segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Esperança

Existe alguma coisa de algodão nesse chumbo que eu não sei o que é. Algo de irrespirável que alivia, nuvens de cigarro por onde passam aviões pelo meu céu. Beleza de estátua, beleza querendo se movimentar e ao mesmo tempo presa na pedra de Carrara. Uma pessoa pintada de prateado em cima de um pedestal na Av. Nossa Senhora de Copacabana esperando que um vintém caia e um vento mais forte a derrube.

Existe em você a explosão das super-novas, e a inércia das nebulosas coloridas. A abdução pela própria vida prejudicial à a própria vida. O abuso de si mesmo disfarçado de beijo. O dedo em riste ao mesmo tempo apontando ao horizonte. A falta de noção da luz que reside na treva, e a inteligência dos beduínos que se cobrem de negro para acumular o calor do deserto.

A pinta que na verdade é maquiagem. A vida que na verdade maquia. Os desejos incontidos numa massa de modelar de criança que gruda no tapete e não sai mais. Existe em você uma cauda de elefante maior que a tromba, e uma árvore tão grande, mas tão grande, tão inatingível de alta, que vai além da estratosfera, escapando do oxigênio e sufocando a si própria.



Existe em você um campo de futebol vazio, com um estádio cheio, e os jogadores tentando destrancar a porta do vestiário que ficou presa num cadeado enferrujado. Existe em você um engarrafamento monstruoso e um guarda enlouquecido fumando maconha por detrás de um arbusto.

Há em você os mistérios do ser-humano. Há em você seres humanos misteriosos. Existe em você a vontade de seguir não se sabe pra onde. As catástrofes cobertas de flores. Os abismos cobertos de cores. Os sonhos tão fáceis de não serem atingidos. Há um caminho de labirinto, mas que na verdade é reto e sem fim. Há que se livrar da sua própria kriptonita histórica. Existe em você...

Há um mistério contido nos seus olhos de seda. O mistério dos bichos que tecem seda. Há uma esperança nas mãos. E, por fim, há uma desesperança latente que um dia há de te salvar.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Aletro e a Maldição de Zeus

Existia numa pequena cidade na costa do mar Jônico, na Grécia, um casal de camponeses que por se amarem da maior forma possível, e por tantos anos, um amor perfeito, provocaram assim a inveja de Zeus. Zeus então lançou sobre eles cada vez mais dificuldades que iam tornando suas vidas difíceis e colocando deste jeito, em prova, o seu amor. Porém a cada dificuldade, mais unido o casal se mantinha, e seu amor era cada vez mais sólido.



Um belo dia este casal teve um filho, fruto de seu amor intocável. A criança foi chamada de Aletro. Zeus, ao ficar sabendo da notícia, mandou um mensageiro ao casal, levando a eles um pergaminho com uma mensagem. "Por causa de seu amor incólume aos meus desejos, lançarei um desígnio ao seu filho, sendo o qual, ele não deverá procurar amor em lugar algum, ou em qualquer pessoa, nunca! Ao invés, o amor terá que procurá-lo, e nunca o contrário. E que se, por ventura, seu filho desrespeitar esta ordem será punido com a pior das lástimas provenientes do amor: nunca encontrá-lo."

Aletro cresceu e se tornou jovem e forte, porém seus pais sempre o preservaram de seu destino, pois tinham fé que com uma criação repleta de amor, e com sua beleza e juventude Aletro, facilmente não precisaria procurar amor. Este viria a ele facilmente. Porém Zeus vendo o crescimento saudável de Aletro, e com muita inveja de seus pais, fez com que Aletro encontrasse, em seu caminho, um cavalo dotado de poderes mágicos, chamado Solidão. Aletro se afeiçoou ao cavalo, que era negro, forte e lindo. E assumiu Solidão como um fiel amigo, que o levava para onde ele "achava" que queria ir.

