sexta-feira, 29 de junho de 2012

Catarse

Sou pele. Carne e pele. Sou olhos incoerentes. Sou íris, córnea, boca, saliva. O ar me toca, as mãos me batem. Sou larva do céu. Sou e nunca fui o que não sou. Sou tristeza e alegria. Mais tristeza, pois sou o mundo. Um mundo. Imundo, e mudo. Quando eu quero eu mudo. Quando não quero fodam-se. Sou cabeludo. Sou devasso. Sou de mim. Sou vinho seco.

Arranco minha pele. Arranco meus olhos. Minha íris, minha córnea, minha boca arranco minha saliva gasta. O ar me foge, as mãos me afagam nas horas erradas, arranco as horas erradas. Alegria e tristeza,  eu as arranco de mim. Do mundo, que eu descolo, arranco a terra onde piso. Arranco minha sujeira, minhas palavras que nada valem, eu arranco. Fodam-se todos que querem me mudar. Eu arranco o direito de não ser eu mesmo de mim mesmo, quando quero. Arranco minha cabeça, minha devassidão é hora. Não sou, nunca fui de mim, ninguém o é. Seco o vinho que eu sou.

Não me encham o meu saco arrancado.


terça-feira, 26 de junho de 2012

Não há

Depois do ribeirinho de águas de lei
Que fica no meio das flores douradas do girassol
Onde as árvores escondem a perseverança
Onde as formigas limpam seus rastros de Sol
Onde a chuva está repleta de crianças
Onde aguarda uma Lua unifacetada
Logo depois dos caminhos que tracei
Não há nada.



sábado, 23 de junho de 2012

Pra você que tem medo de escrever

Para aqueles que têm medo
É tão fácil escrever um poema...
Escrevo sem palavras
só sentimento
E sentimentos não são pensáveis
São como o vento
Como a chuva que cai de repente
Como um Sol que te queima a retina
Escrevo como Perseu
Decepando a cabeça triste de Medusa
No momento climático
Onde minhas palavras enfim fazem sentido
Embora eu saiba
Saiba bem
Que nada tem sentido
Nem as palavras


quinta-feira, 21 de junho de 2012

All You Need Is Love

Um homem grisalho de uns cinquenta anos de idade saiu de casa na direção de um compromisso de trabalho no centro da cidade do Rio de Janeiro. Morava em Botafogo, perto da estação, e seguia tranquilamente à estação do magnífico trem subterrâneo. Parou numa banca de jornal, comprou um amendoim, parou num boteco onde comprou um cigarro, e desceu as escadarias em direção ao guichê. Totalmente tranquilo e sem pressa era essa homem. E de acordo com o que era assim ele seguia.

Esperou o metrô pacientemente durante os 20 minutos que este demorara para chegar. Na parede uma propaganda avisava sobre as inovações da firma concedida pelo Estado - a Metrô Rio. Enquanto isso o povo ia se aprumando ansiosamente ao seu lado. Todos esperando o trem que os levaria a destinos traçados na parede da estação , embora tão únicos e diferentes.

Finalmente o trem chegou, abriu as portas, e foi logo preenchido pelo povo, que quanto mais trabalhador, mais dependente era. Mesmo assim, houve um espaço de uns 5 minutos até que as portas se fechassem e o trem desse início à curtíssima viagem ao próximo ponto, e assim em diante. A turba claustrofóbica se aliviou quando finalmente o trem começou a avançar.

Mas nosso amigo estava tranquilo. Seu dia começara bem, as coisas prosperavam, e seu amor era seu. O dia era de Sol, e a Lua havia de comprar-lhe um vinho mais tarde. Tudo, portanto, andava dentro dos conformes em sua vida de bem estar, boas finanças e poucos queixumes. Sua mulher não reclamava, e não lhe pedia mais do que beijos, reais ou irreais. Na altura de sua vida, de quê isso lhe interessava mesmo? Era um mundo de vídeo-games mesmo!, pensava, enquanto o trem já ultrapassava sua terceira estação em direção ao centro da cidade.

