os velhinhos, os travestís, etc. Aí, me dá um calor humano, paz que vem de dentro, que misturada com a pinga eu mando todo mundo tomar no cu. Mando mermo, cumpadi. Porque tá todo mundo andando como se nada tivesse acontecendo, como se o saco de leite não tivesse inflação. Mas nem é pelo leite, porque eu quero que o leite se foda, e a vaca também - não, a vaquinha eu não quero - olha, deu vontade de chorar agora..............................................................mas a vaca da Elvira eu queria que caísse do quincagé...quincajuésimo....porra, andar de número 50....mas no Rio não tem. Acho que só em Paris mesmo. Dizem que as quenga atendem lá no alto mesmo, com vista da Torre Ifél. Quem sabe a Elvirinha não vai pra lá e acaba caíndo pra sempre dá minha vida. ............................................................................................................................................................................Desculpe o silêncio, mas é que ela já caiu mesmo da minha vida... Também, que se foda. É por isso, e por outras e boas que todo domingo eu sento na pracinha e xingo para ca-ra-lho. Análise de pobre é xingamento, e psiquiatra de fodido é a velha 51.

Confesso que já bebi álcool Prink, da farmácia mesmo. Mais barato e agora, por causa da lei, que é feita pra eles ganhá mais dinheiro, ele vem que nem uísque - 42% de média alcoólica. Misturo com uma balinha de gengibre que eu vendo, e inventei o uísque. Fica bem melhor até. Não acredita? Te convido um dia pra tomar um lá no meu cafua. Aí você vai ver onde se mora bem. Tenho até uma televisãozinha de segunda mão, e o proprietário deixou um tapete persa lá, amigão. Ééééééé´! É persa sim, dos antigos, ele disse. Tá meio manchado porque lá tinha uns bichinhos antes de eu me mudar, mas taquei uma água sanitária e tá nos trilhos.

Vocês não vão ficar putos comigos não né? Se bem que putos vocês já são. Porra, caralho, boceta!!!............................................................................................(pausa pra tossir).....................................................Mas é que eu sou rico. Esse texto é uma baboseira. Enganei? Enganei? Ahahahaha! Bando de otários filhos de uma puta! Quero que todos vocês ardam no inferno. E bem que o pastor da Igreja Universal me disse semana passada que o inferno é aqui - mas que é pra eu não espalhar, viu?, se não não rola dízimo..............................................................Mas é mentira. Sou rico não. Nem quero ser. Rico tem que fazer chapinha no cabelo, passar talco no bigode e raspar os pentelhos pra comer uma puta. E eu só como mulher da vida (não são putas, já disse antes, são dignas e pobres)..........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................Epa, olha o ônibus vindo aí, cheião, beleza! Vou subir e vender uns venenos para a criançada perder logo esses dentes branquinhos bem tratados. Brincadeira, vida longa aos dentes da classe A. Dizem que a felicidade não existe para ninguém, é apenas um momento. Vou aproveitar.




terça-feira, 26 de novembro de 2013

Aranhas

Os cientistas "pregam" que não existe inteligência tão desenvolvida quanto a dos seres humanos. Pois eu sempre achei que as aranhas são tão inteligentes quanto a gente, assim como as árvores, mas este é outro fato.

As aranhas constroem uma espécie de armadilha, feita da mais pura e fina "seda". A colocam em lugares estratégicos. Como lojistas num centro da cidade, elas se situam bem onde seus fregueses hão de passar. É claro que é uma armadilha, mas não são as lojas armadilhas também?

A maneira como elas enrolam seus "clientes" é funesta, dissimulada, escondida, eficiente, pragmática. Depois, com calma, sugam seus cérebros e suas carnes como contas bancárias, cartões de crédito... Um comerciante age de forma semelhante, fingindo gostar da presa, ele dissimula, elogia, "enrola", manda um papo, e no fim faz uma completa lavagem cerebral que tem a complexa finalidade de levar o dinheiro alheio. Apenas, dando algo em troca, o que é mais louvável. 

Não estou criticando o comércio, nem o capitalismo. Sou a favor do mérito acima de todas as coisas. Venho de uma família de comerciantes, e que são pessoas boas e trabalhadoras. Assim como são as aranhas, que fazem o que fazem pela sua sobrevivência. Neste mundo um come o outro, é fato. Leia-se Darwin.

No meu banheiro de vez em quando aparecem uns mosquitos odiosos. Aqueles que às vezes são da dengue e às vezes não. Porém os vejo como inimigos sendo que me picam se eu der mole. Não gosto disso. Então se aparece uma aranhazinha da quina da janela eu a deixo livre para progredir, pois sei da sua função.

Outro dia eu percebi uma delas bem no cantinho da janela. Gordinha e bonitinha, possuía a paciência que só os vendedores das grandes lojas de eletrodomésticos parecem ter. Todos de frente para a calçada, olhando expertamente para os passantes desavisados, ainda longe (mas nem tanto) de suas "teias".  O menor movimento os afasta!

Me admirava a paciência da aranha, e me perguntava como ela conseguia realmente se alimentar com tão pouco mosquito aparecendo por lá. Lembrem-se que o banheiro, devido ao seu tamanho,  é como uma cidade para os insetos. 

Então eu esborrachei o mosquito contra a parede. E a aranha incólume, estática. Depois sem querer movi a mão de uma forma que a assustou retirando-a ao seu ninho numa frestinha do ladrilho. Arrastei então com a ponta do dedo o mosquito para bem junto da teia dela; mas não tão junto, coisa de uns dez centímetros de distância ( não queria dá-la uma janta grátis, queria ver o que aconteceria mais tarde).

Horas depois entrei de novo no banheiro e notei que os restos fúnebres do mosquito já não estavam la. Ou seja: ela: se havia servido do free lunch. Achei interessante, e isso me levou a pensar em outra coisa pertinente.

Se eu posso esfolar os mosquitos contra a parede, para quê eu preciso de aranhas no meu banheiro? Mas ao mesmo tempo se eu possuo aranhas para fazer o meu trabalho sujo, para quê esfolar eu mesmo os mosquitos?

Isso me levou a refletir sobre nossa condição humana, passiva ou ativa. O que acabou me levando a pensamentos de ordem política, que obviamente estão ligados aos fatos recorrentes neste país de merda chamado de Brasil. 

Essa reflexão eu vou deixar em entrelinhas, de forma blasé. Assim como as aranhas, pois continuo achando que há nelas algo que alguns seres humanos  não conseguem entender, mas que usam no seu dia-a-dia.