Solidão e Aletro eram inseparáveis. E formavam a perfeição como dono e cavalo, e cada vez mais, um parte do outro, iam juntos a todos os lugares. Porém, sempre que Aletro tentava cavalgar para o Vale das Flores, onde o Sol brilhava e inundava os corações de amor e luzes de possibilidades, Solidão de alguma forma desviava o caminho e subia às Montanhas das Neves Fluorecentes, lugar inóspito, bem longe de tudo e de todos. 


Nestas montanhas nada havia de interessante, apenas neve confusa e adstringente aos olhos, e no cume a casinha pobre de um ancião, o velho Esperança. O velho passava os dias desenhando calendários para marcar mais dias, e cozinhando bolos de vento. E numa dessas viagens de Aletro às Montanhas das Neves Fluorecentes, Solidão deu de cara com a casa do velho, e sem saber quem ele era, deixou que Aletro fosse de encontro a ele.

Aletro, então, bateu à porta do velho, que o recebeu com café quente, e bolinhos de mel. E durante a conversa Aletro contou ao velho de sua vontade por cavalgar o Vale das Flores, e de sua impossibilidade de sempre seguir naquela direção, sem saber o porquê. O velho, que era uma espécie de mago alertou Aletro, mostrando a ele que, de fato, era o seu cavalo, Solidão, que sempre o levava para aquelas bandas inóspitas, de propósito. 



Aletro se encheu de indignação e tristeza, saiu da casa do velho pela porta dos fundos sem que Solidão o visse, e quando começava a seguir uma trilha que levava para longe daquele lugar deu de cara com uma flor. A única flor que incrivelmente resistia àquelas temperaturas gélidas. A famosa e raríssima Edelweiss. Aletro se apaixonou imediatamente por Edelweiss. Pois esta era uma flor especial, tão especial que era a única que conseguia sobreviver naquele ambiente e ainda assim ser a mais linda, a mais forte, a mais adaptável das flores de qualquer lugar. E que possuia uma cor linda, e uma presença contagiante. Aletro e Edelweiss se identificaram logo que se encontraram. E foi amor à primeira vista.

Aletro pegou Edelweiss em suas mãos com todo o carinho do mundo e voltou para a casa de Esperança que disse a ele: "Preste bem atenção, Aletro. Encontrou amor, mas isso não o livrará de seu cavalo..." Aletro não entendeu bem o que o sábio ancião dizia, agradeceu, se despediu e foi ao encontro de Solidão, esporeando-o e ordenando que saíssem logo dalí e voltassem para a casa de seus pais. Foi tanta a empolgação, que Aletro nem olhou para trás. Esperança apenas o mirava pela porta entreaberta, e com seus olhos azuis e sábios, o mirava, e pensava, pensava, pensava....



Aletro cavalgava Solidão com vontade. Desciam as montanhas com velocidade intensa, feliz por encontrar amor. E assim foram correndo e cavalgando as estepes frias até chegar no sopé quente, perto da região de sua casa. E durante o caminho à sua casa, seguiu Aletro, feliz da vida. Quando enfim chegou botou a sua mão no bolso para pegar Edelweiss, porém ela não estava mais lá. Aletro então olhou nos olhos de Solidão e sentiu-o rindo por dentro e quieto por fora. E foi aí que Aletro se deu conta das palavras do ancião e as entendeu. Edelweiss era a mais maravilhosa das flores, porém pertencia às montanhas nevadas e inóspitas. Ela não aguentara o calor das planícies. E olhando de novo para Solidão, entendeu porque o cavalo ainda estava ali, lindo, de pé, negro e brilhoso, fitando com seu olhar de grandes e certeiras pupilas. E Aletro teve certeza naquele momento de que o olhar de Solidão sugava todo os seus sonhos, e o reduzia a um niilismo desumano, e pior! Solidão ainda estava ali, de pé, maravilhoso e altivo, não havia desaparecido, assim como o ancião previra, ele, Aletro não se livrara do seu cavalo...