Quando o trem abriu as portas na estação da cinelândia (ele ia para a Carioca), de repente o seu celular começara a vibrar no bolso de seu paletó. Pasmem! Ele não podia acreditar. Era a sua prima dizendo que estava acompanhada de seu irmão, dentro de um carro, engarrafados perto da estação da Carioca, e que seu irmão estava se sentindo mal, e que seria provavelmente devido a um ataque cardíaco, pois ele sofria dessa doença. Ela desesperada dizia não saber o que fazer... que ele por favor chegasse logo acompanhado de alguma ajuda, porque ela atônita, se encontrava paralisada, e que ninguém parecia querer ajudar.

Foi nesse momento que P. percebeu que o trem já se encontrava parado há mais de 5 minutos na estação, na esperança de que mais "clientes" descessem e rendessem mais lucro ao governo. P. então começou a suar, sua pressão começou a subir. Ele que não era cardíaco, mas amava seu irmão, saiu completamente de sua tranquilidade, e apenas podia esperar que o trem andasse logo, pois faltavam apenas duas estações até a Carioca. 

Finalmente o trem fechou as portas e seguiu à próxima. E nesse instante P. notou o quão vagaroso o trem fazia seu trajeto. E finalmente quando o trem chegou a penúltima estação, P. achou que conseguiria chegar a tempo. Mas foi aí que P. sentiu de novo que o trem abrira as portas apenas para embarcar alguns poucos passageiros, e que não as fechava, visando esperar mais! "clientes". Isso começou a demorar DEMAIS!

Nesse momento o seu celular toca de novo, e é confirmado o ataque cardíaco de seu irmão. Fez-se uma multidão em volta do corpo, que lutava por oxigênio, enquanto policiais, calmos, e meio que alheios à situação, tentavam entrar em contato com algum corpo de bombeiros.

 E o vagão ainda não se mexera... E dentro desta situação limite, onde o pensamento invoca apenas a revolução e nada mais, P., cansado de esperar, e totalmente furioso com o transporte "mais rápido da cidade", não se conteve um minuto. Começou a bater na lataria do veículo, que ainda mantinha suas portas abertas, e gritando feito um louco, vislumbrou ao longe um rosto , refletido no espelho do maquinista. Eram olhos embaçados. Sem entendimento, sem compaixão, sem informação, sem profissionalismo, olhos humanos. 

P. então saiu correndo do trem em direção à cabine de comando, pensando implorar que o trem (pela-mor-de-Deus!!!!) andasse pois seu irmão estava morrendo!!!

Pois foi no meio de sua correria, quase chegando ao primeiro vagão, perto da onde o maquinista ficava, que as portas finalmente se cerraram, e o trem partiu, deixando P. para trás.

Então P., seguindo o vagão com seus olhos de aflição e descrença,  andou calmamente até a máquina de coca-cola que havia perto de uma das escadas, sentou-se no chão como um mendigo, cansado de tanto carregar papelão, quando de si deslizou uma lágrima de sal. E já no chão, seu telefone sem mais tocar, brotou em sua cabeça uma música antiga demais.




sábado, 16 de junho de 2012

Dez versos em vão

Nunca estive em caminhos
Nunca me entreguei ao sabor das ondas
Nunca trilhei as terras de alento
Nunca cantei montanhas de vento
Nunca amei o infinito coração, porquê...

Caminhos eu fui
Ondas me entregaram
Fui trilha, terra, e arado
Ventos me cantaram de montanhas
Fui coração infinito sem ser amado


domingo, 10 de junho de 2012

Sobre futebol?

Acho uma escrotice essa comparação entre o Messi e o Neymar. Porque os dois não podem ser grandes jogadores ao mesmo tempo? Porque um tem que ser melhor que o outro? Visto até que jogam em posições diferentes! Duvido que na Argentina eles percam tempo com essas baboseiras típicas do idiota brasileiro, que tem que se afirmar. Até porque a Argentina só ganhou o jogo porque jogou em função do Messi, e o time brasileiro, de jogadores competitivos entre si, quase não tocaram a bola pro Neymar, que é um gênio, porém inexperiente ainda, tão jovem que é. Caiu no buraco de seu próprio time. Enquanto a inteligente argentina favoreceu o Messi, fez dele grande, apostou nele. Armou o time em função do gênio.

