segunda-feira, 27 de junho de 2011

Trenzinho

O trenzinho parte. Vai para lugar nenhum. Em estações surrealistas, o trenzinho pára, Vai levando cada um. Pessoas vão entrando pouco a pouco. São poucas em cada estação. Entra um de cada vez, e vão enchendo o vagão. E assim ele vai seguindo, sem ultrapassar cada parada. Vai se enchendo com faces nulas, brancas e sem expressões. Nada interage com nada. Não há conversas, não há bate-papos. O trenzinho segue sua viagem ao desconhecido de cada um. Respeitando os sinais ao longo dos avisos; outros trens pelo seu caminho passarão. As mesmas figuras impessoais são quase pessoas. Não se sabe se são almas, ou se são carcaças, ou se são os dois. O trenzinho vai seguindo, e vai levando consigo as dores do caminho. As pedras que atrapalham os trilhos, os calores que dilatam os trilhos, não chegam no interior. O trenzinho é frio, repleto de falta de nada. A pior angústia é não sentí-la. O pior medo é o vazio. O trem agora anda cheio. Cheio de buracos. Que conceito engraçado, estar do nada apinhado. O trenzinho chega ao meio do caminho. Vai desaguando pessoas aguadas. Vai a cada estação se liberando do peso, dos que não pesam nada. Não existem palavras. Não existem olhares. Não existem jornais lidos. Porque não há bocas, não há olhos, não há mãos que segurem. E assim ele segue, como assim segue o mundo. E vai desaguando almas ou carcaças, cada um numa estação indenominada. Vai seguindo o trenzinho, pelos trilhos sozinhos, abre a sua porta automática e descarrega a solidão. Vai como o mundo. indiferente e igual. Onde todos tem cara lavada, branca e sem expressão. Pára o trenzinho na última estação. Vazio como a imensidão. Como se nada houvesse viajado. Como se não houvesse se passado. Retorna à sua função.

terça-feira, 21 de junho de 2011

A Execução

Meu nome é Z. Sou um matador. Não sou um pistoleiro. Não mato por reles 300 reais, não estou no "sindicato" das favelas, nem sigo a tabela de preços. Eu cobro por importância. O sujeito é o preço. Não tenho esconderijo. Sou mais amanteigado que a CIA e a Scotland Yard juntas. Ninguém me pega, quem pega sou eu.

Um escritor doidão, não me lembro bem seu nome, Castanheda ou algo assim, escreveu uma vez, num livro para maconheiros, que a morte está sempre a um braço de distância. Neste caso um corredor minúsculo de um hotelzinho sujo, um pardieiro cheio de meretrizes e bebedos, me ajudou muito.

O corredor não tinha mais do que meio metro de largura, o que significava que a morte estava onde mais gosta de estar. A vítima só poderia fugir correndo para trás ou para a frente. Para trás havia um mictório, para a frente havia a mim. Portanto não haveria escapatória.

Usei uma arma forte, porém leve. Calibre grosso mas com silenciador. Pra quê acordar as putas, não é? Porém tenho certeza de que todo mundo acordou, mas ninguém teve a coragem de abrir porta alguma. O pardieiro pareceu uma igreja, com seu piso de mármore falsificado em quadrados pretos e brancos, e o cheiro de vaselina e mijo no ar.



Depois do trabalho bem feito desci às escadas de granito de cozinha vagabunda calmamente: sabia que ninguém poderia me pegar. Não há policial, não há justiça, nem mão que consiga me tocar. Eu sou feito da lama que escorre, eu sou como um vento de mudança, eu sou o Tempo.

O porteiro me olhou de soslaio e continuou a ler seu gibi de merda. Sentado dentro de uma cabine protegida por vidros à prova de bala, e de cultura. Dava apenas para ouvir o seu maravilhoso funk de morro tocando no rádio de pilha. Cagou pra mim, e eu pra ele. Saí sorrindo.



