terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Poema de Álbum

Da velha foto de família                                        
Num álbum velho encontrada
Numa página, por anos e anos
Totalmente esquecida
Os descaminhos e desenganos
De uma família amarelecida
Quantas lágrimas vertidas?
Águas tênues entre tapetes
Peças persas feitas cortinas
Penduradas no tempo destes
Que outrora me olhariam
Como filho pródigo e protegido
Dotado de seus restos de vida
A família foi represada
Suas margens proibidas
Por povos autoritários
Por olhos que chicoteavam
Seus olhos metralhados
Por mãos psicopatas
Pelo meio veio a guerra
A era dos seres coitados
Depois da hora dita certa
Mortos foram todos fuzilados
Assim como conto com referência
Por serem judeus infestados
Minha família pereceu nos muros
Ou nas covas dos enjeitados
Seus dedos de ouro
Foram todos decepados
Seus semblantes brancos e todos
Com o lodo misturados
Não há pior destino
Que a frieza da cova
Antes que surja a morte
Pagar o valor da cota
Eram brancos de neve
Ou de pavor ou de guerra
Eram brancos de humanos que eram
Como os "pródigos" pardieiros
Seus iguais da terra
Apenas sobrou meu bisavô
De olhos azuis e alma também
Que por ter lutado lutas inglórias
Sem ser escolhido por si
Mas por qualquer outro alguém
Fugiu depois de dez anos
Ter empunhado uma carabina vermelha
À terra dos mares além
À cidade das sereias
Rio de Janeiro, grato e brasileiro
Onde as luzes não eram bombardeiros
Mas sim batuques e candeias
Cidade de lua amarela que não cai na cabeça
Apenas traça uma reta
Num mar de maré cheia
Essa é a história correta
De minha doce família
Nem um pouco incerta nas dores
História de  amores e guerras
Navios e carabinas e símbolos vermelhos
História não escolhida, apenas aceita
Pelos que nascem com correntes no destino
Sorte dos que têm o direito
De traçar suas metas
E de preencher os seus álbuns cheios

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Desígnios de Uma Mente Urbana

Eu sou um beduíno do deserto da cidade. Um beduíno que anda de táxi. Atravesso o deserto da cidade. Ligo para um taxista amigo meu e lá vamos nós. Membros de uma cavalaria secreta, seguimos em nossa legião estrangeira. Passamos pela poeira das imaginações que povoam a mente caricata de estranhos animais urbanos.

Já dizia um amigo meu, americano por sinal: "It's a zoo, Alan, it's a zoo." Concordo, e apenas um olhar americano poderia, em sua linguagem fenomenalmente prática definir com tanto "bull's eyes" o que realmente existe nessa urbe desenfreada. 



Mas com tudo isso, não passa de um deserto, nos cascos do taxi de meu amigo taxista. E sempre alerta seguimos, baionetas empunhadas à frente. Sempre a espera do inevitável. Sempre pronta para adentrar algum universo humano que tente, de alguma forma, nos impedir.

Muitas vezes pensei: impedir de quê? Pergunta eficiente, de resposta inexistente. Não sei responder, e também não me atrevo a jogar tal dúvida na mente de outro membro da legião. Teria vergonha, depois de anos de busca, não ter a mínima idéia do que busco. Sinto-me um enviado à sibéria de meus país, aos enredos de meus antepassados, aos Atacamas de minha geração, à pressão alta dos desertos de areia de um Marrocos inventado.

Um dia um outro amigo me deu um presente emocionante. Areia engarrafada do deserto do Saara, da parte do Marrocos. Guardei aquilo por anos, como ouro em pó. Mas era só areia. Não qualquer areia. Traços indefiníveis de um mundo extremamente pisado por camelos e seres marcianos orientais. Rastros de, quem sabe, alguma origem minha, devassada pelo tempo. Aquela areia era a areia mais antiga do mundo, era o próprio Tempo.

Depois sumiu. Não sei mais onde está. Agradeço a esse amigo espanhol, porém acredito que certas coisas sempre dão um jeito de voltar à sua terra natal. E disso não sabemos como. Penso nisso enquanto rodo pelas estradas do nada, como num conto do Tcheckov, onde um prisioneiro segue, escoltado por dois soldados, por uma trilha sem fim, em meio a uma bruma mitológica. E conversam, conversam e ele pede a liberdade. Mas para quê a liberdade se tudo o que lhe resta é esse caminho que dará no nada, e uma bruma que não te deixa ver?, responde por fim um dos soldados. E assim, cabeças baixas, eles seguem. O conto é, resumindo, algo assim.