Aletro então saiu de lado, e pegou emprestado o cavalo branco de seu pai e que se chamava Temperança. Montou-o e saiu cavalgando Temperança, enquanto seu pai balbuciava as palavras vindas de Zeus, e  que Aletro não chegou a ouvir....

Aletro dirigiu-se ao Vale das Flores decidido a encontrar um amor. Sensível que era, forte e bonito, sabia que encontraria, porém, não sabia de sua maldição. E depois de dias, meses, e anos, Aletro voltou para casa coberto de flores, porém nenhuma era como Edelweiss. Aletro, então já não possuia a juventude de outrora, nem a flor que queria de verdade. Entrou em casa e ouviu de seu pai a estória da maldição de Zeus, e correu para o campo e gritou e imprecou a Zeus que aparecesse e duelasse com ele. Vendo que Zeus não apareceria e percebendo a sua insignificância, Aletro pegou a espada que empunhava e com o coração cheio de mágoa e tristeza ante à sua sina,  tentou se matar.

Zeus, então levantou de seu trono e parou Aletro com a seguinte frase. "Aletro, meu caro... Amor não se busca, se encontra." "Como não conseguiu da primeira vez e não teve paciência para esperar a segunda vez, lançarei outra maldição sobre sua cabeça humana: Não poderá nunca morrer de amor! Nem que queira ou que tente! Passará a eternidade a sofrer até que o amor o encontre, pois a faca nunca há de trespassar suas costelas pelas suas próprias mãos."

Naquele momento Aletro já havia se apunhalado diversas vezes sem que em nenhuma delas fosse causado qualquer tipo de ferimento ou dano. Não era imortal. Não havia se tornado imortal, apenas sua solidão, esta sim seria imortal enquanto ele, Aletro, procurasse o amor que existia fora de si mesmo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A Roleta Russa

Num prédio de uma rua qualquer, de um bairro sujo, havia um quarto de ângulos esquisitos e paredes sujas, iluminado apenas por uma lâmpada amarela, dependurada no teto por um fio torto e cinza.  Em alguns pontos, restos de papel de parede cor de rosa-chá brilhavam ante a luz amarela diabólica que caia sobre a fumaça nublada que entrava com o inverno de São Petersburgo. E numa prateleira cheia de livros, um corvo descansava numa gaiola. Do lado de fora não se via nada além da névoa impenetrável. Apenas um pequeno aquecedor ajudava a iluminar o quarto, com seu brilho vermelho de metal em brasas, e aquecia a borda da mesa redonda de madeira carcomida por cupins, onde três figuras sentavam atônitas: o jovem Tchecov, o velho Dostoievski, e o maduro Tolstoi.




Atônitos porque no meio da mesa redonda e carcomida apenas um objeto reinava ante as três importantes figuras: um revólver calibre 38. No revolver, que poderia conter no máximo seis balas, havia apenas uma bala. O revolver já havia passado, por três vezes seguidas, pelas mãos dos três, o que significava que cada um já havia iniciado uma rodada, e que a sorte ainda rondava o ambiente protegendo-os. Mas até quando? 

A cada rodada um começava. E agora era novamente a vez de Tchecov. Com o olhar infeliz, de quem sabe tudo, porém nada ainda tirou da vida, Tchecov aproximou vagarosamente as duas mãos tocando o revólver. Suas mãos tremiam e não era por causa do frio que entrava pela janela manchando o corvo de branco. Ante os olhares dos outros companheiros literatos, Tchecov empunhou a pesada arma como se ela pesasse uma tonelada, e com os olhos vidrados de cansaço e desesperança, apontou-a para a própria têmpora e sem pestanejar apertou o gatilho. Não houve tiro.




Um ar de alívio deixou suas narinas como se a bala tivesse enfim saído do cano. - Chega! Não aguento mais essa pressão toda. Se não conseguimos morrer, porquê continuamos tentando? - disse Tchecov. 

