segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Pássaros

Li uma vez, quando morei na Inglaterra,  um conto lindo lindíssimo do grande escritor Roald Dahl sobre um menino que sofria muito bullying. Um dia ele foi perseguido pelos outros meninos, e correndo, adentrou uma floresta, onde num determinado instante, se viu encurralado entre uma enorme árvore e os meninos que corriam em sua direção.


Em seu desespero, de não saber o que fazer, ou pra onde ir, ele subiu na árvore. Sendo seguido pelos meninos que rugiam atrás dele. Em determinado momento não havia o que fazer. Ele ia ser pego...e aí... ele voou!


É mais ou menos assim. Faz tempo que li este livro, no original em inglês, nos meus tempos de London Town. Já perdi o livro. Na verdade era de uma biblioteca, e eu o devolvi. Nunca mais encontrei esse conto em alguma compilação, ou em qualquer original. Mas nunca saiu da minha cabeça a metáfora, até certo ponto surrealista, da obra do grande autor. Só sei que não há conto mais lindo e verdadeiro, que possa expressar, e consiga demonstrar a fúria do medo,  e a capacidade que cada um de nós tem de esvair-se, ou superar-se às linhas limítrofes do que aflige a alma ou o corpo.

E neste domingo (pra mim ainda é domingo apesar da hora) de sol e chuva, em que não saí de casa, e já acordei me sentindo fisicamente mal. Penso nas experiências da minha vida. Eu que tenho apenas quarenta anos, e sinto que tudo já vi, cada vez vejo mais e enxergo menos. 

Sinto que minha vida, bem como a vida de toda a gente, é como esta metáfora do Dahl. Nós nascemos e começamos a correr. Correr de algo que não sabemos bem o que é, e que vamos nos dando conta, ou não, durante o percurso, que fica cada vez mais intenso. E em determinado momento é preciso voar para não sucumbir.

Outras vezes penso que a metáfora do conto simboliza a morte, o fim, o momento de libertação da alma. Onde nossos algozes são vistos de cima, e criamos asas, e simplesmente nossos músculos apenas tensionam leveza e suavidade, leves, flutuando por aí, livres de todo o mal do mundo.


Mas no fundo acho que este conto nada tem a ver com a morte. Tem a ver com o ápice do sofrimento e com a própria redenção da alma através da nossa força, proveniente do nosso instinto de sobrevivência. Há um momento em que nossa necessidade é tão grande, nosso fundo de poço tão profundo, nossa perseguição tão perto do fim trágico, e a árvore tão alta, e o medo de ser pego, capturado, trucidado pelas "coisas"... que simplesmente abrimos asas e alçamos vôo. Libertários e livres!

O fundo do poço, como o topo da árvore em perseguição, são reais. E necessários há todos que possuem sangue nas veias, que tanto nos faz sofrer. E àqueles que simplesmente não têm chances, ou que por algum motivo, (que já não conhecem mais, ou nunca conheceram), chegam à beira do abismo, e precisam de alguma forma voar para não cair.

E nesse momento voam... e se transformam em pássaros.



Roald Dahl

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Buracos

Buracos... O mundo está ficando cheio de buracos. Buracos... Como ultrapassá-los? Se quando tiramos o pé de um, logo enfiamos o outro em outros....buracos.... São como a roda. Só que não foram inventados, não são uma grande ideia, e trabalham com função inversa. Enquanto rodas nos levam, buracos nos impedem. São piores que pedras, no que diz respeito a obstáculos. Buracos são vazios e nos usam para preenchê-los. Se alimentam dos nossos caminhos. Vão se espalhando e nos preenchendo de vazios.




Por exemplo: considero o Big Brother Brasil um buraco. Não importa o fato de não ser obrigatório assisti-lo. Só o fato de existir e contribuir para a a perda de tempo geral da programação televisiva, para mim, já corresponde a um buraco. Mas esse é um buraquinho.

Tem buraco que te persegue. Tem vidas que são buracos por si só. Tem pessoas que são buracos também. Tem buracos que só criam caso. Tem buracos que só criam buracos. E na realidade isso é até inevitável: um buraco gerará outro buraco. Isso numa progressão geométrica vira um buracão sem fim.

Vai ver nosso universo é um imenso buraco. Vai saber...