O Brasilero é um povo babacóide, competitivo da maneira errada. Aqui ninguém luta pelo bem comum. Numa guerra brasileiros se matariam antes de matar o inimigo. É um povo "amável", "caridoso", "divertido". Os estrangeiros vêm pra cá, e ignorantes sobre a situação, acham isso aqui o país da amizade. A verdade é que o brasileiro é um ser individualista ao extremo, dotado de uma eterna baixo auto-estima, de uma inveja torpe, que o faz competir cotra quem pode lhe garantir o pão de cada dia.

O Neymar é um menino, não tem a manha que tinha um Zico com 30 anos. E seus companheiros são uns idiotas que ao meu ver praticaram o "bullying" contra ele o jogo todo. Ignorando-o, pois sabem que não possuem os pés do gênio. Passei o jogo todo com pena dele, que raramente tocava na bola, e sempre de forma burocrática, pois com certeza o técnico, "professor", (podia ser Deus, né?) deve ter comandado o Neymar pra se conter, como é de praxe nas últimas seleções brasileiras. (Driblar é humilhar, não pode...bla bla bla...)

Esse texto não é apenas um texto bobo sobre futebol. É na verdade um tratado sobre a burrice de um povo fadado a chutar o próprio saco, e não chegar a lugar nenhum. Nem quando a sorte lhe presenteia com um Neymar.

Palmas para a Argentina que tem a coragem de se expor, mesmo sendo um país fodido.


sexta-feira, 8 de junho de 2012

Bomba Atômica

Tem vezes que a gente se sente como um pára-brisas de carro, no meio da chuva branca. O vidro sujo, esquecido de ser lavado, acumula a incapacidade de visão. Tem vezes que a gente se sente uma bola de futebol, sem trave nem gol, nem chute, nem couro, de plástico, numa gôndola de um super super mercado, esperando...

Tem vezes que a gente é um sonho, e nossa vida é barata demais, e nossos caminhos impossíveis de serem explicados dentro de uma concepção humana. E as personagens que nos cercam são mutáveis, hora uns , hora outros, e tudo faz sentido, mas quando acordamos nos esquecemos de tudo.

Ontem ouvi um barulho fosco, mas incisivo e rápido vindo de dentro do armário, e na minha cabeça, cheia de arquivos, a primeira coisa que pensei foi "terremoto"? Reminiscências de Los Angeles, onde minhas paredes estalavam com motivo. Mas desta vez foi apenas o meu violão estourando uma corda à toa. E me pergunto, sempre que isso, raramente acontece: haverá algo de místico nisso? Será que meu violão, profundo conhecedor de mim, tenta me avisar de algo que nunca saberei o que é?

Acho que ele apenas me lembra que sou como uma corda de violão pronto a estourar a qualquer minuto. E eu me sinto como uma palheta no fundo do "case", esperando um uso, tendo seu dono um sujeito que não é guitarrista, e ela fadada a nada.

As vezes sinto que sou os livros de poemas de meus amigos, cúmplices. Sempre que abro um me dá vontade de fazer uma música pra eles. Sou minha música, que é alguma coisa, embora nunca ouvida. Sou um ouvido surdo. Uma palavra não conjugada. Sou o esperanto.. Às vezes sou a puta que pariu. Sou a gravidade dos erros, e dos acertos. Me atraio por bobeiras e por validades, porém mais por esperanças.

Nosso tempo é tão funesto que sou uma borboleta numa crônica do Rubem Braga, vagando pela cidade, e tendo apenas um dia para aproveitar a existência.

Tem vezes que sou aquilo que quis ter e não tive. Não somos isso, todos nós? Sou uma poesia levitando no piche. Um dia uma bomba atômica invertida há de me resgatar.


segunda-feira, 4 de junho de 2012

A carta do baralho

Era uma estrada. Não podia-se dizer se era de pedra, de piche ou de terra. Era escura e sem iluminação alguma, como o vento que nos leva e nos traz. Essa estrada levava e trazia os incautos errantes, séculos após séculos, não possuía serventia, pois de lugar algum chegava, e para lugar algum levava. 