Parei num boteco que há do outro lado da esquina desta rua localizada no triste bairro do flamengo. Bairro de merda que ainda conserva um toque aristocrático há muito perdido no odor das famílias que perambulam pelas farmácias, comprando desodorantes pros seus sovacos tristes. Ninguém mais pensa em nada nesse mundo, a não ser não feder mal. Houve uma época em que as pessoas fediam mais, ou tinham o mesmo cheiro, e era uma época mais rica culturalmente, mas isso acabou.

Botei a arma no coldre e pedi uma bebida de guaraná falsificado. Não bebo álcool. O álcool faz mal pro corpo. Eu me preocupo com minha saúde. Porém prefiro as falsificações. São elas que me sustentam. Meus serviços são sempre voltados a dizimar o legítimo. Paguei e saí. Não gosto que me olhem muito. Não posso dar mole se não as coisas mudam. Preciso estar sempre em suspenção, preciso ser a sombra que sou, apenas entro nos lugares, executo meu serviço e pronto. Assim ninguém percebe e fica tudo parecendo que está na mesma.



Hoje me dei bem. Há tempos estou à caça deste indivíduo. É um dos últimos da raça, e estava tentando comer a filha do Patrão. Representava uma ameaça séria ao sistema. Tava quase chegando lá. Ia se dar bem, ia acabar ressuscitando os grandes bordéis de antigamente, ia acabar trazendo o "clima" de novo à tona. Isso não pode acontecer. O Patrão sabe bem o que faz, e me paga bem. Existem outros que eu ainda preciso apagar, mas isso é com calma. Não posso ser pego. Ninguém há de perceber o conceito do complô.


No caminho me lembrei de ter esquecido meu isqueiro suíço no bar do Hotel de merda. Voltei. Eu uso luvas, mas uma pista é sempre uma pista, mesmo sem as digitais. Quando cheguei lá o porteiro, me reconhecendo, me olhou com cara de nojo, como se eu fosse um incompetente. Que porra é essa? Não gosto que me olhem assim. Sou o único que pode executar o serviço até o fim. Esquecer um isqueiro é natural, caralho!

Subi até o corredor do terceiro andar onde a vítima estava. Pasmem! A vítima não estava mais lá, e não havia indícios de polícia, nem de bebedos nem de urubus, portanto pensei: que porra é essa?

Todas as portas continuavam fechadas, com seus bebedos fodendo ou sendo fodidos, sei lá. Mas percebi perto do mictório uma porta semi-aberta. Uma puta saiu rebolando lá de dentro e me deu uma olhada cor de verde. Entrei....

Não acreditei no que vi. O "presunto" se encontrava sentado na cama e fumava um cigarro. E ria. Olhou pra mim de um jeito grato e disse: "Não adianta, otário. Você nunca vai acabar com a arte. A arte é eterna e impossível de ser apagada. Pode me encher de buracos que eu não morro. Mas senta aí, vem ouvir um violão, que esse calor me deu até vontade de fumar. E olha que eu nem fumo, hein!"





                                                        


domingo, 19 de junho de 2011

Coito Apartamental

"Eu não me incomodo de DIVIDIR o lado do SEU armário com você, amor." Essa frase pode parecer pueril, normalíssima. Mas no fundo é o cúmulo do assédio sexual. Significa uma invasão maior do que a do dia D. Só que em terras de Alan.

Ainda por cima, enquanto escrevo este texto, já me mandou calar a boca umas três vezes, sei lá o porquê, nem falei nada, to escrevendo, ora bolas! Durante o progresso mental, preciso me inspirar, veio me perguntar sobre qual saínha devia pendurar no armário DELA. Interrompeu meu fluxo mental mais uma vez. Pedi enlouquecidamente que me deixasse escrever ao que recebi como resposta: "Claro, desculpe, não vou mais interromper o gênio trabalhando." Disse isso com o maior amor. Juro. Mas continua derrubando coisas no armário DELA, e murmurando pensamentos abstratos completamente femininos sobre lingeries, ou similares.