Mas existe também outra coisa interessante. Escadas. Escadas são inimigas dos buracos. Elas nos salvam deles. Quando menos se espera, olha a escada te tirando do inerte sei-lá-o-quê! Escadas são como colheres: básicas. O planeta será um imenso mundo ultra-tecnológico, mas buracos, escadas e colheres serão sempre insubstituíveis e sempre existirão em seus formatos primordiais. São "elementos" do cérebro humano.

John Lennon falava de buracos. Quem viu o maravilhoso desenho Yellow Submarine vai lembrar do "País dos Buracos", onde o Nowhere Man se escondia, percorrendo-os sem fim. E na obra mais sublime dos Beatles, "A day in a Life", John pergunta com quantos buracos poderia-se preencher o Royal Albert Hall de Londres. A música foi proibida por um tempo na Inglaterra.




Mas buracos não são divertidos. Buracos são feitos de personalidade. Na verdade buracos, como escadas, como colheres são personalidades próprias . Há pesssoas "buracos", pessoas "colheres", e pessoas "escadas". Mas como Deus nos deu o livre-arbítrio, podemos escolher o que somos, ou ainda mais, o quê queremos nos tornar, e ainda mais mesmo!: no quê desejamos nos modificar. Portanto um buraco pode se tornar uma escada. Basta desejar.

E o bom da vida é justamente isso. Se não existe democracia, ou plena liberdade de direito em sociedade alguma. Se tudo é utopia a ser alcançada, isso não acontece dentro de nós. Pois que dentro de cada um, existe a força necessária para se escolher ser um buraco, uma colher, ou uma escada.

Pra quem leu "A Leste do Eden", de John Steinbeck:

TIMSHELL!

(Pra quem não leu significa a abilidade que o Homem tem para escolher entre o bem e o mal.)

Graças a Deus!

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Poema Perdido

Cidades me levam a você
Palavras me levam a você
Flores me levam a você
Amores me levam a você

Mas e eu?

Me perdi nas suas cidades
Me perdi nas suas palavras
Me perdi nas suas flores
Me perdi nos seus amores
Me perdi em você

Não me encontro mais.

Um dia a estrela dos navegantes
Há de me resgatar

sábado, 21 de janeiro de 2012

Pó esia

Eu faço guerra e faço paz dentro de mim
Eu amo terra e mato e ar e vento enfim
Eu cato merda e fato e aguento folhetim
Eu laço pedra e cato unguento carmesim

Você não sabe o que é ser de terra branca
E ter pão e sabre se houver a guerra santa
Haverão da haste sofrer sem trégua à lança
Fugirão do embuste de viver cem léguas mancas

O mundo é lindo
O mundo é frio
A dor ardente e plana

A paz é onírica
A paz onera cá
O ardor é drama





quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A Era da Solidão

Existe alguma coisa de inconstante nas pessoas de hoje. Algo de desnecessário. Algo que se esconde por trás de um veludo vermelho, cuja trama é de plástico. Algo de rua-de-metrópole-onde-as-pessoas-atravessam-sem-se-notar. Antigamente atravessar a Av. Rio Branco no centro do Rio era como enfrentar um exército inimigo vindo em sua direção. Hoje é como tentar não esbarrar em estátuas de sal.

Sodoma e Gomorra se realizam nesse espetáculo mundano onde as pessoas compram seus amores via celular, e se em algum momento, elas olham para trás, e reparam no próprio, e ridículo semblante, de sua própria era, tornam-se sal para sempre. Pessoas hoje são de sal. E quando eu atravesso aquela avenida, atravesso me desviando das estátuas que, se tocarem em mim, transformar-me-hão em estátua também.

Tenho medo de tocar em pessoas quando ando nas ruas de minha cidade. Minto! Medo não tenho, tenho um certo pudor, não, não seria bem esta palavra,... nojo. Sim, é nojo o que sinto, quando numa rua cheia, alguém encosta sem querer em mim. Não sou misantropo, nem preconceituoso. Mas tenho pré-conceito sim, quando já conheço a situação. E assumo mesmo. Não gosto que me toquem à toa. Não gosto que desconhecidos encostem seus ombros suados nos meus dentro de um ônibus, ou mesmo num esbarrão numa rua qualquer. Não aprecio gente. Acho que gente é que nem cobra. Só que a cobra coitada não pediu pra conhecer gente, e só quer se alimentar.