- Calma. Você ainda é jovem demais. Sua carreira, até então, nem deu os frutos que dará. nem o Monge Negro ainda acabou. Está com medo de perder a chance de se tornar o melhor contista russo? Calma, você não morrerá. Se algum de nós há de morrer, que seja o velho Dostoievski. A sorte é cega, porém justa. Tenha esperanças no gatilho, meu jovem Tchecov. - disse Tolstoi.
- Porquê me odeia tanto, Tolstoi? Tem raiva por não ter vivido as minhas experiências numa cela fria? Sente inveja por não ter tido a oportunidade de poder retratar em palavras tantos personagens amargos? Pois preste bem atenção, que eu já passei por isto antes e de forma bem pior. Medo de morrer não tenho, e meu vício sabe muito bem que não será de bala de revólver. - disse Dostoievski.
- Calemos a boca! Você não perde por esperar, meu caro Dostoievski, que agora será minha vez. Caberá ao destino querer Ana Karenina viva ou não! -  disse de forma arrogante, Tolstoi.




Este pegou a arma como se fosse um soldado. Com força nos braços. Seus músculos se retesaram mais que árvores pelo gelo que descia do céu, e rapidamente levando o cano do revolver ante à face, fez uma careta de louco de absinto, e enfiando o cano na boca apertou o gatilho antes que qualquer respiração soasse. Mais uma vez apenas ouviu-se o "tlec" morto da arma. Tirou o cano da boca com um sorriso, e a certeza de ter assassinado o grande Dostoievski.

Nenhuma palavra foi dita.

Dostoievski levantou, se ajudou da bengala que trazia encostada na cadeira, e andou como um ancião até um móvel de mármore tosco e enegrecido, que havia num dos ângulos irregulares do recinto. Pegou a garrafa de vodca que havia trazido, abriu-a e tomou um grande gole do gargalo. Não ofereceu aos demais. Abriu a gaveta do móvel e encheu sua mão com fichas de jogo. E disse: - Se der verde hei de viver; se der vermelha morrerei. Fechou-as numa mão e levou calmamente até Tchecov, e pediu que fechasse os olhos e tirasse uma ficha. Deu verde.

Tolstoi gargalhou até pigarrear encostando sua testa nos joelhos. Tchecov tremia absorto num suor proveniente do medo e do amor que sentia por Dostoievski, tanto quanto pela sua própria vida. Dostoievski, sem sorrir, se virou, caminhou irregularmente até seu lugar na mesa, e de pé tomou o revolver em suas envelhecidas e enrugadas mãos. Calmamente levantou o revolver, revelando uma força a qual os outros não acreditavam que ele, naquele momento,  ainda pudesse ter, e empunhou, e apontou o revólver para a própria testa. Horas pareceram se passar, mas foram apenas uns dois minutos de espera. Dentro dos quais ouviu-se a risada eufórica e louca de Tolstoi dizendo: - Pode apertar o gatilho, velho, a sua ficha é verde, você não há de morrer, sortudo!

Logo após a frase mal dita, o velho Dostoievski, com uma rapidez de criança retirou o revolver de sua própria face e naquele momento ouviu-se um estrondo de bala. Olharam para o lado, onde jazia sem se mexer e quase completamente embranquecido o corvo que congelava na janela. Apenas um filete de sangue escorria pela parede gelada.