A iniciativa privada e o "governo privado".






terça-feira, 19 de novembro de 2013

Minha cidade preferida

Minha cidade preferida tem árvores impressionistas. Não tem asfalto, nem linhas de trânsito desenhadas nas avenidas. Minha cidade preferida é vesga. Nunca se sabe para que lado ir, nem de que lado ela te olha. Minha cidade preferida chove granizo todo dia, mas nada nos machuca, pois suas marquises são largas e inventaram alguma solução tecnológica para faciltar os cruzamentos nos sinais das ruas. Na minha cidade preferida ninguém sabe o que está acontecendo, mas todo mundo sente nas suas entranhas o futuro que parece se dissolver, mas que é duro como paralelepípedo. Na minha cidade preferida os paralelepípedos refletem o céu, e há casas de chá em cada esquina, que vendem pipoca caramelada e com sabor de curry. As pimenteiras crescem nas rachaduras dos antigos prédios, e os cavalos de alimentam delas para ficar mais vermelhos do que brancos. Na minha cidade preferida os moleques jogam bola com poesia, e a cada chute pensam em alexandrinos perfeitos. A música existe na minha cidade preferida. Ela é composta apenas pelo vento, e é tão linda que as pessoas apenas percebem a felicidade que as atinge, sem nem saber como ou porquê. Só existe um único músico na minha cidade, e ele toca oboé numa esquina, e possui uma tatuagem de uma lágrima só, como que escorresse de um olho, e a cada semana a "lágrima" mudaria de lado, e ninguém realmente saberia da veracidade desta tatuagem, sendo este o lastro de sua música melancólica e triste. Os meninos que não possuíssem bola jogariam um futebol imaginário, e os casais redundantes nunca se separariam, e suas mãos viveriam atadas pela cola do infinito, e o estádio municipal teria seu gramado coberto de espinhos que uma cabra viria comer todos os dias, sendo que eles cresceriam logo após fazendo com que esta belíssima e paciente cabra voltasse para cumprir seu trabalho a cada dia, numa missão digna apenas de um Sísifo. E embaixo das arquibancadas eu faria amor com "Joana". E as pessoas andariam apenas por seus sapatos serem bonitos, e a chuva quando caísse traria com ela papagaios e goiabadas que não durariam mais que sete dias. E o povo se refastelaria com divinos sucos, e enternecidos amores, e os opostos não encontrariam suas distinções, e as baratas não existiriam em lugar algum. E os meninos seriam homens, e as meninas mulheres, e as mulheres seriam meninas e os homens meninos, e existiria uma rua tão repleta de árvores que seria impossível enxergar o chão visto de cima, e que no inverno assumisse a brancura da neve que cairia solta vinda diretamente da alma de Deus, em preparação ao verão onde tudo mudaria de lugar - ruas, estradas, metrôs, pessoas, apartamentos - e todos enfim morariam em frente as areias de uma fabulosa praia cercada de orquídeas, com as quais os homens trepariam e sendo assim dariam a luz à maior maravilha de todas, ou seja, algo ainda não descoberto, porém inexplicado, longe da compreensão torpe do ser que não existiria nesta cidade preferida.




segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Poema Solto

Terra...
Reparte em cinzas
O sexo da vida

Terra
Reparte fria à noite do amor:
Tua ferida

Rogo-te em louvor
Que nunca me soltes
De tua gravidade escorregadia

Mesmo que esta, sim!
Seja de fato
O inverso da Democracia




terça-feira, 29 de outubro de 2013

Ser

Existe um vazio no "outro"
O ser humano é um fantasma
Em busca da sua própria sombra




domingo, 6 de outubro de 2013

Amigos para sempre


Nem sempre onde há flores há frutas

A fruta é uma sorte, um acontecimento,

Uma mágica.

Aos teóricos um processo a ser alcançado

Pela fruta

Se a ela convier...


Sei que existem coisas que são e as que  não são.

Sei também que se há a regra há a exceção.

Encontre-se nela se puder.

Mas uma coisa aprendi a ter a convicção

Tenho cá em mim a certeza de que a amizade existe,

Porém amigos não.



segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Mocotó

Hoje vôo
Pássaro não sou
Sou pedra
Vôo para baixo
Amanhã serei pássaro
Voarei para cima

Amor, me segure
O que você disser
Não faço
O que você quiser
Não faço
O que você falar
Não ouço

Não precisaram me ensinar
Há muitos anos
Eu jovenzinho de dar dó
Sozinho já sabia
Só voa para cima
Quem a mãe fez
Gostar de mocotó



sábado, 28 de setembro de 2013

É isso aí

Tem um papelzinho na minha frente, preso nas teclas do meu piano midi, que tá preso no computador, que tá preso na parede, que tá presa no meu quarto, que tá preso em mim, e eu queria tanto me livrar dele. Esse papelzinho eu que escrevi uma idéia pra escrever depois uma outra coisa, tá me atrapalhando a escrever agora uma coisa outra que não tem nada a ver com ele. Vou tirar ele daí - pronto!

Parece papo de deficit de atenção, mas não é, embora eu o tenha. Vou começar o texto afinal!




Eu precisava de uma fogueira. De uma fogueira que fosse queimando o som da minha música enquanto eu fosse tocando. Eu precisava estar no centro de um sítio, com cachoeira, com árvores, e abelhas trabalhando pra eu passar mel no meu pão feito por mim mesmo. Eu precisava de uma fogueira que conversasse comigo. Que evaporasse minhas lágrimas dentro de seu calor fumegante de coração. Eu precisava de uma fogueira, pois violão eu já tenho, já tenho as músicas e invento novas. Queria um fogo que ficasse azul quando se jogasse uísque bourbon nele. Uma fogueira que bebesse comigo. Como um amigo que dividisse as dores comigo. Como um cão, que respondesse com os olhos às minhas perguntas feitas com palavras. Eu precisava de um cachorro que na hora do meu aperto sentasse ao meu lado e lambesse as patas. Não as dele, mas as minhas também. E que na hora da pergunta, sua resposta viesse com um bocejo enorme, sua língua atingindo o universo, do comprimento do seu suor. E que logo depois me olhasse de soslaio e me disesse algo através de uma remela parecida com lágrima.  E que brilhasse ante o fogo da fogueira. Eu precisava também de uma flor amarela, que repousasse incólume na noite sem vento, e que me olhasse de dentro, sem olhos, sem bocejos, sem remelas, mas com uma alma terrivelmente grande. Que engolisse o mundo e esbanjasse luz de clorofila em minha cabeça embaçada pela refração do ar quente subindo e tornando tudo em sonho. E eu também precisava de um passarinho, que fosse marrom, e tivesse um bico longilíneo. E que batesse na minha janela anunciando minha hora de compôr, de treinar meu violão de fibra de tempo. Eu precisava subir nesse passarinho e voar... E que em meus bolsos eu tivesse o dinheiro suficiente para entrar no supermercado que eu mais gosto, olhar tudo, roubar um pedacinho de queijo, e sair feliz sem comprar nada.

É isso aí.



sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Os últimos momentos de um homem caindo de para-quedas

Enrolou seu para-quedas com a perícia de sempre. Tinha cinquenta anos de idade e vinte e cinco de queda. Sabia melhor que ninguém que a experiência fazia o tombo suave. Naquele dia lindo de sol deixou  a família em casa e foi se divertir com um grupo de amigos para-quedistas. Depois todos tomariam cerveja. Era o seu programa relaxante da semana.

Fez todos os procedimentos de segurança e subiu no aviãozinho como era de costume. Subiram há uma altitude de uns sete mil pés. Bem alto, quase um Jumbo, dava para se divertir bastante assim. O visual era lindo. O horizonte o chamava. Logo iria se sentir um pássaro.

Fez os últimos ajustes, se segurou nos cantos da saída e enfim pulou no vazio. A queda foi perfeita. O frio na barriga uma delícia. O vento na cara era como se atingisse o paraíso. Levantou as mãos e sentiu o vento ultrapassar cem quilômetros por hora. Como a vida era boa! Contou uns vinte segundos, pois gostava demais da sensação da queda, onde podia fazer suas cambalhotas e malabarismos, e finalmente acionou o "cordão".

Não abriu! Puxou o segundo mecanismo - o de segurança. Não abriu também! 

Desesperado começou a futucar o para-quedas na esperança de alguma coisa que o salvasse - quem sabe um terceiro cordão de salvamento - embora soubesse que não havia. Seu cérebro quis acreditar nisso. Esse procedimento demorou apenas segundos. Quando passou ele olhou para os lados na busca de algum companheiro que talvez ainda pudesse não ter aberto o seu para-quedas, e assim ancorá-lo. Nada! 