De repente o táxi desaparece, e nada mais há. Apenas meus sapatos e meus pés, que me guiam por ruas desertas de almas, cobertas por marcianos, membros de um zoológico mitológico, que imagino eu, deve ter ultrapassado nossa atmosfera e se criado. Sou um deles. Devo ser. Pois quem seria eu pior que os outros? Meus passos me levam, e nos confins da minha mente imagino flores e amigos, cavernas e futuros, invernos ásperos, e a primavera mágica de Vivaldi.


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Absintho

Acabou o carnaval. Então para comemorar abri uma garrafa de Absintho. Não essas merdas de anís, falsificadas pra enganar trouxas. Absintho mesmo, de verdade, da planta do Absintho, que uma amiga minha belga e beberrona convicta me explicou anos atrás. Sonita... ah Sonita!  Um jeito de marrenta e mais doce que licor,  mais ácida que Visna.

Um dia ela me apresentou uma cachaça de pêra. Fiquei com medo de beber. Não é a toa que esses europeus criaram e destruíram civilizações. Só um sujeito bêbado pisa no seu próprio pé com tamanha indignidade e aristocracia.

Pois então. Para comemorar o carnaval eis-me nadando em mares de Absintho psicológico. Onde o líquido nem tem mais importância. Seu ouro delicado já se transformou em chumbo há muito tempo. Ao contrário do que os alquimistas (que estão chegando, segundo J. Bem) desejavam.

Eis me aqui sentado num canto do quarto. Luzes azuis, finjo que sou o líder esganiçado de alguma banda de rock and roll básico. Sinto que multidões me seguem, e que como, uma vez por dia, groupies que nem sabem mais quem são de tanta asneira que falam.

E de repente abro a porta do meu estorvo social (sou agradecido por ele), e saio ao Sol. Sem nunca pregar os olhos castanhos que já devem estar verde-avermelhados, me dirijo ao primeiro quiosque que vou encontrar na praia de copacabana.

Sigo pela minha velha rua, Constante Ramos, berço de minha genialidade pagã, e segredado que fui, penso nas mudanças que sofreu esta rua tão outrora linda. Ruas são como rios. E de acordo com algum filosofo muito perspicaz, que esqueci o nome, são como rios, ou seja, nunca são as mesmas, estão em eterna mutação.

Ai, minha ruazinha amada... Nem o portão do meu antigo prédio se manteve, nem a fachada de mármore creme sobreviveu à ação de um síndico besta. Também, aquele prédio sempre teve síndicos bestas.... O Tempo é um síndico besta. Duvído que alguma vez eles tenham se afundado em absintho. Minha vizinha sim, se afundou em tudo. Como as bóias são importante, né?

E aqui sigo eu, trocando passos pós-carnaval. Pois acho que a melhor bebedeira é a pós-bebedeira. E suddenly o líquido mágico começa a realmente surtir efeito. Sinto isso quando vou atravessar a rua e vejo que um caminhão passa por cima de mim fora do sinal e eu não morro.

Não era um caminhão, era um pombo,  desses bem sujos, que se alimentam de mijo das ruas. Ele gruda na minha cabeça e de repente começo a voar, e tenho a sensação de que mil luzes me afetam, mas é só o Sol que queima minha pele faiscante e europeia.

Quando aterriso não vejo o chão. Tudo é de vidro, e resolvo descer por uma das escadinhas que leva ao banheiro praiano. Descubro que pra mijar preciso desembolsar quase 2 reais. Fico deprimido e faço xixi na senhora que me cobra. Mas na verdade não era mijo o que fiz, era cerveja.  Ela toca um alarme, e de repente somos inundados por uma imensa tsunami amarela. E eu, digo: "Oba! Mais absintho de gratis!" Encho a garrafa já vazia. Tomo todo e a alucinação fica pior ainda.

Ando quilômetros até a urca, a fim de suar e me livrar da toxina. Me deparo com a estátua de Chopin em plena praia vermelha. Me pergunto: "What the hell is Chopin doing in Brasil as a statue???" Or whatever he could be!!!" Ele me responde: "Estragaram minha vida. Olha onde fui parar, eu o REI do absintho, na terra da pior cerveja do mundo, e o pior é que nem deu pra comer umas índias, já haviam dizimado todas...."

Me deu uma garrada bem gelada do ouro francês, o qual viramos de uma vez, e assim nos tornamos melhores amigos e parceiros musicais. Fizemos uma música impossível de se lembrar tamanha o contexto sonhador em que ela foi concebida.