Não havia paradas. Nem restaurantes de beira, nem bombas de gasolinas abandonadas, nem casas, nem rasteiras, nem árvores, nem postes, nem cidades. Havia neblina. Uma neblina grossa que vagava pela frente, pelos lados, e pela retaguarda de quem seguia. Não era uma neblina normal. Era uma neblina que não invadia a pele, apenas à visão de quem olhasse, a um metro do olho.

Vaguei muito por essa estrada. Caminhei a vida por estas andanças. Em alguns momentos pensei pisar em cascalhos. Em outros momentos tive a impressão de que me atiraria de um penhasco. Porém, nada acontecia, realmente. A estrada parecia me encaminhar. E embora meus pés cansados andassem, pareciam não avançar, e minhas pernas pareciam não existir mais, e meus olhos não ter função. Eu vislumbrava o sonho, apenas o sonho, e a única coisa que me mantinha era meu cérebro (que era imaginação) e um velho lampião que eu carregava há anos numa mão sempre levantada, na esperança de que pudesse de cima iluminar a  vastidão do meu "nada" obscuro - a fibra da neblina de uma noite sempiterna.

De repente não pude acreditar em meus próprios olhos possuídos pela catarata do vento: uma luz! Uma minúscula, mas real luzinha brilhava como uma estrela no fim (???) da estrada. Via que ela piscava amarela, como a minha devia piscar a alguém que estivesse vindo em minha direção. E foi isso que percebi à medida que me dirigia à luz. Minha história já não pertencia à estrada, e sim à luz. Que luz! Que luz seria aquela, e de quem, ou do quê? 

Um medo tomou conta de mim o quanto eu me aproximava da luz. E quanto mais ela crescia mais eu tinha a certeza de que era outro. E quando enfim depois de meia hora de caminhada, já não mais solitário, eu pude fincar pé a uns três metros da outra luz, foi como me ver num espelho. A pessoa carregava um lampião exatamente como o meu, e cobria-se de uma grossa malha amarronzada pela cor e pelo pó do caminho, e o mesmo capuz caía-lhe por cima da cabeça cobrindo parte dos olhos. Éramos como monges sem visão, numa religião que dava voltas e não atingia lugar.

Por minutos, que me valeram como horas, nós dois paramos em frente um do outro... pela primeira vez em nossa jornada, acredito eu. Nosso cumprimento foi nosso reflexo, pois éramos iguais, irmãos de sina, carregando nossos lampiões com os mesmos cacoetes, mesmos trejeitos, mesma força inabalável, embora nossas pernas tremessem de cansaço, iguais.

Ao mesmo tempo, por algum instinto mental inexplicável, nós dois olhamos para baixo, e encontramos em nossa frente, no chão, um baralho. Nós dois descemos o braço ao mesmo tempo, de forma igual, e seguramos, os dois, o baralho em nossas mãos. Lia-se nesse baralho serem cartas de Tarô.

Ao mesmo tempo, com gestos impressionantemente iguais, como um espelho, sentamos no solo do caminho, e retiramos uma carta do baralho, a qual demos um ao outro, num gesto amigável e sabe-se lá o porquê!

Incrivelmente as cartas que saíram para cada um eram exatamente a mesma carta do Tarô. Era a carta que representa o Ermitão. E essa carta era desenhada com a figura de uma pessoa completamente vestida de trapos marrons, como um sobretudo velho, monástico, e sua face era coberta por um capuz sujo, e enquanto um dos braços carregava uma bengala de madeira, o outro erguia-se segurando um lampião exatamente como o nosso.




Mas meu cérebro, neste momento, sentiu a falta do cajado de madeira, que incrivelmente eu não possuía. Nem eu, nem a pessoa, exatamente igual a mim, sentada à minha frente. Foi quando de repente senti a mão do outro segurar com firmeza, não força, mas firmeza, o meu pulso dolorido. E nesse momento, como por instinto maternal, que não era o meu, segurei também, com o outro braço,  o pulso da pessoa à minha frente. 

Foi quando entendi que para esta pessoa eu era o cajado, e que para ele o cajado era eu. E foi então, tocando-lhe a pele macia de sua mão, que percebi que o outro era uma mulher.



sábado, 2 de junho de 2012

Hai...cai

Olha a estrela cadente!
Que perigo!
Se cair aqui já era a gente!