Enfim olhou para baixo, e pela primeira vez em vinte e cinco anos teve a impressão de que a queda era mais rápida do que o usual. Seu impulso foi o de rezar, então se lembrou de que era ateu. Olhou então em volta e viu montanhas que pareciam paralisadas no firmamento, porém, o tempo, sentia o tempo entrar pelas fibras de sua pele como o vento que cada vez aumentava de velocidade machucando-o de frio. Seu estômago parou, suas mãos suadas congelaram dentro das luvas, e deu-se conta do quão inútil seria o capacete que havia lhe custado cinco mil reais e era lindo.

De repente avistou um para-quedas de um companheiro há uns trezentos metros de distância do seu. Tentou gritar. Foi inútil, e sabia que seria. Tentou direcionar seu corpo na direção do companheiro, utilizando o vento como propulsor, e as manobras bem conhecidas pelos para-quedistas experientes e que comumente chamavam de "vôo". Não deu certo. Passou por ele como uma pedra há uns cem metro de distância. Foi aí que notou o quão rápido era o vôo ao chão. Apenas pôde notar a mãozinha do companheiro agitando...

E naquele momento, em que mais nada poderia ser feito, sentiu uma calma inóspita. Uma calma à qual poderia chamar de paz. E pensou que nunca sentira tanta paz na vida. E pensou na ironia que é  sentir paz na hora derradeira. E isso o remeteu ao interior de São Paulo, onde havia nascido... a fazenda... E sua infância passou pelas suas bochechas junto com o vento que subia. Começou involuntariamente a se lembrar de coisas que há muito havia esquecido. A pamonha fresca! Ah... como era tão boa! Lembrou-se do dia em que correu dos feirantes depois de roubar melancias que espertamente escondia debaixo do caminhão. Lembrou da surra que seu pai lhe deu, e do carinho de sua tia. Que tia gostosa era aquela! Puta-que-pariu! Foi realmente a melhor foda da sua vida. A iniciação pode ser boa ou péssima e a sua havia sido maravilhosa. Sua tia tinha seios frutados. Escondidos perto dos cavalos ele aproveitara o que a maioria dos meninos do interior fazia com galinhas. 

Lembrou-se da Juliana, que depois de dois anos se mudou para a França com sua vontade de ser atriz e um produtor mentiroso que também a fez cair em queda livre. Como sofreu! Mas naquele momento isso lhe deu vontade de rir. Uma felicidade inexplicável. Percebia aos poucos que sua mente - talvez por causa da velocidade misturada com a endorfina, adrenalina, e todos as outras "inas" inerentes à sua situação - ia aos poucos saíndo da realidade e entrando num sonho. Percebeu que a concepção das coisas naturais ia mudando, e que o universo ia se abrindo à sua mente, da mesma forma que um dia lera num livro de Huxley. Era um estágio de meditação forçada. Um estágio de inoperância, onde nada lhe restava, e seu controle das coisas havia sido reduzido a zero. Pensou ironicamente que a vida no fundo é assim. E isso o deseperou por um instante, pois nada mais seria diferente de uma simples queda livre de um avião onde o para-quedas não funcionava. Tentou agarrar o Sol, mas este apenas o queimava o rosto.

Pensou nos seus sonhos que não realizaria, e de repente notou o quão pequenos eram eles . Pensou nas mulheres que não comeria mais, engraçadamente pensou em sua mãe, e pensou que um dia apanhou por ter se atirado do telhado apenas com um guarda-chuva de proteção. Como havia apanhado àquele dia..... Pensou que a surra de nada havia valido a pena, pois fora o começo de sua corrida para os céus. Pensou na morte, mas não conseguia pensar nela, embora tentasse muito, pois era evidente e inevitável. A vida havia lhe sobre-tomado. Talvez fosse o excesso de oxigênio invadindo suas narinas. Sentía-se um passarínho como antes.

Pensou na Michelle, e no erro que foi não pedi-la em casamento. Deixá-la escapar como uma mineirinha envergonhada e carente foi um erro! Pensou: ai se eu pudesse mudar a vida... e pensou que talvez não conseguisse. 

Olhou de novo para baixo e viu a terra amarela e algumas copas de árvores, fechou os olhos e não viu mais nada.




(Inspirado em Victou Hugo.)

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Imprevisível

A vida é mágica, boa, ruim, e imprevisível. 

Um casal se amava em frente ao Copacabana Palace. No escurinho da areia, amavam deitados. O mar lhes vinha roçar os pés de vez em quando, e quando o amor realmente esquentava vinha lhes lamber os cabelos, como se quisesse participar. Acabava por lhes esfriar um pouco, mas isso só ajudava a dar mais vontade de recomeçar, e assim ia seguindo o casal, abraçado como se fosse um só indivíduo. Ninguém repartia deste amor carnal e belo, ninguém conseguia vê-los a mais de um metro dada a escuridão de um poste estrategicamente queimado - às vezes a prefeitura até que acertava sem querer. O vento que os secava também os molhava de areia, e o atrito desta aumentava a fissura do amor. A maresia era como fumaça emanando de seus corpos, e o perfume das estrelas do mar era o odor suave que transbordava como essência dos seus poros, da epiderme amada. Ninguém sabia, ninguém assistia, ninguém existia, e era para ser assim o grande amor alcoolizado de sal.

Quando de repente surgiu um daqueles tratores de limpeza da Comlurb e passou exatamente por cima deles. O trator manipulado por dois funcionários infelizes na vida, e ignorantes da situação, matando o sono com café mal coado, nem perceberam que podíam matar alguém também. Continuaram a marcar a areia húmida da praia com seu rastro de marte.

Como é a vida, não é? Imprevisível! Quem poderia prever que um casal se amando enlouquecidamente, pudesse estar amando pela última vez sem saber? Pois é assim a vida - feita de esquinas - nunca se sabe o que virá, como virá, ou quando virá. Neste caso, particularmente, quando poderá ir embora! Fria como a luz, desconcertante como um beijo que pode durar apenas um segundo de uma eternidade mal programada, mas exibida, e mal raciocinada: a vida é um procênio sem ensaio! Quente como o Sol de um calor penetrante e longínquo. Já dizia uma música que ela vem em ondas. Será? A vida vem como vier. Não existe passado, nem presente, nem futuro. Ela é o contar de um segundo que já foi. E o amor é apenas um momento, um verão profundo, uma queimadura de estrelas na pele, um breve bronzeado de uma noite de maresia. Quem vive não precisa, nem deve olhar muito para a frente, só para os lados, porque direção é coisa certa, mas destino depende apenas da correnteza, e não há tempo. Não há tempo de se virar quando um trator da Comlurb resolve lhe mostrar o que é a vida que você perdeu. Que pena...

Porém, por mais incrível que possa parecer!, o trator passou suas imensas rodas de avião pelo lado externo deles. Ou seja: os dois abraçados, completamente deitados, num amor terminal, flácido de alegria, e repleto de endorfina, não se moveram. E estáticos, formando o desenho reto, quase geográfico de dois corpos em união,  cegos pela escuridão da noite e surdos de ilusão,  não viram, nem notaram o imenso trator passar por cima deles sem nem mesmo resvalar areia em suas peles tardias. O dois homens do trator, já a uns 500 metros de distância à frente, nem puderam dar conta dos destinos que quase ceifaram, e que o acaso os proporcionou. A todos! Esse acaso ininteligível que nos amadurece e nos destrói, que nos tira daqui, nos põe ali, e que somente Deus consegue cavalgar. 

- Amor...
-Sim, querida?
-Vamos de novo? 
- (risos e beijos) - E assim continuaram incólumes, sem perceber quantos cometas raspavam a Via Láctea naquele exato momento.