Nós também só queremos nos alimentar. Mas do quê? Fico pensando e divagando sobre isto. O que será que o ser humano realmente deseja? O que será que ele quer? Sei que não está num celular, sei que não é através de um computador, sei que não está nos jornais, nem na televisão. E chego a conclusão de que está no que é projetado nos filmes. Por isso amo Woody Allen. Pois ele faz sucesso porque busca alucinadamente, em seus roteiros, o mesmo porquê que eu busco neste momento: o que será que este ser humano de merda deseja realmente??

No final das contas acho que o que todos querem é Amor. Mas o que é o Amor? O Amor é o intangível, o inatingível, é uma correção de vôo, para que um ser não esbarre nos defeitos de um outro. (???)

Mas o Amor também é cooperação, e não existe cooperação sem toque, sem que um ombro esbarre no outro, uma mão puxe a outra, etc. Só que numa Babel superpopulada onde fez-se acreditar que o Amor está escondido num celular, (e na verdade pode até estar) ou numa TV ou num computador, as pessoas precisam  cada vez mais de dinheiro para amar, para viver, se alimentar bem, pois ninguém quer amar qualquer um. As pessoas procuram seus iguais (e não há nada de errado nisso). Mas existe mais beleza nas contradições, assim como nas diferenças de tonalidades das pinturas, nas progressões inexatas de um jazz, etc... O Sol é amarelo, o céu é azul, o mar é verde, a areia é branca, a montanha é cinza.... A beleza está nas diferenças. 

É claro que essas diferenças têm que  fazer bem simultaneamente. Porque ninguém quer sofrer. Porém, sinto uma letargia móvel nas pessoas. Sinto que elas em vez de irem direto ao ponto. Buscarem seus interesses diretamente, ("Amor"), elas buscam atalhos para assim atingir esta utopia comercial. 

Ganha-se muito mais dinheiro hoje com a solidão das pessoas do que com mísseis de curto alcance, ou drogas proibidas. O maior mercado do mundo é a solidão. É o que faz girar a Terra. Pois tudo que se constrói hoje em dia segue uma cadeia de supérfluos (ou não), que vão acabar numa palavra amedontradora Solidão.



Talvez por isso esta seja uma palavra inexistente em tantos idiomas mais práticos, geralmente pertencentes a países mais desenvolvidos, onde toda esse loucura começou. Construímos uma sociedade solitária. Onde as mulheres independentes não conseguem, ou não querem, casar. Onde homens de valor são desconsiderados pelas mulheres independentes que não conseguem casar, e vice-versa também. Já ouvi uma pessoa dizer para outra: "Se você está apaixonado por mim... então acho que isso dá muito trabalho..."  O mundo mudou e todo mundo quer um "diamante". E se esqueceram que o prazer que isso remete existe dentro da gente, num órgão que bate mais forte de acordo com nossas emoções, e numa palavra para a qual não se deveria possuir atalhos eletrônicos para ser atingida.

E cada dia que passa cada um de nós se afasta mais de cada um de nós, e com medo de não se contaminar, um com a solidão do outro, deixa de olhar para trás, pois existe sempre o risco de se transformar em estátua de sal. A Bíblia não condena esta proteção natural e individual do ser humano. Pelo contrário. Deus disse algo assim: "Não deveis olhar para trás!" A mulher de Lot olhou e virou estátua de sal. É cada um por si neste mundo mesmo. Mas como dizia o filósofo Roger Daltrey do "The Who": 1+1=1. E eu acredito nisso, mesmo sendo individualista e continuando a odiar as pessoas no metrô. 

Não sei se este texto faz algum sentido. Ou se é uma profunda contradição. E de alguma forma é, com certeza, pois não estou aqui sentado à toa, escrevendo para um bando de desconhecidos (outros não), usando um computador que foi comprado com o dinheiro sujo de um mundo podre, e sem ganhar como paga pelo texto, nem dinheiro, nem o Amor que eu mereço. Acho que é basicamente sobre este tema que escrevi quando compus a música "Amor Obsoleto"...