Lembro que deitava nas areias sujas da praia vermelha quando uma mulher simplesmente abocanhou meu queixo e mordeu com tanta força que eu ainda pensei que fosse carnaval. Embora nesse carnaval eu só havia sido abocanhado pela chatice, perguntei seu nome e ela disse de pronto: " Sou o que você não tem porque não vê." Entendi então nessa charada que a chatice era eu.

Neste momento passarinhos me levaram para copacabana e me deixaram num beco escuro, apesar do dia, onde uma lâmpada azul vagabunda, de filamento, me incitava a tocar uma música antiga. E eu a toquei, e chorei minhas mágoas de arlequim. E senti que meus dedos eram vinte e dois, e por isso eu tocava melhor. Dizem que o diabo tem onze dedos. Eu tinha 22 - ganhei!

Quando acordei estava na estação da central, vendando pirulito pra classe operária. Logo eu que vinha de algo um pouco melhor que isso. Acho que minha função real é mesmo a de vender pirulitos, ou goiabada, ou qualquer coisa que cure o álcool alucinógeno do absintho.

A vida é assim.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Carnaval

Penso o carnaval como meu pai contava quando eu era criança. Um carnaval de bafo do onça, um carnaval apocalíptico de glórias e majestades momas. Um carnaval com menos estrelas de TV e menos camarotes televisivos. É um carnaval de orgias e tempestades de chuvas de verão. Onde pessoas escorregam nas outras, e almas escorrem em almas. Imagino aquele imenso bloco servindo, cultuando a música como se Deus fosse feito de som. E ao longe, vejo a guerra chegando, atravessando a cidade, a rua, com o oxigênio convertido em confetes, e serpentinas sendo desperdiçadas como bombas de amores vãos, e bebidas sendo atiradas para cima numa ode bacanal. E antigas marchinhas sendo cantadas como hinos nacionais. E arlequins a beijar as mãos de donzelas mentirosamente virgens, que os aceitam em troca de seus corações despedaçados de papel crepom. E no fim da rua, as marchas seguindo, deliciosamente tocando sentimentos de cristal e papel, e policiais e lixeiros confraternizando com bandidos redimidos uma vez por ano. Vejo pianistas nas janelas, e prédios inteiros se transbordarem em tiras de papel branco, a iluminar o caminho por onde o samba precisa tropeçar sem nunca cair ou atravessar. Vejo mulatas de bundas  refletindo a multidão. Sem câmeras de televisão italianas a provar que o Brasil é um país-bordel, embora seja. E a música é boa! A música é a rainha de tudo, o incentivo à rebeldia, nunca à idiotice geral. E dentro do meu devaneio enxergo a cidade por trás de uma bruma alucinante, onde mendigos usam fraques e putas usam vestidos de noiva, e bolas de futebol são balões cuspidos pelas multidões, e que mesmo sem espaço algum, é possível entrar e ser roubado por algum batedor de carteiras vestido de listras amarelas e pandeiro na mão. E no meio desta geringonça caótica e ordenadamente desgovernada,  inventada pela normalidade social, em busca de lança-perfume, resta numa sarjeta um arlequim que chora o coração de uma colombina. E sem ganhar a atenção de ninguém, a tristeza passa apontando dedos para cima, alternadamente, seguindo a cadência sincopada da síncope musical de uma marcha-rancho deslumbrante composta por algum grande músico, que vai morrer na miséria apesar de sua fortuna. E de repente toda cidade se derrete num rabisco humano, coberta de folia e invenção, ela vira pó de circo, e colorida pela mágica ébria, se desnorteia até encontrar um fim nas retas paralelas do paraíso, e nunca numa apoteose inventada. Pois como já dizia Galileu: "Não existe apoteose no samba, pois o carnaval tem que passar...passar...e passar.


( Imagem pertencente ao blog: luradaquimera.blogspot.com )

domingo, 19 de fevereiro de 2012

F......Ode ao Carnaval

Não vou escrever nada neste carnaval. Simplesmente porque as pessoas não estão nem aí para literatura durante esses dias felizes. Apenas me vem uma coisa no pensamento. Se o ser humano precisa de um dia para desabafar é porque algo não está bem, no geral. Afinal, todos sabem que a origem do carnaval se mistura com a evolução da Igreja Católica Apostólica Romana, que impôs ao mundo quase 2000 anos de privações. Nossas privações continuam?


Eu não fui a bloco algum. Mas houve época em que eu ia. Foi uma época em que eu me sentia sozinho demais. Não que eu ainda não me sinta às vezes. O fato é que hoje eu não estou sozinho como antes. Houve uma época em que eu não tinha nem pra quem dar "oi" direito. Aí eu ia para os blocos, quando chegava o carnaval, na esperança de que algo acontecesse, ou talvez conhecesse alguém interessante, ou me sentisse em contato com o calor humano, que me faltava socialmente.