A mulher é um ser insidioso no bom sentido. Mulheres são felinas, homens são símios. Enquanto nos masturbamos em cima do armário, elas vão pendurando cabides que surgem do vácuo do nada. Quando você vai ver está possuído. Tudo seu passa a ser delas. "Isso aqui é um porta-sapatos..." Ela acabou de dizer. E enquanto escrevo será que eu devo pensar: "que legal, que novidade ou que honra isso ser um porta-sapatos?".

É assim que as pessoas vão se entrelaçando. O processo do acasalamento humano não é sexual, é "apartamental". A invasão é toda delas. Elas vão se embrenhando, se enfiando, e quando você vê está vivendo um coito comportamental, sendo literalmente comido por trás, por elas. São elas que comandam, de fininho, se chegando e assumindo, se amalgamando à sua massa encefácilca, ocupando pedaços por pedaços da sua alma, tudo aos poucos sem você perceber. De forma inteligente e eficiente. Comem pelas bordas.

Tudo o que o símio quer é trepar. Tudo o que o felino quer é ronronar e ir se esfregando em você até que sua pele grude, te tome, te conquiste.

A diferença é que o felino não precisa do dono, ele se vira sozinho. A mulher não. A mulher passa a existência planejando como vai enfiar cabides em algum símio.

Em tempo: a felina acabou de achar uma peça de roupa íntima feminina, desconhecida dela, que estava no OUTRO armário... onde ela definitivamente não deveria estar mexendo, até porque ela estava invadindo o armário contíguo.  Pois então...enlouqueceu. Pegou a peça íntima que eu ganhei de uma mulher há pelo menos uns 7 anos, e só estava guardada por que homens são símios e os símios nunca esquecem, ou pelo menos gostam de recordações, e triturou a peça se utilizando de uma caneta Bic muito da pontuda. Fazendo isso em minha direção, com cara de marciana de mau-humor numa súbita TPM fora de época, me deixando com medo de que eu seria a próxima peça de roupa a ser furada e rasgada até o fim.

Exponho neste post o que restou da calcinha da coitadinha da menina que não teve culpa de nada. Óbviamente mantive em sigilo o nome da menina.



Fiz minha namorada jurar que não me mataria, nem se mataria, nem faria qualquer mal à minha caneta Bic favorita e etc. No momento a invasão do dia D continua. Definiu ordem para as minhas gavetas de camisas, definiu uma para ela e uma para as sujas (símios geralmente jogam no chão e depois lavam). Continua murmurando uma mistura ininteligível de imprecações e amenidades que conjugam nada.

Conclusão: ...arrumou meu quarto todo (para "relaxar", disse...) e ela nem está se mudando!

PS- Está implorado pra que eu escreva no texto que eu a amo!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Soneto de Humanidade

Se sou a pedra que o limo cobre
Posso ser a onda que avança à areia
Se sou a lava que do vulcão escorre
Posso ser o inseto que se prende à teia

Posso ser pássaro e não ter asas
Posso ser o que sou sem mesmo ser
Ser de fogo e não ter brasas
Ser de todos sem os conter

O princípio após o fim
A vontade dos laranjais
O firmamento a se desfazer...

Sei que vão falar de mim
Que posso tudo e nada mais
De ser humano e não sofrer

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ensaio sobre a velhice


Não há nada que o Homem tenha inventado a não ser o plástico. Por isso eu vou tocar uma punheta. Deus sabe o que é punheta. Punheta é a coisa mais natural que existe. Foi Deus que inventou a punheta.

Agora...

Porque, Deus! Eu vos pergunto... porque, meu Deus?! Possuir vida e depois morrer?
Qual o mistério, qual a ligação, qual a relação, que minhas rugas não conseguiram ainda desvendar...?

Será a vida um descuido da morte? Ou será a morte a grande ilusão da vida? Serão amigas? Serão primas que se odeiam? Será uma a mãe da outra, ou serão as duas a mesma coisa? Dependendo do grau de Lexotan que se toma podem ser cobra e rabo, dente e gengiva, precipício e sorte...