Será a solidão dos tempos, ou serão os tempos da solidão? A Era da Ingenuidade acabou-se. Estamos preparados para a  Era da Solidão?




quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O anel

Desde que minha mãe era criança
E minha avó era uma mulher sadia
E meu avô um senhor pujança
E meu pai um homem da lida
O anel circulou pelas andanças
E foi trazido pelo destino
O fato é que o anel viveu
Até que um dia foi perdido
Ninguém sabe se morreu
Pratas nunca morrem
Sabe-se que dentro dele escondeu
As histórias que se escondem
Nas gavetas emperradas a pó
Deixado ao tempo para trás
O anel viveu prateado
Até que num dia fugaz
Já havia se esverdeado
Lembrando minha tia Inara
O quanto valia o círculo
Por quantos dedos passara
Por quantos deixara vínculo
Das almas que ornara
O anel foi entre gerações
O elo de uma existência
Centelhas de corações
Razão de sobrevivência
E cinza de alguém
Não se cabe mais no tempo
Perdido nos contos de outrem
Perdido na imaginação e seu invento
Passado de mão à mão
Vestido como seda
Quem diria o anel então
Ser encontrado um dia atrás de uma mesa
Cem anos após a ceia
Onde noivou Tadeu feliz
E sua namorada feito princesa
Não há mais família, não há mais casa
Paredes sim, ainda existem
Mas por outros devidamente compradas
Quem diria um ser inanimado
Viver mais que vidas passadas
Por razões quaisquer que sejam
Unidas ainda num canto de uma sala
Debaixo de uma mesa
Desde que minha mãe era criança
E minha avó era uma mulher sadia
E meu avô um senhor pujança
E meu pai um homem da lida



quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Sou uma pedra

Sou uma pedra. Nada mais que uma pedra. Sou uma pedra vulcânica. Apagada há milhões de anos espero o momento certo de ressurgir, de requeimar. Dependo de uma erupção que não é minha, mas da qual faço parte peremptoriamente. Minha tristeza: não escorro mais. Meu calor esfriou com meus curtos séculos. agora sou um aglomerado de pó. Um dia, fui lava quente, derretendo os outros, criando sulcos, cânions, países, alpes e montanhas. Influenciei a geografia da Terra, a geografia de mim mesmo. Destruí cidades, possibilitei férteis plantações. Fui uma mistura de morte e vida. Virei granito. Não sirvo nem para estátua. Talvez sirva pra uma pia de cozinha. Barata. Não me moldo mais a nada. Estou velho. Não participo mais do Tempo. Sou um velho e tristonho e frio cometa preso ao chão.

Ai quem me dera a circunferência de minha montanha explodisse de novo. Depois de milênios povos olhariam para mim com assombro, protegeriam suas faces e seus narizes, mas eu, transformado em gás venenoso os mataria sem piedade. Eu, escorregaria como criança num escorrega de magma. Brilhando, e tracejando a noite com o meu caminho de fúria. Explodiria usinas consideradas intransponíveis, queimaria florestas seculares, reduziria cidades a pó. Ao pó que sou hoje. E sem vingança. Eu seria a reciclagem de algo. A esperança de vida ardente. De que o planeta ainda não acabou. Que existe vida embaixo de nós. Fogo. Radiação. Hecatombe. Até que um dia eu esfriaria de novo, incólume.




Sou uma pedra. Nada mais que uma pedra. Às vezes me chutam de brincadeira. Às vezes tropeçam em mim, e caem. Não posso rir. Não me foi concedido este favor. Mas não se engane. Sou parte de um todo universal. Só o poro mais que microscópio da mitocôndria do ser mais mínimo que há. Sou o pó do cocô do cavalo do bandido. Mas sou algo. Desta vez ínfimo, mas sou importante. O Universo depende de mim tanto quanto de um elefante ou de uma super estrela solar. No dia em que eu desaparecer nada mais restará. Sou o elo perdido. Sou o amor que se perdeu. Aliás, este amor não é conhecido no meu universo. Sou a solidão dos astros em explosão. Sou a cadela que devora o filhote que nasceu com algum "defeito" congênito. Sou apenas arenito selvagem. Não conheço o amor. Ele existe mesmo? Não ouvi dizer, pedras não ouvem. Mas sentem. Sentem os batimentos do solo e o momento da nova erupção. Apenas.

Ai... se em algum momento me fosse concedido o direito de amar.... pois amar é ser amado, não? Com certeza não seria um amor de pedra, e talvez minha alma de granito fosse presenteada com alguma elevação espiritual, e talvez, apenas talvez, então, eu pudesse ser humano.