É... A vida é mesmo, mágica, boa, ruim, boa, ruim, boa, ruim, boa...e imprevisível!




domingo, 8 de setembro de 2013

Continho

- Doutor! Eu não sou craqueiro não! Eu até que gosto de uma pingazinha, mas não tomo droga, juro! Esses macacos (ele também era negro) ficam querendo tomar o meu lugar, mas o doutor sabe que eu cuido bem do carro. Não deixa eles estacionarem pro doutor não, por favor.

Ele não era doutor. Sua profissão não vem ao caso. Na verdade...pra falar a verdade, com muita sinceridade, ele vendia crack. Ó, ironia do destino, das coisas. Ele estava cagando se esse guardador de carro, sujo e imundo, tomasse alguma coisa forte. Deu dez reais na mão dele, tomando o cuidado de não encostar na sua pele curtida das caracas de quem nunca tomava banho.

Também estacionava naquela ruazinha de copacabana uma mulher, nos seus vinte e cinco anos, sempre carregando com dificuldade seu violoncelo. Ela tocava na orquestra de algum lugar, estudava com um professor particular, já era profissional, mas quase não dava pra pagar o aluguel, portanto fugia do senhorio dormindo várias vezes por semana na casa do namorado que morava naquela rua. Almejava um dia, quem sabe, ir estudar na Áustria, mas quem sabe...

Um dia o "doutor" traficante apareceu morto junto ao seu carro. Provavelmente coisa do crack. Foi descoberto primeiramente pelo guardador que obviamente não chamou a polícia, embora não tivesse nada  a ver com o assassinato, mas como cautela e canja de galinha não fazem mal, o bom instinto malandro (e isso ele era mesmo) não o deixou querer se envolver.

A polícia logo bateu lá na rua, não se preocupou em isolar o lugar (como nos filmes americanos), e foi interrogar o jornaleiro que possuía a banca bem próxima ao acontecimento. O jornaleiro era um italiano de bigodões que raspava as próprias raspadinhas, que vendia na esperança de algum dia ganhar uma bolada e vender a banca. Gostava de mulher e guardava sempre uma grapa atrás do balção. Seu nariz era circunflexo e vermelho.

Disse à polícia que na verdade não sabia o que havia acontecido ( é claro que ele sabia, jornaleiros sabem de tudo!). Disse que o morto era um sujeito distinto, que namorava uma menina que vivia carregando um instrumento grande e pomposo, bonita e calada. E revelou que ele a traia com o travesti que morava na esquina e batia ponto em frente a portaria de seu prédio, que ficava em frente à banca de jornal. Mas que isso ninguém sabia!

A polícia investigou uma possível tentativa bem sucedida de suicídio, mas no fim das contas acabou dando uma coça no guardador (que nada tina de culpa, mas fedia muito). Bateram tanto no coitado, que ele acabou morrendo. A polícia tratou de depositá-lo numa vala.

Passaram-se uns meses e um inspetor de polícia reapareceu na rua do crime, e investigando melhor os fatos concluíu, através de uma perícia técnica em laboratório, que o morto havia sido assassinado por conjunção de droga misturada com duas sementes de noz-moscada (que dá barato e é perigosa). Pareceu-lhe que sua vida desregrada e seus casos amorosos eram tantos, que o crime acabou arquivado sob a explicação simplória de ter havido vingança de alguma prostituta qualquer, possivelmente o travesti. Este foi autuado e liberado após mostrar o bumbum pro delegado.

Sabe-se que os gatos são felinos muito dados às artes e à música, embora calados e misteriosos. A mitologia que se criou deles é ímpar. Acredita-se que conseguem enxergar o invisível aos seres humanos, e que sua aura traz sorte ou azar, além de possuírem várias vidas - simbolizam os artistas vãos e pobres.

Às vezes, sempre a noite, pode-se confundir o som de alguma gata no cio, num intervalo de oitava musical, em perfeita consonância com a doce e triste fricção de um violoncelo. Dos telhados da rua, misturando-se à maresia que corta o frio de copacabana, alguém resta vivo.



sexta-feira, 6 de setembro de 2013

CHARGE



domingo, 25 de agosto de 2013

Interstícios

Quando soube que os bueiros da cidade estavam explodindo tratou logo de colocar seus trapos em cima de um e se aconchegar gostoso. Era da rua, nascido da rua, vivido da rua. Zanzava pela cidade debaixo de sol ou frio, em busca de lixo. Não tinha acesso a lugares privados, por isso comia pior que as baratas, e já possuía idade suficiente para querer morrer. Por isso se aconchegou em cima de um bueiro e pensou que, quem sabe algum não explodiria por baixo dele durante seu sono. Seria uma morte súbita, assim como a vida.

Putz... e agora?  Ficou legal, acho. Será que está no nível? Será que o editor vai gostar? Não posso perder essa chance de jeito nenhum. Essa angústia me perturba a mente. Vou lá na cozinha comer alguma coisa e continuar. Preciso entregar esse texto amanhã... Não posso perder essa chance de jeito nenhum!

Não tinha nada a perder, pensava. Já vivera o suficiente, e era como se nada houvesse vivido. Passava por alguma rua chique do leblon e desacelerava o passo quando via a vitrine daquele restaurante maravilhoso. A gente fina comendo bem, se deliciando com coisas as quais ele nem sabia o que eram. Imaginava o que seria aquele creme branco com um montinho preto em cima que derretia. Sabia que derretia por que desacelerava o passo quando passava pela vitrine, e assim podia ver melhor. Passava com vergonha, constrangido, mas uma estrela de felicidade brotava em seu coração só pelo fato de estar perto, de ser vislumbrado por algum cliente da casa. Sentia-se participante do jantar, mesmo sabendo que não era nada, não significava, não pertencia, e a vida para ele não possuía nenhum significado por ser assim, tão gélida para uns e tão calorosa para com outros. Mas se contentava com seu pedaço de pão recém achado no lixo da esquina, e quando o comia devorava sem a finesse que via, mas sentia o gosto da lagosta desconhecida do restaurante fino. 

Pronto! Acho que essa boquinha boa vai me dar alguma inspiração. Adoro sanduíche de lagosta do almoço com mostarda da noite. Bom demais! Era do almoço...mas tudo bem. Lagosta não pode ficar muito tempo na geladeira que estraga fácil, é bom comer logo. E tava boa que dói. Agora de volta ao papel!

Deitou-se sobre o bueiro de novo. Havia um bem legal em copacabana. Era grande e não era frio como os outros - bom indicador de que poderia explodir, quem sabe... Queria uma morte limpa, rápida, se possível que nem sobrasse seu corpo! Já morreria cremado, ótimo! Menos trabalho para a sociedade. Já vivera muito, pensava. Já passara por tudo de ruim que se podia imaginar, e mesmo assim nunca provara aquele creme com o negócio preto que derretia no meio. Que vida injusta era essa. Vida de cela, de gaiola, de sofrimento e penúria. Esperava pelo bueiro simplesmente porque não queria tirar sua vida. Pensava que se nada havia ganho da vida, então que pelo menos ela o tirasse dela. Era sua filosofia não se matar. Na verdade tinha medo.  Melhor morrer sem saber.

Bom, o texto tá fluindo. Ainda bem que é um teste apenas, não preciso escrever mais que umas duas laudas, ótimo! Se o editor gostar da minha idéia o salário é legal... Nada maravilhoso, mas como eu já ganho quinze na minha repartição no tribunal, tá ótimo. Vou usar esses dois milzinhos só pra sair com as gatas. Mulher me inspira, acho que vou dar uma descida no baixo leblon, quem sabe encontro alguém no BB Lanches. Volto rapidinho e acabo o texto.