Será a vida o primórdio e a morte a mixórdia? Qual das duas será o caos real? Porque toda vida é caótica; a morte nunca. Será que vivemos para morrer ou morremos para viver? Será a morte uma palavra feia mesmo? Em inglês "morto" soa bem parecido com "papai": "dead", "dad"... Só os povos frios conseguem aproximar tanto sons tão antagônicos. Será que esses povos "frios" e ricos morrem mesmo?

O maior símbolo da morte é o sangue, e nunca a cruz. Sangue que é símbolo de vida. Pelo menos, para quem precisa desesperadamente dele. A morte é sempre pálida.

A morte é um ocaso, a vida é um caso. A vida sempre se esvai, a morte sempre vem. Fazer parte da vida é fazer parte de um clã. Será que a morte tem cabelos? Será que é uma oportunidade às avessas? "Cuidado, irmão! que a oportunidade é careca e tem um fio só de cabelo! Mas não mexa nesse fio, amigão!" Até que um dia um vento sopra e lá se vai o fio sabe-se lá para onde...

Em muitos países desenvolvidos o suicídio é coisa comum. Morte sempre foi coisa cult. Da literatura grandiosa até o tráfico de guerras só dá morte. Nem o sexo ganha dela. Fala-se mais de morte do que qualquer outra coisa. E se o dinheiro gira o mundo a morte é o que faz girar. Mas o grande lance é a vida. Porque é ela quem manda na morte e não o contrário. Se a morte é o grande descuido da vida, a vida tem, portanto, teoricamente a morte nas mãos. Na prática a pessoa pode morrer de qualquer coisa. Porém a morte inevitável, aquela que apesar de toda a sorte que o sujeito possa ter até os 120 anos, é a morte por desidratação. O corpo vai envelhecendo, envelhecendo... e morre da incapacidade de absorver água. As células ficam nubladas, perdem a reação, tornam-se claustrofóbicas, seus olhos de célula ficam fixos, imploram por um Pinel, por um funil! A elasticidade já não existe. Sangue não é vida, amigo, vida é água!



"Mas envelhecer pode ser bom, cara..." Vivemos num tempo em que existem vídeogames, e como a velhice é o derradeiro "retorno" à infância, até que nossos tempos são bem mais agradáveis para os velhos, que podem pelo menos fingir que são jovens virtualmente e explorar seus viagras em chats da internet com meninas de 15 aninhos que já sabem tudo de sexo e “funk”. E “funk” pra mim é morte.

Eu mesmo decidi que, casado ou não, quando atingir uns 90 anos, vou ser um velho hedonista, sexual e completamente mal-educado, exibindo minha linguinha cheia de estrias e sem gosto algum às menininhas novinhas do metrô. Claro que vou escolher as de 18, porque pedofilia já é outro “desvio de septo”. Mas vou ser capaz de levantar num metrô e botar a bengala pra fora, pintar o mundo de amarelo, fazer xixi nos portões do Palácio da Guanabara, cagar pro público sem medo de me borrar. Sem medo de ser preso. Sem medo de revolver ou cacetete. Vou abrir a boca quando me der na cabeça e a cabeça quando minha boca bem desejar. Vou poder me agarrar na Lua, e cuspir na pele pra pegar um Sol. Velhice seu nome é liberdade! Mas doerá minha coluna....?



Sei que esse texto deve estar incomodando muita gente. Peço perdão. Não era a minha intenção. A minha intenção é talvez dizer que perde-se muito tempo esperando chegar o momento em que nossa vergonha acaba. Então por que não acabar com ela agora? Porque não viver? Porque não viver em demasiado, tão loucamente que a morte nunca o alcance! Pois se não há como enganá-la, há como dar um belo pontapé. Seja com lexotan, seja com rivotril ou com maconha (se bem que essa fará seus neurônios perderem a corrida mais cedo...). Mas sim...VIVER! Viver com M maiúsculo!

