quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Insônia

Eu que nunca sofro de insônia hoje vou senti-la. Insônia. O que é a insônia? É uma conspiração dos órgãos vitais contra você? É uma rolha que se recusa a explodir de uma garrafa? É a tentativa de aportar, ou é a ausência de porto? Eu não sofro de insônia, a não ser quando estou com insônia. Insônia: Sônia ao avesso. Com certeza deve ser culpa dela; de alguma Sônia existente em alguma paragem por aí, desconhecida. Metáfora sublime e dolorosa da mulher quando ela não existe ao teu lado, porém dentro de ti.

Será a insônia a vaga vela holandesa numa calmaria de meses? Será o café borbulhando em pensamento apenas? Será uma vontade louca de deglutir a média de alguma padaria de esquina? A Insônia é o maior dos corrosivos, a droga mais vital, a tentativa de se espalhar uma argamassa já endurecida. A doença mais célebre de todos os tempos. Resquícios da glaciação dos peixes? A velocidade das milenares tartarugas em busca de algo? A razão da arte, a comida dos poetas, o ócio das abelhas, a carne mofada, os neurônios em greve, o perdão e a zanga de um pai revolvendo sua cabeça como minas aquáticas? É o que matou Balzac? 

"A insônia fuma um cigarro atrás do outro e um carro rasteja na avenida como um corvo..." A insônia é um livro interminável. É o Senhor dos Anéis adulterando seu sangue verde. A insônia é uma música sem fim, chata, repetitiva, é o tambor dos bosques repetitivos, a calmaria do passarinhos do Kansas ante um prenúncio de tornado. É a reza dos compadres, é o eco de castelos templários na sua repetição eterna de paredes quicando gemidos de assassinatos perdidos no tempo. A insônia é o tempo que não há. É a síndrome dos nossos dias, é o costume aos remédios soníferos, é a indústria farmacêutica ardendo sua orelha, é o pão quentinho que berra seu nome, é a cachaça ingerida, porém não bebida. É a falta do uísque, é uma bossa-nova. É um samba do Carlinhos Lyra, são os olhos da Maysa, a boca sem dentes do mendigo da esquina, as baratas do carnaval, o lixo que a Conlurb não recolhe mais. É o vento da praia vazia. É a espera do grande terremoto que acontecerá no dia seguinte quando você terá que se engomar e ir para o escritório apesar dela. É a angústia de existir em vão?

A insônia é apesar. Apesar de tudo. É o juiz apitando um penalty, apesar do erro. A insônia é o pesar. O pulsar da cabeça medonha dos poetas. A insônia são as pedras ainda não acumuladas por Fernando Pessoa. A insônia é o próprio. Sou eu, é você, é um mate preto, com catuaba num boteco da lapa, sem a menor chance de se dar bem com alguma mulher, enquanto travestis riem de você. A insônia é estar no Serasa?

A insônia é o arlequim rindo das suas lágrimas enquanto a puta da colombina se masturba sozinha num canto do salão? É o entrar e sair de uma academia de ginástica cheia de pseudo-gente. É um empate do flamengo com o fluminense, é a espera do gol que não vem numa final de copa do mundo. A insônia é a própria copa do mundo de hoje em dia. É um torneio de barco a vela, é um beijo chupado de tia na orelha, causando uma sucção de supernova. 

As vezes me parece o universo uma terrível insônia. Pois a insônia é a incerteza. É a explosão que pode demorar bilhões de anos para te atingir - graças a Deus. Um sábio um dia me disse: "A Insônia é a falta de amor, a insônia é o mundo vazio dos que sentem  solidão."



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