Então disse Dostoievski: - Meu caro amigo Tolstoi, há que viver muito para aprender a sorte das fichas. Há que se viciar muito, ainda, para que consiga escrever uma estória sem palavras. Apenas os atos nos contam coisas, e preste bem atenção. Sou velho mas ainda não estou congelado como aquele corvo estava. 



sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Alma

Quando bebo uísque
Não sinto a ponta dos meus dedos
E isso é bom...
Acho que não sinto a ponta dos meus dedos
Porque talvez
Quando eu beba uísque
Não sinta a minha alma
E isso é bom...
Isso é bom...
Talvez porque a alma não seja leve
Como deveria ser
Talvez a alma pese
E nem por isso é algo ruim
Mas não é aquilo
Que pregam as religiões
E sim aquilo que você carrega
Todo dia consigo mesmo
E que ao mesmo tempo que te faz voar
Pesa



terça-feira, 8 de novembro de 2011

A República dos Jabutís

Meu nome é Girimum. Que significa abóbora, não a cor, mas o fruto, só que o fruto é abóbora, que também é cor, embora eu seja verde, pois não sou uma abóbora, sou um jabuti. É isso aí, mermão. Sou um jabuti carioca por opção, ou acaso, ou sorte, que é a mesma coisa. E adoro jujubas.

Na verdade vim da África, não posso me considerar afro-brasileiro, não por ser verde, o que não teria nada a ver com o termo. Mas porque não nasci aqui, sou imigrante, mesmo assim esse negócio de ser afro-alguma coisa é idéia de americano, coisa chata pra caramba.
O lance é que eu vim nadando mesmo, fui caindo em correntezas cabralezas, apareceu um tubarão, tive que desviar rota, segui por atalho, bati com a cabeça no Atol das Rocas, fui descendo, descendo, peguei carona num pinguim otário e sem querer, quando fui ver, estava em ipanema. Olha só como é o acaso, né? Mais um pouco tinha caído em São Paulo, no Guarujá. Com certeza ia ter mais emprego. 
Sorte é um negócio que ou o jabuti tem ou não tem, cara. É o acaso. Vem e vai como marés.

Mas quando eu "desembarquei" aqui, rapá!...a areia tava meio sujinha, mas as mulheres...! Cada gata escandalosa. E os homens mal-educados que só eles! Vi uma gata do bumbum passar pela orla à toa quando de repente dois ciclistas ultrapassaram já mandando beijinhos e elogiando: "parabéns!. Sabe... sempre achei essa coisa de elogio coisa de babaca broxa e viado. Homem que é Homem não elogia, Homem que é Homem fica na sua e faz por merecer. Só quem não tem talento tem que ficar adulando e correndo atrás. Bom, desculpem, essa foi a impressão que eu tive. Sou um jabuti carioca por opção. 

Amigo... Eu cheguei num domingo de sol, e pra conseguir chegar no calçadão foi um inferno. Gente pra cacete. Fiquei louco pra tomar uma água-de-coco, mas não alcançava o balcão, nem dinheiro eu tinha, não ia adiantar. Me contentei com umas sobras jogadas no chão. Que povo porco esse. Tá certo que na África não é muito melhor não, mas me disseram que havia acontecido a tal da colonização, bla-bla-bla... mas minha primeira impressão não foi boa. Tirando as bundas, claro. Mas isso na África tem de montão.

Tomei um sol, dei uma esverdeada gostosinha...e parti pra luta por comida. Fui andando até o leblon, seguindo o conselho de uma piranha meio que perdida na água. Fui até um supermercado chamado Zona-Sul. Achei engraçado símbolo do coração e o nome Zona. Zona na África é puteiro, mas lá só tinha salame e queijo e um mundo de bacana comendo pizza. Me chutaram de lá. Literalmente. Um gerente com cara de viado...

Fui seguindo pra copacabana e eis que me deparo com o mesmo supermercado - Zona Sul! Mas esse não era só supermercado não, esse era zona-puteiro mesmo. Cruzei com uns travecos escolhendo uma linguiças, e uns boiolas escolhendo macarrão. Fruta quase não tinha, e o que tinha tava meio podre. Saquei logo que devia ser um bairro decadente. E de repente, quando já ia afanar uma latinha de manteiga, eis que me puxam de lado, e quando vi tava num buraco na parede, eu e mais uns 5 jabutis que nem eu. 