Fato é, que quanto mais eu ia mais me sentia sozinho. Estamos todos sozinhos quando no meio da turba. A "massa" é inevitavelmente solitária. Por isso Budha sentou-se embaixo da árvore e respirou aliviado à sua solidão escolhida e aceita por ele mesmo. Estivesse ele no meio do sambódromo, ouvindo algum samba enredo idiota, estaria sozinho.

Como dizia Nelson Rodrigues: O óbvio é ululante, e a unanimidade é burra. Por isso, eu, no meio de um milhão de pessoas sambando sem nem saber o porquê. Ouvindo uma música que para todos não representaria nada mais do que o culto a uma alegria dormente, "lexotânica", "rivotrílica", frontalesca", só me sentiria mais só ainda.

Já dei minhas trepadas de carnaval. Já saí do bloco direto pro motel, sim senhor. Já fiz sexo vazio com alguma panaca que escolheu este dia pra liberar geral pro primeiro imbecil que aparecesse. Já beijei na boca, até em outros carnavais. Por exemplo: já beijei na boca uma menina que estava ao lado do seu namorado, que observou tudo sem fazer restrições. Isso aconteceu em New Orleans, onde o carnaval é o mesmo que o daqui , porém bem pior, pois nem música tem. E olhem que o beijo foi de língua, e muito bem dado por sinal.

E daí?  O que ganhei com isso? A realização de uma fantasia remotamente proibida, em tempos quase imemoriais sub-ensinados em escolas pudicas? Épocas de inquisição, onde portugueses saíam pelas ruas tacando substâncias tóxicas e mijo nas pessoas para se divertir? Para afrontarem a liberdade a qual lhes era impedida, proibida por papas já fantasiados de palhaços?

O que eu sei é que o espírito da alegria é lindo, e não faço aqui uma ode à tristeza, de forma alguma. Mas também não sinto prazer em seguir uma turba idiotizada, camuflada, que acha graça em mijar na rua e foder na esquina. Eu fodo quando quero e de preferência em algum lugar que não rescenda a cocô. Acho que o mundo de hoje deveria se sentir livre pra fazer o seu carnaval em qualquer época do ano. Não existe mais o sentido deste carnaval existir. Tanto é que, se pensar bem, ele nem existe. É uma mentira. É um clone dos carnavais passados. De épocas românticas, onde a hipocrisia segurava a decência das pessoas. Épocas muitas vezes narradas pelo meu pai, que viveu esse carnaval de arlequins e pastoras, de Amélias e donzelas virgens. Carnavais de confete e serpentina, onde cheirar lança-perfume era o máximo da contravenção normática aceita pela sociedade nesses dias.

Hoje cheira-se cocaína diariamente nos banheiros dos bares da cidade. Mija-se em público, onde bem se quiser, de dia, em bairros da zona sul, sem o menor pudor. Fode-se á luz do sol em praias cheias de turistas. Hoje estamos todos fantasiados em sites de internet. Trocamos nosso nomes, metemos máscaras no focinho pra encher o saco de pessoas, ou pra conseguir o pouco do afeto que ainda nos resta em sonhos de carnavais mentais, particulares, pertencentes a mente de cada um de nós.

Acho até bonitinho as pessoas se reunindo, se fantasiando, e até dispensando beijos e abraços furtivos de desconhecidos, em prol de circular pior aí em companhia de amigos também fantasiados de foliões. Falsos foliões esses são! Porque carnaval,. pelo que eu sei é putaria mesmo. Carnaval tem como símbolo inerente à sua festa beijar e foder no beco, com um desconhecido qualquer vestido de pirata. Era uma festa pagã, onde as pessoas se libertavam das prisões que as mantinham escondidas, e se rebelavam em liberdade autorizada por um curto espaço de tempo.

Mas hoje, ironicamente, o próprio carnaval se encontra fantasiado de palhaço, visto que tudo é permitido, tudo é possível. Portanto a festa da libertação acabou se transformando na festa da hipocrisia, onde as mulheres normalmente indecentes não beijam "porque só querem se fantasiar e se divertir com os amigos".

E dá vontade até de rir. Um povo que pára de trabalhar por uma semana, pra celebrar a alegria que possuem e não sabem que já lhes pertence. E eu aqui esperando um documento de trabalho que não sai porque a repartição pública tira férias todo ano. Como se fôssemos um país tão rico onde trabalhar pudesse ser facultativo.