Sou uma pedra....

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Morrer

Às vezes penso em morrer. Não em me suicidar, pois não acredito em suicídio. Não que não se morra assim também, simplesmente acho indigno se matar. E não teria a coragem. Mas às vezes penso em morrer. Penso na facilidade do morrer.

Acabariam os problemas banais que me assolam, as invejas que me derrubam, as burocracias que me interrompem, os medos dos finais de mundo, as chatices dos reveillons mal-amados, as músicas que entretêm os outros menos do que me doem a alma, os amores lúdicos existentes apenas nas nuvens da minha necessidade,  as mentiras que não sei distinguir, os amores vãos e singelos, os amores vãos que me destroçaram, e finalmente as minhas células jovens e cansadas poderiam parar de esperar, esperar, esperar...

A morte é o fim do labirinto. É o fim das nossas auto-análises, da nossa alma, dos nossos corredores sem fim, escuros, repletos de morcegos. Dirão os "alegres" de plantão, sempre a me criticar: "Não seja idiota, que a vida é prosa, e cheia de passarinhos e sol."  Às vezes penso que a vida é uma caverna cheia de corujas e aranhas peçonhentas, e que apenas no fim desta encontrar-se-há um passarinho em algum perfume de mel.

Hoje, há 5 minutos atrás, gripado, nariz constipado, e peito dilacerado pelas coisas que vejo, tanto quanto as que imagino, pensei que seria um belo ato de nepotismo se Deus me levasse e me entregasse qualquer coisa para fazer que não significasse vagar por essas paragens humanas tão erradas e doídas.

Sei que perderia o sabor das amêndoas, e os açúcares das cerejas...Sei que não conseguiria morrer sem a audição da música! Mas a água caindo, e eu pensando, pensava que não conseguia viver... E me lembrei de uma música que eu fiz há um tempo onde relato de forma romântica e pueril a falta das coisas mais importantes, e muitas delas supérfluas. Música recente, nunca tocada ainda, composta numa época em que eu pensava possuir pelo menos algum amor no bolso, e em tal música.

Hoje vejo que não possuo nada além do que me foi dado no momento de minha concepção. E se posso ficar feliz com isso, acho que devo. Devo este significado, e este respeito aos meus pais e a Deus, chame-o como quiser. Ha! Sou mais experiente, é vero. Grande merda.... Aprendi que aquela frase maravilhosa, daquela música maravilhosa dos Beatles, "And in the end, the love you take is equal to the love you make.", é a coisa mais sábia que há, e também a maior bobagem de todas, e que "Love, love me do, you know I love you... so please, love me do." é a explicação do que realmente significa amar.

Aprendi com grandes músicos que "the lunatics are in my head". E aprendi que o teatro traveste imbecis, e que a única arte que se doa (verbo:doar) totalmente é a Pintura. Outro dia dia fiz uma música despretensiosa para uma letra que me foi dada, e que em um desses minutos inexplicáveis, captou uma música vinda de mim. E a letra, logo depois, dias depois de ter concebido a música, percebi que tinha tanto a ver com o que tem acontecido comigo, que parece que a coincidência nem é mágica, é de propósito mesmo.

Sinto que mãos me dirigem na direção correta, e que na maioria das vezes eu não as sigo, e elas choram por mim... Saiba, seja lá quem quer que seja que me leia, que sempre que escrevo estou sozinho, e que derramo nas palavras a maior dor que existe, e que é a dor de viver.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Tempo e Sonho VI

Vagou desenfreadamente pela orla de Ipanema, repleta de turistas. Seus passos eram lerdos e pesados, como se pisasse lama, mas seu corpo era vigoroso, porém, sua cabeça nem um pouco alerta. Um cuspe de algum andar do hotel Fasano não o tocaria em nada. Mas Jonas não estava perto do hotel mais badalado da cidade. Jonas estava no calçadão de Ipanema, andando de forma "besoura", fitando com melancolia o desenho padrão formado pelas pedras portuguesas do passeio público da orla, mais perto do mar. 