Levantou-se com o dobro da fome com que foi dormir. Fome. Sua cabeça doía tanto de fome que nem conseguia pensar direito. Pensava que os clientes daquele restaurante chique, de vitrine longa e macia de penumbra, nunca saberiam o que era a fome. Fome não é apetite, sabia. Apetite é quando se pode comer, a fome não. A fome é negra, e forma uma necrose dentro da gente. Sentir seu estômago colando às paredes, às víceras, ao coração era a fome de verdade. Que injustiça uns se divertirem com a necessidade de outros. Apetite é quando a fome é diversão, pois o que ele sentia não era apetite, era dor. Fome de macho, dizia. Fome de bicho! Acordou e pensou logo porque Deus, ou  a prefeitura não explodiam logo o seu bueiro preferido! Levantou-se bem no momento em que um jovem desavisado dobrava a esquina em sua direção. A rua era escura e livre, pensou. Puxou do bolso a gilette que havia pego num lixo da semana passada. Ia assaltar o sujeito. A fome mata, amigo, e se não te mata, mata outro. Era a vida e não tinha jeito, precisava comer.   

Ai, meu Deus... escapei por pouco. O mendigo tava louco! Ainda bem que eu tinha algum dinheiro pra dar pra ele senão... Esse Rio de Janeiro tá uma merda mesmo! É só a gente sair na rua e é assaltado. Nem consegui fazer um social no baixo... Essa prefeitura não faz nada! Dezenas de bueiros explodindo pela cidade, junto com a fome, a vagabundice dos maltrapilhos, os assaltos, o lixo urbano...quanta miséria pra se escrever. Que susto, cacete! Vamos ver se sai alguma coisa agora nesse texto...já está tarde... Já dizia o poeta: "Barriga cheia é olho fechando."

Não tinha intenção de machucar o passante, mas até o mataria se fosse necessário. Sorte que ele ficou com medo e entregou logo o dinheiro. Nem prestou atenção se o sujeito possuía celular ou outros mimos desnecessários. O que ele precisava mesmo era de dinheiro para comer. Saiu rápido daquela rua, dobrou a esquina e seguiu até à Rio Lisboa à procura de algum pão barato com café e queijo. Ao entrar na padaria sentiu os olhares de reprimenda. A repressão, a exclusão social, o medo, ai...o medo. Vergonha não tinha, tinha medo. Mas no fundo eram a mesma coisa. O medo gerado da exclusão social é cheio de vergonha. Entrou e o seu suor fétido afastou um casal cliente do balcão. Isso fez o gerente se apressar  a expulsá-lo rapidamente, sem querer atendê-lo. O distúrbio causado pela não aceitação de seu dinheiro doeu intensamente, e ele de fora da loja gritou. Gritou como um pássaro dentro de uma gaiola, como um urso faminto porém sem dentes para comer a presa, gritou como a saudade descrita dentro de uma música, e seu ódio coube revertido a si mesmo como se ele fosse realmente o mal - e infelizmente o era. Fugiu como um rato sujo.

Porra! Assim não consigo escrever! Esse pessoal gritando, brigando na rua está me atrapalhando! Vou fechar essa janela e ligar o ar condicionado pra ver se disperso esses barulhos intransigentes. Já são quatro da manhã, daqui há pouco vou virar e não posso. Preciso acabar isto aqui e dormir pelo menos até às nove horas!

Voltou à sua rua e ao seu bueiro preferido. Pensou e deu graças a Deus por ter conseguido comprar um pedaço pequeno de pernil num pé-sujo em outra esquina. Não ia dormir com tanta fome assim. Dia seguinte teria muito trabalho catando latas e papelão - quem sabe não atingiria a meta de uns cinco reais no final do dia! Espalhou sua estopa em cima do bueiro e teve a sensação de que ele estava mais quentinho que antes. "Quem sabe desta noite eu não passo?" E rezou para que o bueiro explodisse e o levasse sem dor. 

De repente ouviu-se um estrondo e alguns passantes puderam ver as chamas subirem a uma altura de alguns metros acima do solo, e a tampa de um bueiro se espatifar contra um muro de concreto. Vinte minutos se passaram até que pudessem ouvir as primeiras sirenes do corpo de bombeiros. E com lágrimas nos olhos, e a boca aberta num choque de angústia ele pensou: "Porque não eu...? Porque não eu....?"





sábado, 24 de agosto de 2013

A Vida Muda A Cada Três Meses.

Naquela cidadezinha do sul desembarcava o último homem sobrevivente da guerra. Seu uniforme já não era verde de tão sujo, suas botas já não eram polidas, assim como o seu olhar. Foi condecorado com alguma ordem das armas, e seu fuzil lustrado por alguma mulher sem nome e endereço certo. Saltou do trem e procurou em algum "brownstone" da estação o que poderia ser uma indicação. Não se lembrou da estação embora tenha passado parte de sua vida mascando tabaco sentado na linha do trem. Os guardas vinham puxá-lo pela gola, arrastá-lo para longe, pedir seu ticket. Agora era ele que possuía o poder de puxar alguém pela gola. Poder concedido pela poeira de outro lugar bem diferente da estação.

Passou uns dez minutos andando sistematicamente pela estação inteira, para oeste e para leste, para leste  e para oeste, até perceber que ela acabava ao fim de poucos metros. Era uma estação de cidade pequena, onde se podia sentir o perfume de frango com ovos e farinha, e onde se podia passar horas admirando o vestido das mulheres, imaginando suas pernas como seriam. Pensou que o mundo seria bem melhor se ficasse só na imaginação.

Por fim, recostou-se o ombro num pilar que sustentava a velha cobertura de telhas falsificadas, pré-fabricadas e sujas que tanto caracterizava a construção da velha estação. E pensou que aquilo era seu lar, embora não tivesse mais lar, ou pelo menos sentia que o conceito de lar não existia realmente, e realmente não sentia naquilo seu lar. Uma lágrima então escorreu pelo se único olho ainda remanescente da guerra, e colocou a mão em cima da cicratiz que havia rendido sua condecoração afinal. Entrou num transe meditativo só conseguido com muito esforço por ioguis com experiência. Ele não precisava desse treinamento, a guerra havia limpado seu cérebro de todo o mal. O sofrimento gera exaustão e a exaustão gera plenitude, coisas paradoxais e inexplicáveis de nossa mente.

O tempo era como um coração, e batia calmamente, sem pressa, lentamente, como que não pudesse ser mais gasto. De repente viu parada ao longe, do outro lado da estação uma menina. Era sua filha. Não estava realmente tão longe assim, mas às suas vistas parecia que estava bem do outro lado. A menina estava sentada num canto perto de um baleiro antigo repleto de balas a um vintém cada. Estendia a mão e de vez em quando recebia uma moedinha das pequenas. Era uma menina linda, de olhos atentos, cabelo louro e liso e sujo de poeira. Ela não o virá até então. Mas algo no universo a fez girar a cabeça em sua direção e seus olhos foram de encontro ao dele. O coração do homem disparou, e isso o fez lembrar o último bombardeio em que escondido debaixo de um dólmen conseguira agarrar sua vida. Pensou como pode ser engraçado a felicidade fazer bater um coração tão fortemente como a tristeza. Intuiu então o quão ignorante era o seu coração. Pelo menos o dele.

Pois que seu coração dobrou os batimentos quando conseguiu enxergar que a menina havia se levantado, e o olhava com desconfiança e dúvida. Essa dúvida que restou por apenas um breve minuto pareceu ser uma eternidade. Mas depois deste tempo, breve e simples, ela voltou a sentar-se no chão frio e a pedir vinténs aos passantes.

