sexta-feira, 25 de maio de 2012

Lady Stardust (texto inspirado na obra de David Bowie)

Lady Stardust levantava da cadeira. Sons de escuridão e cantos de mijo enchiam o salão. Um homem encostado num poste de luz negra acendia um cigarro de um jeito cool. Sirenes e buzinas adentravam o beco que não ficava na rua. A menina, brincava com suas unhas enquamto recitava um poema andrógeno ao fel. O rock fingia ser música aos seus ouvidos, e o guitarrista babava de encanto natural. O homem tragava o cigarro, e sua fumaça alcançava estrelas no teto. Luzes e pessoas caiam como cometas, enquanto um policial fingia ser gente, e rabiscava palavras nos ouvidos de um ser mitológico. O velho da limpeza arrumava a sua vassoura, de cerdas azuis, que brilhavam, e os sinos tocavam na cabeça de David. Aranhas fantásticas trajavam luto, e vasos condutores se espalhavam pelo chão. O mármore da parede negra pegava fogo, e ninguém sabia quando o espetáculo ia explodir. A massa se apertava em frente à banda de rock que despejava piche no público. Lady Stardust pensava e olhava suas linhas pretas, ainda contidas nas unhas de suas mãos. Ela imaginava o que fazer. O Homem ainda, apoiado num canto resplandecente e escuso do salão apagava o que havia restado de seu cigarro nas costas de um alecrim dourado. O chão começava a pegar fogo, e todos iam morrer. As labaredas imaculadas se camuflavam por entre a multidão. O palco não aguentaria muito tempo, mas  a banda começava a tocar uma balada quente. Uma balada triste, e negra, que despejava pó de desejos em cima das pessoas, e mal se enxergava a fumaça em que se vestia. Mas David sabia para quem era a música. Apenas não falava. O som de sua boca não ultrapassaria a seu supercílio raspado e dormente. Sua timidez era inerente. Seu cabelo vermelho de sangue. Tudo que era seu podia ser usado, subtraído e traído ao extremo. E tudo que precisava era de apenas um passo. O velho começou a varrer o fogo que se alastrava pelo beco  enfurnado do Hotel. Seus cabelos completamente branco-roxos pela luz negra eram repartidos por uma puta atemporal, e de seus olhos emergiam cataratas de um vasto rio. O Homem já apagara o cigarro e se direcionava, a passos bem precisos, na direção de Lady Stardust. Ela sentada, tinha uma mão no queixo e a outra no céu, e de sua boca saiam sonhos, e de seu olho esquerdo apenas uma lágrima contida. Medo, pesadelo, insônia, fogo carregava as ondas romanas, o frio emergia de cima, e a música era tão alta que nem se ouvia mais. O Homem chegou bem perto, esticou a mão em sua direção. Ele ia pegá-la, ele ia enfim tirá-la de sua maleta mágica. Mas nesse momento David deu um passo. Levantou do estúdio, seu violão empunhado como deve ser a majestade inglesa. Dois olhos diferentes fecharam as portas das sensações. A música havia sido composta. A obra fantasmagórica plenamente lançada aos astros. Lady Stardust havia sido salva. Ziggy era seu homem.


2 comentários:

  1. Chorei (daquele jeito que você sabe, só eu choro com coisas suas).
    Belo, cortante, dolorido e sublime (e ainda assim, profano).

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  2. Ótimo texto! Salve inspirações vindo de Bowie!

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