Quando a Claudia Tonelli, minha namorada, e maior maquiadora e inventora de personagens que existe, me ofereceu ser sua "cobaia" ("modelo"? eca!) eu fiquei com medo. Medo de me ver velho. Medo de me ver numa situação de inferioridade pré-concebida. Medo de chegar antes de ir. Medo de ver o que talvez eu nunca serei se Deus se zangar comigo antes da hora. Medo da realidade, da perda inevitável de água, medo de me ver triste e velho e fodido. Medo de acabar sendo tempo-transportado contra a minha vontade antes da hora...

Mas durante o processo fui achando interessante. E com mais graça ainda, pois só me foi permitido constatar o resultado ao término do trabalho, e quando me vi com uns 90 anos senti o que eu realmente queria sentir. Senti que vou mesmo mostrar minha língua pras meninas bobocas do metrô, pras patricinhas do calçadão da barra, e que vou morrer feliz com uma super dose de viagra na veia.







(FOTOGRAFIA E CARACTERIZAÇÃO DE CLAUDIA TONELLI)

terça-feira, 14 de junho de 2011

Soneto de Sustentação

Virei pó sem saber
Virei o que nem vi
Virei e virei sem beber
Sou um acóolatra do ar

Me transformei em nuvem
Nada me prende, nada seguro
Me transformei em alguém
Estou salvo de voar

Minha vida é um engarrafamento
Buzinas chamam minha atenção
Quando não há sofrimento

Blocos de pedra em meu caminho
Meus pés fincados pelo chão
Ainda andam em trilhas de passsarinho

Piada

Vida de merda. Quando as coisas parecem boas acontece um terremoto. Quando damos um passo uma placa tectônica se solta. A vida vale o viver, porém viver é tão difícil... Lidamos com problemas pequenos e bizarros do dia a dia. Amores mal compreendidos, ignorância, egocentrismos. O ser humano aprende a andar pra poder pisar no outro. Salva-se o próximo para que ele te engula.

O mundo vai mesmo acabar. Não tenho dúvidas. É o que queremos. Dia após dia nosso trabalho é em prol de um mundo pior.

Desculpem o tom escuro dessas minhas últimas postagens. Mas meu dia foi difícil. Prometo que tentarei contar uma piada da próxima vez.

O outro

O que é o outro? O outro é um incomodo. Um estorvo às nossas vidas individualistas. Nós só sentimos compaixão pelas feridas às quais nos identificamos. Para isso precisamos da própria ferida. É a única maneira de sentir o que o outro sente, e desta forma conseguir estabelecer um laço com o outro.

Isso que acabei de escrever não é novidade. Não é invenção minha, nem filosofia original. Os compêndios de psicanálise são cheios disso, embora eu não os leia. No momento não consigo me relacionar com esses livros - outros.

O engraçado é que nos países mais desenvolvidos, de povos extremamente individualistas, existe uma preocupação maior com o bem estar do próximo. Mas sem me iludir. Essa atitude serve basicamente para que se mantenha, ou se construa uma sociedade forte. Onde a voz do povo não é a voz de Deus, e sim do governo, que se não obedece sempre, se encolhe de medo.

Aqui no Brasil, um país conhecido por sua gentileza, seu bom humor saudável, sua abertura carinhosa, seus braços abertos de flamenguista, a coisa é bem diferente.

Aqui o povo sofre mais junto, mas unido em favelas violentas e fétidas, porém se pudesse se matar se matariam juntos tambem - uns aos outros.

O senso de comunidade é hipócrita e falso. As pessoas se odeiam de uma maneira portuguesa, quase que remetendo a Eça de Queiroz e seus livros.

O brasileiro não é um forte. O brasileiro é um grosso.

Hoje fiquei chocado com um adolescente que vi crescer. Menino de família muito muito humilde, que de repente adoeceu sem saber o porquê e o como. Especula-se uma leucemia, uma AIDS até... Mas uma coisa está bem certa: morrerá em dois dias caso nada seja feito.