Ele então entrou no bar, fez como que fosse pedir algo, mas lembrou-se... Saiu então aflito, e rodou pelo diâmetro curto em que se encontrava umas cem vezes, pasmo, e sem saber o que fazer, até que num determinado momento percebeu que era um major condecorado, e se isso  podia ser vergonhoso para ele, também lhe colocava numa posição de comando maior que qualquer remédio para dor de cabeça existente no mercado.

Deu um passo em direção à menina e parou. Deu outro passo, e sistematicamente foi aumentando os passos em direção a ela. Seu andar possuía o cacoete das marchas beligerantes.Chegou há um metro dela e não soube o que falar. Tanto que apenas ocorreu tirar um vintém do bolso e atira-lo delicadamente no chapéu exposto ao chão. Titubeou, deu de costas, virou-se de novo. Seu cérebro não funcionava direito. Sua língua estava seca e incapaz de ajudar a  proferir qualquer som inteligível. Então gemeu. Há muito não gemia, desde a bala que havia perfurado seu ombro durante um ataque inimigo. Não conseguiu reconhecer a alma deste gemido, se era de amor, de saudades, ou de bala de revólver.

Foi então que a menina falou: - Oi pai... - E pôde apenas dizer  o que lhe ocorreu na hora, sem moral, sem amor, sem absolutamente nada além do que havia aprendido em quatro anos de batalha contra os "filhos da puta" dos nazistas.

- Ethel...vamos tomar um uísque no bar? Faz tanto tempo que não te dou um refrigerante... sei que uísque é muito para uma menina de... (não conseguia lembra o número de sua tenra idade) ... mas eu pelo menos preciso de um. - A menina foi se levantando contra a parede, cansada e debilitada: - Tudo bem pai, uísque é o que eu tenho tomado mesmo.

Entraram no bar, que estava cheio, mas não lotado. Sentaram-se no balcão e ele pediu dois uísques. O barman pediu a carteira de identidade da menina, embora já a conhecesse da dureza da vida dos que frequentam a estação sem embarcar. Ao olhar o homem que a seguia fingiu não conhecê-la. Mas impediu-a de beber uísque. O pai então disse que ela estava acompanhada, que ele era seu pai, e major do exército, e que apenas a ele cabia a sua educação, e que portanto enchesse um copo de uísque sem gelo para ela e um para ele, e rápido! Foi plenamente atendido.

A menina perguntou-lhe o porquê do olho vazado, e o encheu de perguntas sobre a guerra, sobre sua vida, etc. Ele não pôde, se bem que tentasse, respondê-la. A única coisa que saiu de sua boca foi esta frase: "A vida muda a cada três meses."

Os dois beberam vários copos e quando sentiram que não podiam mais  dirigiram-se ao local onde ela costumava "trabalhar" como pedinte. Quando lá chegaram não havia mais ninguém na estação. A noite caíra no mundo como a bebída em suas cabeças. 

Sentaram-se então no chão, encostados na parede de tijolinhos, parecidos com os que foram usados para queimar judeus nos campos. Só que agora eram tijolos britânicos, e o cheiro da relva não continha mais o ocre do sangue semi-coagulado. Ele perguntou a ela por onde andava Brownie, seu antigo cachorro de estimação. Ela respondeu que ele estava velho porém vivo e ainda rosnando à toa. Então os dois finalmente se abraçaram e dormiram. Foi só então que a guerra acabou.



quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A Pescaria

Saiu para pescar com a família. Eram cinco apenas: seu irmão, sua mulher, seus dois filhos e ele. Ah, claro! Tinha também o cachorro que se chamava Bumerangue e sempre os acompanhava. Marcaram todos de se levantar às cinco da matina, pois peixe fresco se pega cedinho, com o Sol raiando. O despertador tocou e foram todos acordando e lavando o sono de suas faces, cada um de cada vez. Vestiram-se cada um de cada vez, e tomaram o café da manhã, cada um de cada vez. A casa era pequena e o pouco espaço na cozinha apenas permitia que se cortasse o pão e o queijo cada um de cada vez. 

O irmão não participou desse ritual, embora fosse o mais ritualista de todos. Sozinho na vida desde moleque, chegou sozinho, e bateu sozinho na porta feita de compensado antigo e manchado por mãos e dedos e cabeças. Esse irmão era misterioso e acreditava em muitas coisas diferentes e incógnitas, que ele escondia por trás de um sorriso mudo e inescrutável. Diziam dele que a Lua o seguia, e que o Sol não o batia, e que os peixes o amavam. Vai ver por isso ele pescava tanto, sempre sozinho. Entendia tudo de linha, de chumbo, de carretéis e anzóis encastoados. Por isso só se alimentava de peixinhos. Era esquisito e nunca agarrava os grandes, pois dizia que peixe grande dava varizes nas articulações, além de estragar os molinetes. Mas era tido como pessoa boa, sem maldade, e que cria na alma dos grandes bagres. Muitas vezes havia sumido mar adentro com sua canoa de madeira  boa. E em noites de tempestade quando já era dado como morto aparecia com algum peixe na mão, porta adentro quase arrancada por um chute seu, o sorriso alegre o entregava, apesar de ser um sorriso mudo.

Carregando uma grande caixa de isopôr e uma pequena caixa de pesca, entraram todos no pequeno carrinho azul que os levaria ao pontal de uma praia vazia e limpa. A viagem se deu em duas horas e quando ali chegaram foi realmente um alívio para as crianças e para Bumerangue. Este era malhado, completamente cinza com manchas amareladas. Parecia até pele de peixe, já que pêlo não tinha muito. cachorro velho e experiente sabia o segredo da vida e por isso dormia pouco, por incrível que isso possa parecer. 

Dos filhos e seus pais, especialmente dele, que foi mentor e idealizador desta pescaria, nada se tem a conversar, pois que eram apenas figuras normais e simples, que não acrescentariam nada a uma festa, por exemplo. Seu grande movimento havia apenas acontecido naquele dia.

Varas prontas, íscas preparadas, cada um lançou ao mar, do pier onde estavam, o seu montante de sardinha no anzol. E esperaram. Horas se passaram e nada de algum peixe morder alguma isca. Nem mesmo o irmão conseguira algo, porém seu sorriso nunca desaparecia, pálido e escovado. Seus olhos pareciam brindar.

O primeiro a sumir foi Bumerangue. Mas isso ninguém notou. O segundo a sumir foi uma das crianças, logo seguida pela outra. E já subia a Lua ao céu quando a mulher também sumiu. Logo começou uma chuva fina, e o dono da pescaria, de repente, não se via mais lá. Quando a chuva apertou a maré subiu até o seu ponto culminante. Mas nesse momento o irmão também já havia sumido. Os apetrechos de pesca se encontravam delicadamente bem guardados na caixa de pesca. O carro continuava parado onde havia sido estacionado, como se nada houvesse realmente mudado no mundo, ou na vida da nova manhã que chegava. Se alguém pudesse passar por aquele lugar no determinado momento notaria cinco novos peixes singrando afoitos à direção do horizonte.




sábado, 10 de agosto de 2013

Just a Girl

What is this most beautiful woman
that when it is sunlight
and that when it leaves the breeze
perfuming the night
as perfumes the day.
What is this woman who falls
the eternal folly of not loving
loving everything she creates.
And that crams the frame
and stirs the inks of life
and hiding in painting
of their flesh wound.
Blonde, sun and vanity
Actress of my fantasy
Real woman
but just a girl



terça-feira, 6 de agosto de 2013

O Muro

Olhava para o céu estrelado e pensava: quantas estrelas olham para mim? Olhava para o Sol e sua pele ardia e pensava: é preciso arder para viver? Olhava para o chão e perguntava: quantas milhas hão de comer meus sapatos? Olhava para seu reflexo no espelho e não via nada demais, e se perguntava: porquê?