Seu pensamento era de besouro mesmo. Besouros são bichos estranhos. Parecem se alimentar de pó, pois sua energia é completamente folgada. Se movimentam de forma inerte. Cutucam as paredes com suas antenas que devem funcionar bem, mas que nunca os levam em linha reta. São seres sem foco. Mas como criticar os besouros? Afinal, tudo que existe no planeta Terra passou pela grandiosa provação proveniente da evolução. Inclusive os besouros "enmaconhados".

Jonas se sentia assim, pois havia ingerido (ainda no Arpoador) umas raspas de noz-moscadas. Como se sabe muito bem, a noz moscada é um tempero com propriedades esquisitas ao cidadão comum. Embora essa noz seja dotada de uma composição variada de óleo essencial constituído por uma mistura de limoneno, cimeno, peneno, miristicol, miristicina, linalol, borneol, geraniol, eugenol etc., óleo fixo branco, manteiga de moscada, matérias resinosas, pépticas etc. Acredita-se que a noz moscada possua propriedades afrodisíacas, anti-inflamatórias, digestivas, diuréticas e especialmente sedativas. O nome científico é Myristica Fragranc. A noz moscada é dividida em duas partes, a interna e a externa. A externa, chamada Macis, é menos usada, porém a nos-moscada ingerida em grandes quantidades pode causar alucinações e causar desorientação. Duas nozes-moscadas inteiras podem causar morte.

Muitas vezes Jonas se perguntou o porquê do nome "moscada". Tão pareceido com mosquito, mas isso fazia apenas parte de seus devaneios inúteis. De qualquer forma nunca ultrapassara três doses do tempero: não era louco. Quer dizer: na verdade era. Mas se protegia. Só que desta vez Jonas havia ingerido quatro doses, e ainda não havia morrido. Acreditava que o beijo da menina o salvaria de tudo. E pode até ser que o tenha salvado da alma, mas nós sabemos que não o salvaria do coração físico.

Não se sabe se o encontro foi real, ou se foi resultado de uma "imaginação" aditivada pela substância. O fato é que Jonas ao andar pela orla deu de cara com três pessoas, que não se sabe de que forma, tornaram-se amigas dele como que num "amor-à-primeira-vista". 

Em dez minutos se encontravam sentados num pé-sujo de Ipanema. Um pé-sujo dos mais sujos, tão sujo, que acho que nem no bairro do Estácio você encontra coisa assim. Pois então. Viam-se os três sentados numa mesa de ferro pintado de azul, e com a propaganda de uma cerveja desenhada no centro. Jonas apinhado de noz-moscada, se sentia um besouro, mas não pudera deixar de notar que os outros três estavam sob o efeito de uma noitada repleta de cocaína em altas doses. Eram Jonas, um homem, e duas mulheres muito bonitas. Só que babavam quando falavam. O encontro durou cerca de umas quatro horas, e foi puro entretenimento, embora Jonas houvesse se apaixonado por uma delas - a mais louca. E durante esta paixão impossível,  Jonas passou de besouro à superman. E viu-se realmente o personagem de Nietzsche, descendo da montanha para alertar o povo. Só que Jonas, ao contrário de Nietzsche, tropeçava em flocos de cocaína boliviana. E em vez de alertar, pedia ajuda.

A conversa foi das mais diversas, onde não havia pausas. Os quatro loucos falavam alto, e todos ao mesmo tempo, de forma intensa, quase uma guerra de amizades, uma luta de palavras com o gosto beligerante que só existe nas antigas e verdadeiras amizades. Ao mesmo tempo em que as meninas a cada 20 minutos se levantavam para dar um teco no banheiro podre do pé-sujo, aterrisavam na mesa garrafas e garrafas de cerveja, que eram consumidas com volúpia, sempre seguidas da promessa de que seriam a última - prova de que não se morre de véspera. 

No fim, quando a loucura, e o som alto das conversas e polêmicas,  já ultrapassava o meio-dia, e um mundo normal já servia de espectador, Jonas foi abduzido por um de seus pacientes: Carlos, o senhor de 60 anos, que sofria de medo e amor pela mãe. Jonas então se levantou e pediu licença, e naquele momento viu nos rostos de seus novos amigos um ar de indiferença, como se nada daquilo houvesse possuído alguma importância, e pensou, num momento de lucidez: esta é uma terra de traças.