O menino obviamente não tem dinheiro para os exames que são caros. Sua mãe é mãe solteira e desamparada e ignorante analfabeta - humilde e pobre. Plano de saúde nem pensar. Foi repelido de uma fila do SUS depois de horas de espera em jejum. Porquê? Alegaram que para ser atendido teria que marcar uma consulta por telefone. O telefone vive congestionado. E aí, merda de Brasil???

Restam as pessoas que se prestam a ajudar. Algumas sem a menor obrigação, mas com muita compaixão. Pois o que move o homem é a sua necessidade e o seu medo, seja do futuro ou do passado. Seus resquícios têm que doer para que ele olhe para o lado e veja alguém. E veja amor. Pois até o amor é feito de tecidos remendados.

Fôssemos robôs seríamos mais justos e humanos até. Sendo humanos, somos mais robôs.

(Agradeço sempre àqueles que conservaram meus fusíveis, trocaram meus parafusos e me azeitaram os olhos de metal.)

sábado, 11 de junho de 2011

Soneto de Perdão

Às vezes as palavras me calam
Às vezes o que se sente é indizível
Às vezes labirintos por mim falam
E às vezes me perco no invisível

Me conduza pelos bons desvios
Me salve, ó Deus por prados
Menos condizentes com meus desvarios
Mais floridos e repletos de menos brados
                                            
Sei que existe um campo livre de treva
E que o inverno tarda mas não me guarda
Quando do verão a flor enleva

Num amor que nunca neva                                           
Pelos labirintos finalmente a amada
Pega em minhas mãos e me leva


                                            

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Calor e Frio

Todo dia frio me faz pensar no que é pior: o frio ou o calor. Sensações antagônicas que remetem a sensações tão diferentes, porém às vezes tão parecidas. Ao tocar uma superfície qualquer muitas vezes sinto sem saber o frio ou o calor. Quantas vezes tive a impressão de me queimar quando na verdade eu ardia numa superfície gelada? E o susto é exatamente o mesmo não importando a sensação. Só após um microlésimo de segundo eu podia me dar conta da real sensação que me atingia.
Tão diferentes, o fogo e o gelo exercem o parecido na pele. O contato com o fogo arde e queima a superfície. Mas o contato com o gelo também pode queimar e arder. Pode? não! Queima e arde. São ardências diferentes, com resultados outros, porém, reais. O fogo rouba o líquido que existe em nós. Nos desidrata de forma imediata, inflinge uma reação quimica. O gelo não. Porém tudo dentro de uma geladeira, ou principalmente um freezer também desidrata. Existe até uma técnica chamada liofilização que consiste na desidratação de tecidos utilizando uma temperatura abaixo de 40 graus celsius. No final das contas o ser queimado morre tanto quanto o gelado.

Quer dizer...claro que não! Pois há quem se congele pensando em durar para sempre, ou pelo menos mais uns 200 anos, se é que isso pode se chamar "durar" no sentido vital da coisa. Mas definitivamente não viramos "carvão" quando congelamos, nem ficamos "verdes" quando queimados. Há algo existente no efeito desses dois elementos (água e fogo) que são tão contraditórios que me faz muitas vezes pensar que a importância mística deles não reside neles (os elementos), mas sim na sensação e efeito que eles provocam. O elemento em sí não passa de um quadro, de uma obra de arte, morta, incapaz de derreter ou esquentar algo.

Há também uma diferença engraçada entre o calor e o frio. Para o frio existe o zero absoluto, situação onde a temperatura chegaria a 273,15 graus celsius negativos, e que configuraria a falta de energia total num corpo. Já, com relação ao calor, não há limites para a quantidade de energia que um sol pode ter, consequentemente sua temperatura máxima é o inconcebível.