Vão me achar um chato com esse texto. Mas é que eu to chato mesmo. Nesse carnaval me fantasiei de "incorreto". Vocês é que estão certos. Pisem bastante em mijo por mim, como se já não pisassem todo dia.
E sendo incorreto assim, quem na verdade está no clima do carnaval sou eu! (risos)

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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Bem Vindo ao Mundo

O ser Humano é o pior ser que existe.

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Eu estava assistindo a um programa na televisão sobre como são processados e industrializados os ingredientes utilizados na culinária chinesa nos EUA. Não deve ser muito diferente na China, nem no Brasil ou em qualquer lugar. Com certeza variam apenas as quantidades.

Um dos elementos era o pato. O pato é o ingrediente principal de um famoso prato chamado Pato de Pequim. Todo mundo sabe que este é um dos pratos mais importantes da culinária chinesa, então por aí pode-se imaginar que o que vou relatar deve equivaler a um terço do que acontece na China - próximo império a dominar o mundo.



O programa não começa com o pato. Começa mostrando como funciona a indústria do molho de soja, do famoso "rolinho primavera", etc. E quando chega no pato é que o sujeito fica chocado.

Numa imensa "fábrica"; um imenso galpão existe e se encontra entulhado de milhares de patos, machos e fêmeas. Os machos são chamados de "marrecos", e as fêmeas de "patas" mesmo. Os patos são animais dóceis e lindos. Grandes, parecem cisnes. Ao contrário do que se imagina, não são "embebidos" em hormônios, ou qualquer droga. Vivem perambulando pelo confinamento dentro de um imenso galpão, onde ciscam, se relacionam, procriam, etc. (Embora o grosso da procriação seja de forma artificial). 

Quando as patas botam seus ovos, o Homem vai lá e os rouba, e os leva para outra parte da empresa. Desse modo as patas são sempre enganadas e sendo assim, não encontrando seus ovos, são levadas a crer que têm que procriar mais. Assim se dá a super-procriação, onde o processo apenas termina com a morte da pata. Essas patas e marrecos confinados são utilizados apenas para reprodução, e não no prato, e passam a vida toda confinados em algum lugar.

Os ovos são levados para uma sala onde ficam numa temperatura amena, quase fria, esperando o momento de ir para uma outra sala a fim de, aí sim, serem chocados no calor. Enfim são chocados em chocadeiras elétricas, estufas, com temperatura controlada, sem a presença de qualquer Pata/Mãe. Nessas estufas centenas de patinhos nascem e a primeira imagem que veem do mundo é uma luz fria de fábrica de linha de produção, e uma caixa onde centenas deles debatem filosoficamente o seu espaço.

Passam a ser alimentados, numa outra sala, apenas com proteínas, para que gerem massa muscular, e à partir de certa idade (que vem rapidamente), passam a ser alimentados com gordura e carboidratos, para que fiquem "fofinhos e suculentos". 

Quando na idade certa para o abate, aí de acordo com a técnica culinária chinesa, são mortos. Cortam-se as cabeças, as patas e adjacências dos patos, e pasmem: são enfiados numa espécie de cera depiladora, onde seus pelos e pele são devidamente removidos por definitivo. Seus órgãos internos são mantidos dentro do corpo durante o processo.

Após essa imersão, depois da cera ser retirada, cada pato é estocado e vendido para os milhões de restaurantes chineses existentes nos EUA. Mais do que Mac Donald's e Burger Kings (foi a TV que disse isso.).




Como se prepara o Pato de Pequim:

Retira-se os órgãos internos do pato, e tempera-se o ser, internamente, com ingredientes chineses que não vem ao caso. Enfia-se um tubo no pescoço do pato morto, bombeia-se ar até que ele infle como um balão. E cozinha-se o bicho inflado. Pronto.

Agora penso eu... Tudo bem. É apenas uma receita. Comer é preciso, viver não é preciso...ok. Mas confesso que a quantidade, o processamento industrial de um ser, simplesmente pela motivação gastronômica de ser comer bem, ou mal, me assusta. E me mostra que indubitavelmente existe mais gente do que devia neste pequeno planeta, mesmo. 

Consumir um animal para subsistência não é crime. Mas passa a ser quando esses animais deixam de simplesmente existir para si mesmos, e passam a existir para matar a gula, ou fome, de milhões de seres humanos enlouquecidos. A padronização da morte em quantidade, faz parte da natureza psicopata do Homem. Que é capaz  de "cultivar" e mutilar centenas de milhares de animais para se abastecer, sem que haja nesse processo nada de "humano", de ética pelo mais fraco.

E o pior: todos participamos disso de alguma forma, porque somos (passamos a ser) muitos, demais! Precisamos comer, não temos tempo para comer, não temos dinheiro para comer melhor, muitas vezes. E nesse momento de reflexão eu entendo que o pior momento da História foi quando um inglês conseguiu fazer uma máquina funcionar movida apenas a vapor.