Juro que cocei os olhos pra ver se estava sonhando. Porra.... saí da África pra ser puxado por mais jabutis num supermercado-puteiro!? Fala sério, né? Mas um deles era uma jabutizinha boa pra caramba, e daí resolvi ficar com eles. Logo um deles começou a falar num castelhano muito do vagabundo. Me chamava de camarada, e a cada frase, três palavras eram "revolucion". Eu só queria uma manteguinha pra passar no meu pão...revolução é o caralho! Lá na África Chê Guevara é simbolo de maconheiro, e olha que lá é terra de revolução, você não faz nem idéia, amigo.

Aí eu falei pro cara: Você não devia estar de vermelho, cara? Jabuti que é jabuti não faz "revolucion" não, a gente faz é cocô nos outros. E ele respondeu: "Mas é isso companheiro, fazemos cocô nos outros mesmo! Nosotros somos terroristas de la mierda!" 

Eu já tava trocando olhares com a jabutizinha linda do grupo, nem dei idéia pra ele. Tava tentando convidar a "gata" pra passear entre os queijos, quando me pegaram pela mão e saíram correndo, se é que isso é possível pra gente como nós, jabutis, né.... Isso porque ia chegando o gerente viadão com os caras da limpeza. Me meteram junto numa tubulação de ar condicionado e eu acabei num cubículo no teto do pardieiro alimentício.

Sei que a galera "jabutonga" vivia lá como se vive numa colônia hippie. Mas só comiam alface, e só alface não dá forças para se fazer uma revolução. Sei que a cada dia que se passava um jabuti novo chegava. E ao longo de um mês nem cabia mais jabuti naquela espelunca cubicular.

Quando éramos uns 200 jabutis, minha respiração já havia esgotado e fui forçado a acelerar essa revolução. Saímos da toca que nem baratas e marchamos, e enquanto marchávamos as pessoas iam correndo de nojo, uns transexuais vomitaram, uns policiais sairam prendendo uns turistas, o gerente foi demitido e foi tanta cagalança de jabuti, foi tanta merda com formato de minhoca espalhada que o supermercado acabou sendo fechado para reformas. Isso gerou tal polêmica que toda a rede, incluíndo a loja bacana do leblon, acabou sendo fechada, pois as pessoas se recusavam a entrar. Tomaram nojo da marca Zona Sul.

Meu amigo jabuti vermelho ficou tão feliz que teve um derrame de felicidade - bebeu tanto rum que empacotou. E eu, que era o único jabuti que falava português assumi o comando da "revolucion". Meus compadres conselheiros diziam que o próximo passo teria que ser marchar discretamente para Brasília, e fazer a mesma coisa no Palácio do Planalto, que de lá é que surgia toda a merda do país, e que se quiséssemos que a grande frota jabutonga da África tomasse o Brasil, teríamos que encher o palácio de cocô também.

Então enquanto o supermercado permanecia fechado, nós fomos aglomerando a cada dia, mais de 200 jabutis. Ao fim de alguns meses era tanto jabuti que nem dava pra contar. Numa madrugada dessas, marchamos todos para fora do estado. Foi a maior "carreata" jabutonga jamais vista. Em 6 meses estávamos na frente do Palácio da Alvorada.

A entrada foi por um canal estreito que levava fiação por debaixo da terra. E por sorte adentramos por um buraco que ficava bem na parede ao lado do closet do presidente brasileiro - Dilmo sei-lá-oquê, algo assim... Dali pra sala do presidente foi um pulo de jabuti. E quando entramos na "sala oval" brasileira eramos mais de 50000  jabutis enfezados e prontos pra luta. Demos de cara com uma mulher, que mais parecia uma mondronga com um topete esquisito, e com cara de faxineira de bordel, porém muito bem vestida. Ela, sentada na poltrona do presidente, se levantou de um pulo só...e desmaiou. 

Começou então a grande cagalança revolucionária. Em cerca de 30 minutos o Palácio da Alvorada havia sido evacuado por eles e por nós. Só que em sentidos contrários. Era tanto cocô de jabuti que daria pra ver por satélite. E assim sendo, tomamos o país.