No entanto o fogo é inexplorável, enquanto o gelo pode-se ir além. O fogo que nos queima e machuca e nos faz construír corpos de bombeiros é inexpugnável e vital. O frio é sinônimo de letargia, de frigidez, de chatice. Morrer com gelo é virar estátua, morrer com fogo é se espalhar pelos ventos. No entanto, em nossa vida cotidiana, o que é preferível, o calor ou o frio? Polêmica questão, com certeza. Um europeu prefere a praia do Rio, nós daqui fugimos para Teresópolis quando podemos (quem pode, pode, aliás...). Mas uma coisa é certa, é mais fácil aturar o frio que o calor. Mas deve ser mais difícil aturar o fogo que o gelo. Não fosse assim os infiéis não teriam sido executados pela "santa" Inquisição em fogueiras, mas sim enfiados em sorvete. O que leva a crer que fogo é bem diferente de calor, e que gelo é bem diferente de frio.

Talvez por isso existam pessoas foguentas por fora e geladas por dentro. Ou mulheres frígidas na cama, e fantásticas no gerenciamento de empresas. Homens carismáticos e calientes ao mesmo tempo que enigmáticos e fugidios.

Será o amor quente ou frio? Será que a paz é quente ou fria? Será melhor a estátua "iceberguizada" de um Moysés de pedra esculpido por Michel Ângelo, ou o Vesúvio transformando pompéia em cinzas eternizadas pelos ventos italianos?

Um depende do outro. Muitas vezes um fósforo acende a droga que vai esfriar completamente os neurônios de um pobre coitado qualquer. E esse pobre coitado, por incapacidade de racionalizar, vai esquentar com beijos a boca de uma finlandeza que apesar de vir do quase Ártico vai foder com muito mais intensidade que uma mulata do Salgueiro, com todo o seu rebolado quente que ela possa ter, e esses dois vão dar orígem a um fílho híbrido que será moreno, terá os olhos pálidos e frios dos caçadores de ursos das estepes frias, porém vai vender maconha na esquina do inferninho mais quente de copacabana, onde um policial se corrompe da forma mais fria para poder pagar o gás que sua família vai usar pra fritar a moela de um bicho que morreu pelas mãos frias de um açougueiro que minutos antes amolou a faca esquentando-a num pedaço de mármore frio da calçada do bairro de Bangú, que é tão quente que foi colonizado primeiramente por índios e depois por inglêses frios de doer.

Enquanto escrevo essas linhas sofismadas e enfadonhas existe em algum lugar um rei à espera de uma raínha, e uma raínha à espera de um rei. Talvez se chover amanhã eles se encontrem numa esquina, sob uma marquise, o rei sozinho, sem seu séquito, fugindo da chuva vai tropeçar no sapatinho molhado da raínha e se espetar no seu guarda chuva rosa. Talvez se fizer Sol, a praia de Ipanema os distraia tanto que  os dois se percam no meio da multidão suada.

Existe um livro que trata os calores e as friezas dos afetos humanos. E esse livro é espetacular, e uma vez eu escrevi uma música sobre o tema do livro, mas faz tempo e se perdeu nas gavetas frias do meu quarto quente. Eu apenas sei uma coisa: que meu amor vai além dessas duas sensações tão puerís. E que deve, com certeza existir tantas outras sensações similares, porém apenas conhecidas por Deus. E que nos afligiriam e nos inebriariam e nos queimariam não a pele, mas a aura, e que talvez a queimadura fosse benéfica, sei lá. Digo isso porque no fundo do meu ser sei que existe mais que fogo e gelo, e que meu amor pode ser frio e quente, mas é amor verdadeiro, e todo amor verdadeiro é um fruto do desconhecido. É talvez a única sensação impossível de indentificar apenas colocando a mão. O amor é a reunião dos sentimentos. É o calor e o frio se envolvendo numa eterna disputa, num eterno engalfinhamento de pernas, de células, de mentes e fornos e congeladores, chá e Coca-Cola. Neste ponto não existe calor nem frio. Existe apenas o microlésimo de segundo que se passa até que se perceba que existe amor na ponta de nossos dedos.


quarta-feira, 8 de junho de 2011

Insônia

A insônia é uma falange. A Insônia é um cabo de guerra. É você contra você. E nenhum dos dois vence, e não há trégua. Já dizia o I Ching "São dois no ringue, você e você."