A revolução industrial foi a semente que tornou este mundo altamente tecnológico, caótico, e psicopata. Gerou uma necessidade que até então não existia: a da quantidade, a da super-qualidade, o perfeccionismo nazista aplicado ao consumo. E transformou um ser que fabricava suas roupas, e matava seu patinho no laguinho, e fazia sua comidinha no seu fogãozinho normal, num ser psicopata capaz de entrar num supermercado e consumir filas de frangos que não vivem, apenas morrem.

As escolas são, nada mais, nada menos do que, a padronização forçada de cérebros ingênuos, que ao se prepararem para a "vida", estão se preparando para destruir, através do consumo desenfreado e psicopata, um mundo que deveria e poderia ser belo, não fossem as indústrias que matam e inflam nossas almas com idiotices. Somos tratados, enfim, como patos, por nós mesmos.

Não sou comunista. Odeio comunismo. Sou capitalista porque acredito no valor das coisas e na força de trabalho, livre, e pacífica. Mas o que acontece no mundo hoje em dia, para mim, ainda nem possui nome. Vivemos um "ismo" que nem sabemos ainda qual é. Só sabemos que resultará em crises hediondas, onde patos e seres humanos serão devorados por parte da sociedade que pode devorar. A sociedade do super-capitalismo louco, sem limites, desenfreado. Da China, que constrói e destrói coisas belas, como uma imensa São Paulo sem fim, que dará certo, pois sempre deu. Ao contrário, eles são competentes.

Voltando à revolução industrial. A ramificação desse padrão gerado no século XIX é o responsável pelas inovações de nossa era contemporânea. Enfim, um gadget, um celular, uma TV de plasma, estão diretamente ligados ao super consumo das massas, ricas e pobres, que engolem o Planeta Natural como se fosse oxigênio (que é realmente necessário em alta escala).

Fico aqui pensando nos satélites, nas naves que estão sendo ainda projetadas, para que um dia possamos descobrir que não estamos sozinhos no espaço, no Universo. E fico pensando na matança desenfreada de nosso planeta, em todos os níveis, simplesmente porque se faz importante que uma multidão de gulosos comam seus Patos de Pequim e carreguem seus zilhões de IPhones nas tomadas. E tudo isso, no final alimenta uma necessidade louca de conseguir ter a certeza de que não estamos sós no Universo.

Conhecem aquele ditado que diz: "Você planta milho; você colhe milho."? Pois é. Eu espero não estar mais aqui quando alguns "marcianos" resolverem descer nesse nosso planeta e, quem sabe, acharem que os testículos do Homem dariam uma iguaria fantástica aos seus refinados paladares . 


sábado, 11 de fevereiro de 2012

Olhos Abertos

A madrugada é mágica. É por isso que eu acordo mais à noite. Reclamam de mim. Me chamam de vagabundo, de "desfusado", de "artista". Quando na verdade sou apenas uma estrela. Pequenina no fim do céu. Minha luz nem chegou aos seus olhos ainda. E quando chegar pode ser que naquele momento você olhe para baixo, como a procurar... e não me veja.

Quando eu era menino, eu adorava pistolas laser. Não que elas existissem. Mas existiam nos filmes, e eu amava as cores brilhantes, azuis, verdes, vermelhas... e imaginava que talvez, se alguma civilização mais avançada apontasse e atirasse para o céu, quem sabe não atiraria em nossa direção. Então eu prestava atenção no microlésimo de segundo que o raio do laser atingiria  a Terra. E assim eu teria a certeza de que algo estranho e certo havia acontecido. Eu seria, talvez, o único a ver o tiro aplacar o chão, perfurá-lo, e deixar uma marca alienígena no que é nosso. 

Foi por essas e outras que tantas vezes repeti em matemática, física, química... E sempre me chamavam de vagabundo, notívago, errado, um menino "desfusado" e com problemas. Aí me mandaram fazer um teste de Q.I pra ter certeza de que eu não era um débil mental e se foderam todos. Mas não vou tirar onda aqui, fodam-se.

Se você me perguntar o que é um copo, vou dizer que é um buraco. Se você me perguntar o que é comida, vou dizer que é remédio. Se você me perguntar o que é uma boate, vou dizer que é um lugar onde macacos pulam por não ter o que fazer em casa. Enxergo o Homem como uma dança do acasalamento. Um mosquito é um labirinto, e uma pedra é parte de um ser intransponível aos meus olhos. 