É claro que houve alguma disputa entre nós, mas por unanimidade, e por ser o único a falar carioquês, etc, etc, e tal.... eu fui posto no poder pela massa de jabutís. Formou-se no poder o PJ. Partido político que dava representação ao que éramos. Engraçado é que não houve luta contra nós, pois demos a sorte de a polícia estar em greve, e os políticos em recesso. E sendo assim,  tomamos o Congresso e o Senado e os enchemos de bosta de jabuti. O país era nosso finalmente!


Primeira medida: decidi então dividir o país em duas partes. Traçamos uma reta que ia mais ou menos do Maranhão até Santa Catarina. Na metade litorânea ficariam as pessoas de bem. Na outra metade seriam jogados os criminosos, os políticos antigos (todos uns ladrões), e os delinquentes. Nesta metade todos teriam que trabalhar em colheitas e viver de uma forma socialista sem liberdades, apenas trabalho e cama para dormir. Afinal, eram criminosos e pessoas do mal. Na outra metade permaneceria o povo honesto, trabalhador, enfim, as pessoas comuns em geral.

Deu certo por um tempo, mas começávamos a perceber que o lado dos maus ia cada vez mais se enchendo. E assim notamos que o funcionamento do país não dava certo. havia algo de podre no DNA do brasileiro. Para tudo havia um trâmite sinuoso, uma maneira escusa, um dinheirinho aqui, um lobbyzinho proibído alí... que mesmo aquelas pessoas de bem se encontravam suspensas e presas numa trama ideológica antiga e mal intencionada. Era como se o Brasil litorâneo começasse a se mudar oficialmente pra o Brasil delinquente do outro lado da linha por nós traçada. 

Logo não havia mais população no lado litorâneo, apenas jabutis. E como eu era o jabuti-mór, o único chefe com noção de português, eu me sagrei ditador supremo de tudo e todos. E minha primeira resolução no comando total ditatorial foi impingir uma ordem para que todos os brasileiros (agora do lado ruim) fossem forçados a comer jujubas cinco vezes por dia. Elas fornecidas por indústrias dinamarquesas de jujubas. Quem não comesse jujuba nas horas devidas seria levado ao muro e passado a fogo. 

Essa medida totalmente nonsense de minha parte causou distúrbios dentro do partido, que começou a rachar. Havia uma esquerda escondida que começava a tramar e conspirar a minha queda do poder. E assim ocorreu a guerra civil dos jabutís. Eu fui deposto e enviado de volta para a África.

Confesso que sinto saudades de Ipanema e das bundas brasileiras. Mas nunca mais voltei ao Brasil. Hoje penso em talvez me associar ao site do CouchSurfing.org e talvez rodar o mundo escondido na bolsa de alguma mulher. Quanto ao Brasil? Trocou seis por meia dúzia... É e será sempre a República dos Jabutís. A não ser que voltem ao passado de 500 anos, e comecem tudo de novo.








sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Vidas

Vidas...vidas...vidas...
Tão diferentes
E tão parecidas...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Poema de Mim

Para mim não existem primaveras, nem abelhas flamejantes
Nem barcos de tristezas, nem caveiras de plástico, 
                                              / nem cavaleiros andantes
Para mim não existem trincheiras, nem fogo cruzado
Para mim não existem sedas nem vertentes mágicas 
                                              / nem baralho armado


Para mim não existem venenos de oliveiras, 
                                              / nem estrume de cobra
Nem cinzeiros de nuvens, nem lagartos que sorriem, 
                                               / nem pau-pra-toda-obra
Para mim, não existem rastros pela cidade, 
                               / nem palcos infestados de mordaça
Para mim a morte é de pano, e os arames sustentam 
                                                 / a gravidade flutuada


.............................................não
.............................................sim
.............................................tão
.............................................mim


Para mim não existe a dúvida mal lavrada
Para mim não existem mais palavras...
Para mim não existem cercas de mentira e pronto!
Eu, que me afoguei em redemoinhos de sonhos...