Na caminha, o meu amor desliza. Sob sonhos murmurados. Apenas inteligíveis aos pássaros, e aos que possuem tal filtro d'alma.
A vida prossegue estagnada. Enquanto há insônia não há nada. Se você é artista não há música que baste, se você é ator, não há procênio armado, se você é Modigliani falta a tinta, e os ovos para sua composição.

A insônia é a alma vazia. Mas o que é o vazio? É um elevador parado, cheio de pensamentos, a luz se foi faz tempo, e a vela se dirige ao dia. As portas hão de abrir de manhã. E é como se uma manada estivesse pronta, em energia estática, pronta para passar-lhe por cima. Amassar-lhe os ossos e sussurar em seus ouvidos: Sônia... Sônia... A deusa da insônia lhe chama e lhe ri gargalhadas.

A insônia é quando Deus nos avisa. Você não é você, querido. Você é o que lhe resta. O seu inconsciente é o que manda. Sua razão é 1%. Você não lhe pertence, assim como seu sono.

E na caminha a menina floresce. Cansada, paga o preço do dia que passou. Sorte dela. Espero sonhe comigo. Enquanto eu, acordado, sonho com ela.



segunda-feira, 6 de junho de 2011

Poeminha Noctâmbulo

Gosto dela
A minha flor amarela
Que é vermelha
Nem sempre é o que se espera
Mas é sempre o que eu quero
Segue-se a estrada
Que nos leva a lugar nenhum
Mas sempre chegamos ao final
E nos damos conta
De que não há estrada alguma
E o fim é bom
Mesmo quando é ruim
Pode ser duro como ínox
Mas é feito de algodão
O que temos nas mãos
Não é um passarinho
Nem são dois
O que temos nas mãos
É sempre o que queremos
E apenas o que nos pertence
É o que nunca podemos perder
Jamais
E para sempre
Amém

(PS: Um homem alcança a Lua quando a vê.)


sexta-feira, 3 de junho de 2011

A Raposa e as Uvas (Adaptada)

Uma raposa passeava pelo campo, distraída, quando de repente avistou ao longe uma imensa árvore sobre a qual se apoiava uma grande Parreira. A Parreira parecia possuir muitas uvas. A raposa então se apressou em direção à Parreira e ao chegar bem perto pôde ver que as uvas eram excelente, suculentas, e maravilhosamente negras.

Acontece que as uvas se encontravam bem no alto, numa altura bem díficil de ser alcançada. Mesmo assim a raposa tomou impulso, pulou, mas não conseguiu nem chegar sua patinha perto das frutas. Tentou mais umas três vezes, e sempre sem sucesso. Já babando de desejo de devorar calmamente aquelas suculentas uvas negras, a raposa se afastou o bastante para uma boa carreira, correu o mais rápido que pode, e usou o seu mais poderoso impulso possível. Mesmo assim, para a sua infelicidade, suas patinhas não chegaram nem a meio metro da Parreira.

As uvas eram tão gostosas, mas tão gostosas, que parecia que seus gomos iam explodir de sumo. E a raposa, coitada, babava tanto, que já nem parecia que a baba provinha da vontade de se alimentar de algo delicioso, mas sim da impossibilidade que tal Parreira lhe infligia. A raposa então, com olhar de resignação, deu de costas e seguiu o seu caminho.

E vocês devem estar se perguntando neste exato momento: - Ué, ela não vai dizer a famosa frase: "Fodam-se essas uvas! Estão verdes mesmo...!"

Pois não é que a raposa nem disse nada! Voltou pra casa, pegou uma serra elétrica, cortou a árvore e papou todas as maravilhosas uvas, negras e suculentas, até não se agüentar mais de saciedade. Depois do feito, disse a raposa: - Até que poderíam estar mais docinhas...

Moral da fabulinha: nenhuma. Acabou-se a moral.