Passei minha vida em quimeras, e demorei a entender que eram quimeras porque eu ligava muito para o que os outros diziam, e eles ainda dizem que eu durmo tarde, que eu sou um morcego, que não estou sincronizado. Fazer o quê se minhas inspirações muitas vezes vêm quando vou deitar?

Hoje entendo a necessidade do mundo, e das pessoas da minha idade. Sei que não importa o passado. E aceito o meu erro, que foi ter mandado todo mundo à merda apenas pela metade. Sinto que não tenho mais tempo pra pajelanças nem babaquices. Espero que minha vida seja melhor que este texto introspectivo.

Mas sou um cara consciente. Sinto que adentramos um mundo viciado e viciante. Tenho a leve impressão de que a liberdade humana está sendo cerceada de forma sutil. Sinto uma pressão enorme quando penso em celulares, gadgets, cameras digitais espalhadas pela cidade, satélites filmando nossos piolhos, e um monte de baboseiras indumentárias para almas vazias. 

Às vezes tenho vontade de fugir para o campo, para bem longe. Para um lugar onde o mundo de hoje em dia não me alcance. Às vezes sinto saudades dos meus amores, ao mesmo tempo em que sou perseguido por falsos personagens em quadrinhos. 

Acho que Deus está de férias. Mas se por acaso ele estiver me ouvindo, peço que proteja os que me fazem bem. Que proteja este mundo de merda. Que proteja minha avó tão torturada, e meu avô tão mundano. Que vá com calma no apocalipse, seja lá qual for. Porque, por mais errado que eu tenha sido, eu apenas quis ser como aquela estrela que brilha fundo, anos luz de qualquer lugar. Solitária e vermelha, num canto da noite, possuo a madrugada nos meus olhos abertos.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Sabedoria

Houve uma época em minha vida em que tentei plantar flores. Minha mãe dizia: "Não é fácil assim, menino. Tem que saber...tem que saber..." Eu resmungava e retrucava dizendo que na natureza tudo dava. E na minha ingenuidade bastava revolver a terra e jogar sementes. Mas ela estava certa. Comprei saquinhos de várias qualidades, inúmeras flores. Não me liguei em suas características individuais. Se gostavam de frio, se gostavam de pouca água, ou muita, de sol, de vento, de sombra, etc. Achava que com carinho qualquer flor nasceria. Mas minha mãe estava certa. De nada adiantava eu reclamar e até diminuir a sua sapiência. Ela sabia que flores não brotam à toa. Pelo menos pelas mãos do homem.




Eu cheguei até a plantar umas sementes de macieira nuns copinhos de plástico. E ao ver que algo verdinho havia brotado corri feliz da vida, achando que havia conseguido o primeiro sinal fundamental de uma imensa árvore. Pois sim! Minha mãe riu de mim, e disse que possivelmente não era uma macieira, o que havia brotado, e sim uma erva qualquer, de alguma semente já contida naquela terra, comprada e adubada, e vendida num supermercado. Eu, de novo, retruquei, pois é claro que na minha esperança aquilo era uma macieira. Pois digo: nem trevo aquilo era.

Hoje lembro de uma música da Joni Mitchell, que também é sábia como mães. "Clouds". Música de melodia triste e perfeita. Instrumento bonito, madeira velha que não tem mais, bem tocado, de afinação aberta que torna tudo etéreo como deve ser. Nesta música, cercada de anjos, existem flores regadas e plantadas, e que por alguma razão do desconhecido não brotaram. A música fala disso, de amores vãos, de amizades crescidas e esquecidas nos confrontos da lida. Fala de experiência, e de aprendizado, que só o tempo-movimento pode nos trazer. Não há escola que substitua uma mãe. Não há esperança que saiba mais que a idade. A experiência é a verdadeira "Clair de Lune". E essa música é a "Clair de Lune" do estilo folk, de uma época onde se sentava num mustang e se atirava do penhasco da vida, sorrindo.

Hoje a vida nos atira em mustangs que não existem mais. Nos promete que rosas podem crescer à toa, e que "Clouds", ou que "Clair de Lune", podem ser compostas no vácuo. Lá em sua caminha, minha mãe resplandece em seus sonhos de circos e mágicos, e quando acorda, com certeza luta contra si mesma. Todo santo dia de labuta. Eu aqui, daqui a pouco vou sonhar com luas e nuvens, e vou esperar que em meus dias flores brotem da ciência da natureza. Porque tudo que brota à toa pelas mãos do Homem, com certeza, não deve valer à pena.