De repente o prédio ao lado desmoronou. Sim! Caiu do nada, sem aviso prévio, sem porquê. Apenas desmoronou, e matou umas dezenas de pessoas. Saiu correndo pelas ruas aturdido e pensando em fugir da poeira e do caos que se formara, e correu muito até chegar numa pedra que ficava num cais cheio de barcos ancorados à espera, precavidos contra a tempestade que um dia poderia atacar. 

Não. De que me valem âncoras se posso afundar a qualquer momento? De que valem as estrelas do céu se existem nuvens que podem tapá-las. Assim nunca chegarei ao meu Eldorado. Nunca vou saber o além Finistère, onde possivelmente terei paz de espírito, sozinho, livre das prisões, solto às marés da lua.

Um dedo cutucou-lhe o ombro dolorido. Era um mendigo. Fumava um cigarro idiota, e baforava ao vento círculos como planetas redondos. Disse: - A paz não existe, amigo, ela está no sofrimento dos outros. Veja bem, você é infeliz, mas é feliz por não ter morrido dentro daquele prédio que caiu, e por isso tem paz. A paz não existe, ela só existe aos olhos de quem sobrevive às quedas da vida.

E o amor? - perguntou ao mendigo. O amor? Seguiu-se uma risada cheia de pigarro e com cheiro de atum. O amor é um senhor de idade. O amor não existe, o que existe é a compaixão que sentimos um pelo outro. Só sentimos amor quando nos relacionamos, e nossa relação está inevitavelmente ligada a empatia que sentimos diante do sofrimento do outro. Então só há o amor quando não há paz? Sim! - disse o velho lobo do mar. Você só sentirá amor pelos que morreram no prédio à medida que há a chance de você estar suscetível a que o seu prédio caia também. Mas meu prédio é novo, de última geração, não pode cair, aquele era um prédio velho, sem nem uma reforma. Então disse o velho: - Nunca se sabe...Nunca se sabe... E riu sua risada de mar.

Seguiu pela rua costeira como quem seguia a lua. Há que haver um amor puro! Há que haver o amor sem contágio, sem troca, incondicional! Pensei então no amor filial, e isso me deu felicidade. Esse amor só se tem uma vez na vida, e mesmo assim, nem sempre. Mas há, e redime tudo. Velho bobão, deve ter sido gerado no cais do porto!

Foi cutucado de novo, nas costas. E quando se virou viu que era uma folha que caíra de uma árvore ao vento. É... o amor existe, pois quando meus pensamentos afloram negativamente há uma folha que me acaricia os ombros, e isso me tira todos os pensamentos ruins. 

Neste momento ouviu uma risada. E sentada num meio fio uma velha senhora maltrapilha e louca lhe dizia: - O amor, meu rapaz, é cego. Não há pensamento nele, há apenas a inquietude, e um cordão umbilical. Veja bem: uma mãe sofre tanto para dar a luz que não há outra maneira de amar o filho sem que haja este sofrimento inicial. Só quem sofre ama. Só quem sente na pele a mesma coisa que o ser amado pode sentir amor. É a necessidade de proteção que gera o amor, e essa necessidade vem da compaixão, e compaixão nada mais é do que a empatia entre sofrimentos e pessoas sofridas. Você pode ser amado por um bosta apenas pelo fato dele ter sofrido algo semelhante a ti, assim como pode ser amado por uma mãe bondosa e carinhosa. Perguntou então o homem: - Mas há mães que deram a luz e mesmo assim renegaram seus filhos à sarjeta. E recebeu, de bate pronto a resposta vulgar: - Essas são como eu, amigo. Só lhes resta o meio fio, e sendo essa nossa referência será o que dedicaremos aos nossos próprios, uma compaixão errada, maltrapilha, sujismunda, esgotada no esgoto da cidade. E disse-lhe mais: - Não parece ser seu caso. Procure uma esquina, elas sempre funcionam.

O homem então virou uma esquina e deu de cara com um antigo amigo seu. E depois de muita conversa viu que eram compatíveis pois que este possuía o que ele não tinha, e vice-versa. E seguiram andando em direção do Sol, que alguma hora se revelaria ao horizonte. Deve haver amor nas amizades. Porém não há salvação. Pois o que é o amor sem doação, visto que é fome? E às vezes é preciso mais que palavras, mas o mundo é assim mesmo, pensou. O que se há de fazer...

Se separaram e o nosso protagonista andou, andou e andou até que chegou num muro que determinava o final da linha. Parou, coçou a cabeça e pensou. Pensou tanto que quase voltou atrás a refazer seu caminho de ida. Foi quando viu uma enchada bem grande e forte. Pegou-a e derrubou o muro. Cansado, dormiu. Ao acordar se deparou com mais um caminho a frente a seguir. Seguiu, e já era Sol. 







sábado, 3 de agosto de 2013

Esc.

Como o mundo mudou...! Ontem meus amigos eram pessoas que eu encontrava, que eu conhecia, tinha referências sólidas, me ligavam, e batiam, vez em quando, em minha porta. Hoje meus amigos mais presentes são pessoas que muitas vezes nunca encontrei. Dizem quem isso é a era da super-informação. Eu acho que é a era da solidão.

Uma vez fui criança, e criança só se é uma vez. E eu tive um balão vermelho que se despregou das minhas mãozinhas e foi na direção do vento. Pois quando eu me vi, eu era o balão, e viajava ao sabor das marés celestes. Voava alto, muito alto, porém minha visão não enxergava o que era realmente de fato a realidade. Alguns chamam isso de inconsequência, de sonhos até. Eu acho que era vertigem.

Hoje parece que colaram as solas dos meus sapatos com Super-Bonder. Não tenho mais a possibilidade de poder ver o mundo de cima, de uma perspectiva total. Porém, do chão, consigo enxergá-lo com mais ciência. Talvez estivessem certos os céticos de minha existência.  Não era vertigem, era sonho.

Mas era boa e triste a vida com sonhos. Pelo menos era colorida e o tempo escorria pelo meu corpo todo, e não apenas pelas minhas mãos. Fico pensando nisso, e chego à conclusão de que estou errado, mais uma vez errado. Isso não é sonho, é vertigem. Não era boa minha vida, era triste. Meus amigos batiam na minha porta de madeira de lei, cortada de uma árvore chamada Solidão.

Tem um momento na vida em que a gente percebe que o mais importante não é a corda onde nos equilibramos, mas sim a rede que nos amparará quando caírmos. E outro momento em que a rede é nosso empecílho, nossa vergonha até. Queremos e ousamos cruzar os céus sem qualquer forma de segurança. E existe ainda outro momento em que percebemos que não existe a corda, apenas a rede de proteção, e rezamos para que ela nos segure, mesmo!

Quando eu era criança,  e o meu balão vermelho voou, eu comprei outro. Outras vezes, ganhei balas para compensar a perda. Mas uma vez ele ficou preso no topo de uma árvore, e aí eu descobri o melhor objeto de todos, que nos faz realmente voar, e nos trás de volta ao chão, salvos e seguros. 

Eu chamo de escada.




quarta-feira, 24 de julho de 2013

Chips

Alô? Alô. Fala homem! Não, era só pra ver se configuirei direito o meu chip. Ué, comprou um celular novo? Pois é, a Oi tava me roubando, não sei como, mas tava. É...assim é mais barato mesmo, quantos chips você tem agora? Tenho os quatro, maneiro né? vou economizar! O meu é Vivo. Porra, Vivo!!!??? To ligando agora do meu Tim, caralho vão acabar os créditos! Ok, vamos desligar então. Pera ae...e o nosso encon....

