quinta-feira, 12 de abril de 2012

Além de Nós

Noel Rosa caminhava pelas vielas ainda existentes da Lapa antiga. Caminhava e pensava em música, em textos, e nas letras que iria embelezar grandes melodias de seu amigo Vadico. Caminhava em solo rochoso, farto de cultura, gerado bilhões de anos atrás por seres que nem respiravam oxigênio. Seres mitocondriais, que dominavam o planeta, ainda dominam, e que bilhões de anos depois deram forma e inteligência superior a um Noel Rosa. 

Mais fundo ainda, se formos prescrutar o âmago da Terra, Noel andava em cima de uma imensa camada de magma rochoso incandescente e líquido, sem o qual os pés do poeta não andariam para lugar nenhum. 

Indo ainda mais fundo, Noel, provavelmente nem sabia que no meio deste magma - rastro de estrela - passeava ele por uma bola imensa composta de ferro fundido, e tão quente, que sem este seu ambiente de trabalho não geraria o calor das sua músicas.

Se quisermos ir mais além ainda, nos afastaremos de nosso mundo, e em um momento rápido, Noel seria apenas um ponto numa bola azul. Sua música não ultrapassaria a atmosfera, não reverberaria entre cometas, e totalmente adormecida, não chegaria nem ao fantástico som "ommmmm" do universo em expannsão.




Neste determinado momento uma criança se encontra escovando os dentinhos frente a um espelho redondo de uma casa na Barra da Tijuca. Ela nunca ouviu falar de Noel,  mas deve ter ouvido no toca discos do pai alguma coisa linda, sem saber que existia. Esta coisa linda um dia chamará, ou não, sua atenção, mas no momento ela está escovando os dentes, com sono, pensando na prova de matemática, sem pensar que pode estar estudando a ciência do universo. Seus olhos fixos no espelho liberam um sorriso de noite bem dormida, e nem passa pela sua cabecinha que bem embaixo desta noite bem dormida existia um rojão de milhões de graus centígrados, pertencentes a um planeta azul matemático e químico.

Indo além, chegamos a um cinturão de asteroides que colidem, ou seguem em marcha seguindo à gravidade de alguma coisa. E o CaetanoVeloso, que toca no rádio do carro que leva o moleque para a escola, nunca deve ter se dado conta de que não flutua ao leu, como gostariam os baianos. Eles não flutuam, apesar de sua música. Não é ele que transgride, e sim a gravidade bem colocada por Einstein, que nos faz deslizar ao encontro de matéria alienígena.



Esse é um pensamento que eu, desde criança tenho. Construímos uma sociedade "sapiens" em cima de uma bola (???)! Andamos sem perceber que nossa linha nunca é reta. E eu, menino, quando minha mãe me levava à praia de Copacabana, pensava conseguir ver a África ao longe, se realmente forçasse a vista e compenetrasse meus olhinhos ingênuos.

Somos os próprios alienígenas, acostumados com nossa feiura. Tem vezes que me encaro no espelho, e apenas foco nas minhas pupilas, e sinto de repente um mal estar, algo como se não fosse eu. Consigo , em um momento, apreciar, ou melhor, perceber o alienígena que sou. O ser que seria completamente diferente a qualquer outra manifestação de vida vinda de qualquer outro lugar, ou mesmo residente aqui - um cavalo, por exemplo.

Não sei o que nos evoluiu em algum momento pertencente à noite dos tempos, onde o macaco em um segundo , em um pensamento virou humano. Acho que este pensamento que nos evoluiu pode ter sido algo tão prosaico, tão simples, que talvez tenha sido um cortar de unhas pra poder se sentir a ponta dos dedos de forma mais gostosa. Ou quem sabe um tropeção num galho o fez usar havaianas. Não importa. Ou melhor, é tudo que importa!

Sempre me foi estranho a sensação de que Noel Rosa pudesse andar pelo Boulevard 28 de Setembro sem nunca pertencer realmente a ele, e sim a um universo escondido, misterioso, que o tornava alienígena de sí próprio, e simples poesia sempiterna.



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