E vou cantar os cisnes, e vou ouvir os tiros de canhões de alguma grande sinfonia erudita, e vou me sentir célula de algo. Pois é preciso se sentir parte de si mesmo. É preciso saber entender as cores das bromélias, e o perfume dos jasmins, das rosas, dos laranjais. É preciso entender que não nos pertencem. Nós é que pertencemos a eles. Neste universo tão florido de astros e movimento há em algum lugar a explicação da aguinha que vai alimentar o raminho de bambu.

Vou dormir pensando que a Joni me ouve sem ouvir, que Debussy ainda existirá, que a felicidade é um acorde de dó maior em tríade, e que vou acordar no meio de um redemoinho literário de Edgar Allen Poe. Mas que no momento derradeiro vou pular. Vou pular tão alto, e que as nuvens serão de fibra de vidro. E que quando eu cair, vestido num paraquedas de guarda-chuva, minha mãe há de me dizer de novo: "Calma, menino. Não é assim..."

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Conjuntos

Quando eu era pequeno me ensinaram sobre conjuntos na aula de matemática da escola. Conjuntos, geralmente representados de forma circular, com suas intercessões; seus círculos A e B's que possuíam uma parte comum C, e etc. Conjuntos mais complexos com A, B, C, D, E, F's e aí vai. Eu lembro bem disso. Eramos chamados ao quadro negro para identificar e pintar de giz possíveis áreas comuns A e Bs, por exemplo. Conjuntos...círculos com nomes de letras............nunca me serviram para nada.

Penso que talvez, se a escola ensinasse sua teoria dos conjuntos mais aplicada à vida futura, algumas criancinhas indefesas e ingênuas teriam, talvez algum efeito menos letárgico.. No entanto perdeu-se tempo. Como perdi meu tempo durante anos, pois que a matemática sem aplicação prática não passa de uma estátua grega. E a teoria dos conjuntos é tão idiota, que poderia bem ser ensinada em cinco minutos numa aula de faculdade, para quem realmente decidisse se tornar um engenheiro, por exemplo.

Fato é que a própria mediocridade das escolas as transformam em uma "zona de conforto". Ensinando à maioria dos alunos que basta aprender algo inútil para um futuro incerto. Existe uma maneira mais avançada  de entender o significado aplicado de um conjunto. Por exemplo na figura abaixo:



Pois tudo no mundo se resume a conjuntos. Desde seu círculo social, até o bairro onde você mora, seu país em relação ao mundo, que também é um conjunto dentro de um universo "U", por exemplo. Quando você briga com sua mãe, suas opiniões e divergências são conjuntos. Quando você bota a mão no bolso e acha zero dinheiro, e no outro encontra cem vinténs, tá aí um conjunto formado. Quando você é chifrado, nesta situação existe um conjunto. Quando você entra num taxi, quando você toca uma borboleta, quando uma abelha te pica, quando você pinta a parede de verde e a cadeira de azul. Cadeiras e paredes pertencentes a uma sala são representações de conjuntos. A vida e a morte são partes de um conjunto que pode ser chamado de conjunto "E", de existência.



Bichas, negros, brancos, homens, mulheres, homens-bichas, mulheres-sapatões, homens filhos-da-puta, homens legais, punks, sambistas, trabalhadores rurais, especuladores do mercado financeiro, a sociedade é nada mais que um conjunto que possui uma aplicação. Não é aleatório. Existe uma psiqué dentro desta matemática, que age em prol de algo complexo. No entanto nas escolas me ensinaram que o conjunto A em intercessão com o conjunto B forma o conjunto C. Grande merda...não me serviu para nada.

Porque será que nas escolas não ensinam que neste mundo complexo a coisa é bem mais simples e detentora apenas de dois círculos (conjuntos) - o da "Zona de Conforto" e o da "Vida".


domingo, 5 de fevereiro de 2012

Hortelã

Compraram um vasinho de hortelã. Sob o Sol representa as chuvas. Chuvas do verão de outro lugar. Outro lugar mais frio, cujo ar rarefeito venta levantando polens e dólmens. Não parece verde de limão. Parece verde de bosquezinhos europeus. O vento refresca a paisagem. O aroma é sutil como uma poesia de criança.

Como uma folhinha por dia. Não sei porquê. Acredito que meus males vão passar. Acredito que as vitaminas vão refrescar minhas células, e interagir com meus outros alimentos causando alguma fórmula mágica esquecida, num tempo inerte passado - às fórmulas mágicas de druidas bretões. Sei lá.

Sinto que à plantinha não dói a dor da folhinha arrancada. Talvez seja um engano. Mas acho que ela sorri pra mim cada vez que a toco. E que seu verde fica mais enigmático. E que canta pra mim o som do universo. Planta misteriosa ela. Esconde nos seus bilhões de anos a verdadeira fórmula do chiclete.