Alô, Jeja!!! Sou eu quem tá falando, to ligando pra falar que mudei de celular e de chip, qual é o teu??? Tim? Ih...então tá, tchau, só liguei pra dizer que não posso te ligar, viu?

Alô, pai... to ligando porque furou o estepe do carro e preciso de reboque, liga lá pro Tião? Ué, filho, porque você não liga? Tá tudo bem? Já falei que não se anda com pneu estepe, porra! Sabe o que é, pai, é que o Tião só tem Claro e o meu celular é Oi, aí não dá pra ligar. Porra, filho e o meu é Vivo e você tá me ligando? Caralho, vão acabar meus créditos assim!!! Liga pra mamãe e pede pra ela me retornar no Tim dela. Mas filho, se eu ligar pro Tim dela o meu Vivo pré-pago acaba e eu preciso ligar pra Fernanda hoje. Pai...vai trair a mamãe hoje também? Você é safado mesmo, né? Não é isso, filhão, eu vou ligar pra dizer que não dá mais, depois que ela botou aquele serviço Voip na casa dela to ficando com ciumes dos amigos franceses dela, vou terminar, vou virar um bom pai, sua mãe é linda...e ela tem Claro né? Hummm, será que é por isso que o Tião também tem Claro....?

Oi, gata...tá sendo tão bom falar com você pelo "face". Você parece ser tão carinhosa, tão meiga, tão sexy... Você  também é um lindo! Minha vida está mudando depois que te conheci aqui na comunidade dos "poetas poetando". Você é tudo o que eu sonhei. Pois é, gata! Mas me diz: onde você mora? Moro na Tijuca e você, gato? Eu em Vila Isabel! Pertinho!!!! (simultaneamente) Pô que legal, me dá seu telefone então e vamos nos encontrar no Feitiço? Vamos, hoje? É, a-go-raaaa! Tá, então pega o meu número: 96987756. É Tim, gata? Não, é Vivo. Você tem Claro, gata? Não... só Vivo. Então não vai dar pra a gente sair mais. Porquê? Porra, gata, pensa um pouco! É Claro!!!

Ana...me ajuda! Tô com três chips pra economizar...minha conta tá vindo altíssima, mas não sei os truques, me mostra como faço? É assim, Paulo, você cadastra todos eles e vai usando e trocando de acordo com o que seus amigos têm. Beleza, deve ser fácil! Alô? Queria cadastrar meu chip pra ganhar o desconto. Qual o seu CPF, senhor? Precisa? É claro que sim, sem seus dados não dá pra cadastrar nada. Ok, é 9677856753. (Vinte minutos depois, na linha...) o senhor já está cadastrado, agora é apenas necessário digitar o código asterisco 290 e esperar, quando uma mensagem de texto chegar o senhor responde com o código 398564 e espera o telefone tocar, em uma hora o senhor estará abilitado ao desconto de um real por minuto para interurbano. Ué, mas não é isso que eu queria, eu queria só para ligações locais. Bom... então aguarde um momento. (Quarenta minutos de espera na linha...) Senhor, chequei aqui com o meu supervisor e ele disse que é preciso passar a ligação para outro departamento. Mas não é possível, estou esperando um tempão...ok, passe logo então! (Mais cinquenta minutos na linha...) tum...tum..tum....(caiu  a ligação).

Alô? Oi Zé, de qual você tá ligando? Tô ligando do Tim. Porra, Zé, não te disse que é pra ligar pro Claro, caralho!? É que estou sem crédito. Então compra porra, como é que a gente vai economizar assim? Pronto... vai cair... Alô? E aí, Zé, comprou Claro? Não, só tinha Vivo. Poooorrra Zé, Vivo não vai durar nem um minuto, não vai dar pra eu falar nem uma fra....Alô! Zé? Porque demorou tanto pra ligar? É que só tinha Claro numa banca a uns dois quilômetros daqui. Ok, agora você tá com Claro? Claro, João,mas não está configurado ainda. Pooooooooorrra, vai cair então. (caiu).

Olha, amigo,  você compra esse celular Android, G3, com tela Led, etc, etc, e tal, e ainda leva uma capinha de silicone por 400 reais, uma pechincha. E como faço pra economizar? Amigo, você bota um chip de cada, cabem dois, aí você começa a anotar as operadoras dos seus amigos...Mas é que não têm só amigos, têm clientes também...Não tem problema, amigo! Você liga e pergunta rapidamente qual a operadora do sujeito no outro lado da linha, e aí você liga certinho, sacou? E depois, o que eu faço? Bom, amigo, aí você começa  a cadastrar tudo, e vai ligando e usando, saca? Na Oi você tem que ficar de olho, vão chegar dezenas de mensagens todo dia com promoções, é só clicar certinho, responder a todas e você pode falar de "graça", de GRAÇA! Nas outras você faz cadastro também, só na Vivo é que é mais complicado, porque é mais pra quem tem grana, sabe, e você não tem cara de milionário, me desculpe a sinceridade...Mas tem que cadastrar também pra usar a net, sacou? E como eu troco os chips se só cabem dois nesse cel? Bom, amigo, aí você tem que ter outro, ou então vai trocando na mão mesmo. E se arranhar, estragar...e como vou lembrar dos meus números? Amigo, é por isso que o brasileiro é um povo inteligente, isso ativa  a nossa memória neurótica...Você quer dizer neurológica? Isso! Viu? Já dá pra ver que tu é um cara inteligente!

É claro que existe um cartel no Brasil, John. A Anatel é uma bagunça. Telefonia é concessão do Estado. Veja bem, aqui em NY a gente fala e gasta um centavo por minuto, no Brasil o mesmo serviço custa 27 centavos por minuto. Como é isso? Eu saber, eu saber...mesmo assim acho o brazil um país liindu, com praias maavilhôÔsas, mulheres fascinating, it's awsome. Ok... ok... ok...vamos ligar então para a Termas Luomo pra ver se a Rose e a Marilda vão estar lá semana que vem. Alright! Let me get my card! Vai custar somente five dolares o ligasson.





sexta-feira, 19 de julho de 2013

Soneto de Missiva

Meu coração um dia soltou amarras,
E largou-se à imensidão do amor
Nos teus arrecifes mão de correnteza se agarrara
Colorindo o oceâno com corais de dor.

Meu coração mão que segura boia do mar,
Choro de pássaro, céu de primavera, obstáculo,
Tenta o caminho à espera de alguém sinalizar
Joga seus ramos, sua algas, seu braço-tentáculo.

Penso que as calmarias deste infinito não tornaram são
Aqueles que a eles foram réles à miopia do ser,
E que puxam velas na esperança do centímetro vão

Plantas, à minha volta, ao meu futuro hão de crescer
Dados os braços voltamos atados em amarras de coração,
Ao escrever tal missiva havemos de juntos florescer.



quinta-feira, 18 de julho de 2013

Soneto de Fé

A felicidade virá, com certeza virá
Não sabemos o dia nem quando
Mas virá acesa carregada numa pira
Na forma do mais preciso encanto

Por enquanto é só desejo e solidão
Que nos morde a pele e incita de vez
Tentáculos que apertam o coração
Pontos negros costurando a tez

Não me foi dito que ela virá
Mas vem, vem de longe e vem a pé
A tal da felicidade que vem de lá

Uns acreditam sem ver o que é
Outros se esforçam pelo que há
E ambos a chamam de fé