Foi, como de costume para o hotel onde o senhor, seu paciente, vivia. Era mais um milionário que alugava uma suíte num lugar chique de Copacabana para fugir um pouco da mãe que o atormentava. Então Jonas pensou que no fundo mãe e irmã e namorada são como noivas. E que o noivado é sempre a esperança do corno final, aquele que liberta em vez de machucar.

"Como foi seu dia, Carlos?" Aquela velha e costumeira pergunta, rotina de psiquiatra... Pergunta sem nexo, pois uma vez que o Tempo não existe de que adianta esta pergunta! Isto foi o que pensou Jonas. Obteve a resposta que sempre obtinha. 

-Esta mulher... não há entendo, presta-me um serviço, mas não sei qual é. Durmo com ela na cabeça, mas quando acordo esqueço de tudo. Não sei mais se é minha mãe, ou minha irmã, ou minha namorada, sendo assim acho que é minha noiva. Trata dos meus trabalhos, e me presta favores extras. Mas sinto que ela não existe, e isso me aflige. 

-Bom, Carlos, há anos tratamos disso e realmente existem evidências de que ela não existe. Ela é apenas aquela mendiga que recebe seus 3 reais diários como recompensa pelo seu sofrimento. E que dorme na rua todos os dias, na Lapa.

É claro que o confronto com esta realidade mágica sempre causava em Carlos um profundo espanto. "Sua mãe morava na Inglaterra, casada com um turco, que se alimentava de pães da Harrods todos os dias, e geléia de maracujá importada do Brasil".

- Carlos, a única cura para o seu problema é nunca mais doar seus 3 reais diários à esta pedinte, comprar uma coca-cola com eles, e a cada gole que tomar refletir e cantar interiormente um mantra: " Eu existo, ninguém mais / Eu preciso é de prozac." 

-Carlos... um milionário inútil é um ser pobre. É um morto. Ao terminar esta frase vi-me no chão, combalido por um soco na cara. Carlos havia tido uma reação violenta, o que era normal, e corriqueiro, porém, seus socos não me assustavam, pois não doíam realmente, só me derrubavam. Então ele praguejou:

- E o senhor??? Que vive ingerindo noz-moscada? Como pode entender alguma coisa de ilusão? 

Fez um cheque e foi embora. Era assim que eu me sustentava, e me senti naquele momento igual a pedinte que ganhava 3 reais diários de Carlos. Embora eu houvesse ganho 500, e isso fazia alguma diferença.

Uma hora depois, ainda seguindo meu caminho por Ipanema descobri ao longe os meus três amigos ainda completamente cheirados, só que desta vez acompanhados pelo meu paciente, Carlos. Este bebia uma coca-cola com uísque. A conversa entre eles gerava turbilhões da avenida, e o homem do bar já enfiava algodão nos ouvidos em busca de um pouco de paz. E então eu pensei comigo mesmo: o que será que leva essas pessoas a se drogarem desta tal forma? Serão suas vidas amargas? Ou será a amargura de seus narizes? A menina bonita urrava e babava imprecações ideológicas que eram recebidas pelos demais como pedaços de uma intelectualidade que havia totalmente perdido o sentido, e me fez pensar também. Como seria esta menina caso não cheirasse cocaína? Teria ela a chance de articular pensamentos menos babados? Cuspiria menos? Já seria um ganho. Tão linda... com olhos de um castanho profundo, presos numa sutil inapetência quanto à vida. Sutil delinquência mórbida, que transforma seres inteligentíssimos em doces intelectualóides da Zona Sul.

Carlos agora pegava de leve nas mãozinhas pequenas dela. O velho não tinha vergonha. Era, enfim, um safado com charme de malandro. Com essa mania de contactar fantasmas ele mesmo era um. A menina tirava a mão insistentemente. Mas de repente vi-me tórrido de ciúme de algo que não comi. Como que desejoso de um hamburguer do Mac Donald's o qual não me pertence e está na boca de outro. Meu ciúme é o que me faz andar, pensei de repente. Mas joguei fora este pensamento absurdo e foquei de novo na babalança de quaro pessoas completamente narcotizadas pelo deus branco, aquele que se usa uma pizzaria do Leblon como templo, e que afunda os narizes até que o cérebro vire cereja. Senti-me triste, e inapetente, e impunemente tirei do meu bolso mais uma noz-moscada. Seria a quinta do dia, mas eu não morreria tão cedo, Sig me protegeria.