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Somos Cogumelos

Em minha alma não existe um pássaro, existe uma estrada. Em meu peito não existe um pássaro, existe um labirinto. Em meus olhos não existem pássaros, existem aranhas. Em meus cabelos não existem pássaros, existem pincéis. Em meus dedos não existem pássaros, existem bordéis. Em meus pés não existem pássaros, existem fiéis. Em meus sonhos não existem pássaros, existem montanhas.

Sou o que sou, e sou o que sou. Nada mais me ilude. Nem as fogueiras das paixões, nem as flechas dos estúpidos. A vida é feita de pegadas na água. O destino é fluorecente e escondido por cordilheiras impenetráveis. É preciso ser uma broca de chumbo. É preciso ser o vento. É preciso ser a própria erosão do universo para ultrapassar os confins de cérebros alheios.



O Universo é pra mim um vaso de planta. Onde Deus, um dia, plantou um carvalho, e onde o diabo plantou uma orquídea. A noite dos tempos acabará quando a orquídea sugar, com toda a sua beleza, o incomensurável pão do carvalho de Deus. Será uma guerra sempiterna entre a boceta azul mais linda do mundo, e o pau mais grosso e viril que existe. Temo pelo pau, pois sabe-se bem: quem tem boceta tem a força. Mas o pau há de aguentar o tranco da orquídea.

Orquídeas são flores de esquisita beleza e estranha natureza. São o que há de mais belo entre as flores, mas precisam de um carvalho para sobreviver. Não possuem raízes (pelo menos a maioria). Os carvalhos são lentos, e vigorosos. São verdadeiros canhões de seiva bruta. São eles que seguram a terra. São a gravidade em forma de planta. São mastros que se espalham pelos lados e se transformam em labirintos. São prédios onde habitam desde morcegos a macacos e uma infinidade de seres insignificantes.



Este mundo é dos seres insignificantes. Mais dos insignificantes do que das plantas. O Homem é um conviva. Não representa 30% do que há de vivo no planeta. O Homem é uma orquídea feia, que suga a Terra como se suga a um carvalho. Não plantamos raízes, quando plantamos são frágeis. Ainda somos cada vez mais nômades em busca de uma felicidade de seiva. Trocamos de lados com facilidade, mas não somos belos. Somos feios. Nada fede mais que o animal Homem. Um cachorro com uma semana sem banho fede menos que um mendigo que anda na rua sem se lavar há uma semana. Há que se desejar distância do ser comum - Homem.



O Homem é um otário. Vencem sempre as ilusões. O Homem é um ser que vive de ilusões e de veleidades. Nossos sentidos são poucos. Nada sabemos dos mistérios do infinito. Possuímos conceitos do tamanho de formigas, e rastejamos uns pelos outros. O Homem é um mar de egocentrismo. O Homem se acha Deus mas não passa de uma orquídea feia, expelida de um Paraíso, e cultivada pelo diabo. Nem bonitos, nem perfumados, nem azuis somos. Nos comunicamos através de subterfúgios e cultivamos nossos próprios umbigos.

Somos o sal da merda, o mal em oferta, o diálogo das bestas, o marketing dos medos. Medo pra quê? Nada pode ser pior que nós mesmos. Temos medo de parar de sugar nossos carvalhos diários. Somos nômades de galho em galho. Não somos nem seres. Somos conjuntos de células que funcionam sabe-se lá como ou porquê. Somos colônias vivas de micro-seres desaparecidos e fedorentos, protegidos por mitocôndrias. E nos preservamos através de uma meleca chamada DNA.

Mas produzimos muitos choques internos mentais, e a santa música...

Somos colônias. Somos cogumelos mágicos...

Algo no universo nos consome pra dar onda.