sábado, 29 de outubro de 2011

Conchas

Vi dentro de teus olhos, que guardavam o Sol, toda a tristeza das chuvas. Vi dentro de tuas lágrimas, que nada havia, porém escorregavam juntas. Vi dentro de tuas mãos, que afundava o mar sem saber como nadar. Mas dentro deste relógio redondo vejo que não vê o que restou das horas.

Vi seu corpo como colinas febris, onde apenas uma estrela brilhava. E nada mais... E vi o nascer da manhã por entre seus pensamentos incertos. Puxei a raiz do Sol, mas escorreguei no limo ácido das pedras amargas. Senti algas agarrarem meus pés, e senti que o tempo foi sólido, como um bloco de brinquedo, como um jogo de montar de criança, como um quebra-cabeças. E te vi na verdade criança, precisando de leite, e segurando em vento.

Não somos barcaças. Não somos galés. Não somos feitos da madeira que tece o planeta. Não possuímos o entendimento dos passarinhos, que fogem minutos antes do tornado. Nossos próprios furacões são imprevisíveis, e nos arrebatam pelos pés. Voamos não como pássaros, apenas somos atirados, e torcemos para não cair em águas insalubres.

Não acreditamos que no fim do mar se encontram os monstros sagrados, mas sabemos que no fim do mar os encontraremos, de alguma forma, a nos devorar por dentro. Por isso estendemos nossos oceanos interiores ao máximo que podemos, e rezamos para que um desses monstros seja o bom Deus, e nos dê o cafuné que cabelos tão suaves merecem..

Estendi o mar como uma canga, sobre as areias da vida. E fui me arrastando, e nesse "arrastamento" foi me cobrindo, o mar, e fui virando plâncton, e maresia, e concha. Hoje sou a concha que alguma criança encontra na areia, vazia, supérflua, e misteriosa.

Qual será o mistério das conchas? Que belíssima, ou horrenda estória ela não guarda mais...? Que separação lancinante terá acontecido? Ou...que liberdade gratificante, cheia de oxigênio a terá arrebatado? Terá sido sorte? Terá sido morte a sorte, ou o revés da ostra? Que onda terá posto fim a união? Qual correnteza terá levado sua única parte para o pólo sul? Será que existe a esperança do reencontro de uma concha?

Tempos vão se passar, noites virão, e dias flutuarão em correntezas pelo mar. Tudo. Tudo há de areia virar. Nada escapa ao destino da erosão. Nada escapa ao movimento das coisas. O atrito sempre vence a ilusão. E quando uma criança quer brincar... Há muitos aquários,  insolúveis de histórias para contar...


segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Geladeiras

Dois conceitos mudaram o mundo, e o tornaram do jeito que se encontra hoje em dia: O medíocre vence;  e Merda vende.

Não foram conceitos inventados e sim descobertos.

Antes as pessoas compravam uma geladeira porque ela funcionava, e funcionava até quebrar. Quando se descobriu que não influenciaria em nada, em termos de vendas, o fato da geladeira quebrar antes do tempo, começou-se a produzir geladeiras mais frágeis, com o intúito de quebrar logo para que o comprador tivesse que, mandar consertá-la, ou comprar uma nova.

A mesma coisa se deu de forma forte no mercado de automóveis, por exemplo. Ou seja: Um bem durável que antes resistia 20 anos, e que passou a resistir apenas 5, sendo vendido pelo mesmo preço foi um achado comercial valiosíssimo, e que deu na era do marketing de hoje em dia. Onda, que aliás, está destruíndo o planeta, literalmente através do super-consumo.

Porquê? Porque a compensação à falta de qualidade das novas geladeiras, como das TV's e dos carros se encontra na beleza, na estética especialmente desenvolvida para que o comprador acredite que aquilo vale alguma coisa. Porém não vale o quanto pesa.

Essa é uma conversa manjada.  Não invento aqui a roda.



Mas vou  fazer uma relação entre um fenônemo comercial e a sociedade, levando em consideração que o ser humano é o "benfeitor" desses novos conceitos maravilhosos que alteram nossas vidas em prol de sei-lá-o-quê.

O descobrimento do novo mundo se deu por acaso, pelos portugueses e espanhóis, como conhecemos, se bem que tanto os Vikings, como principalmente os Chineses já o haviam descoberto bem antes. O fato é que o descobrimento pelos portuguêses não foi por acaso, como contam nas escolas. Poucos descobrimentos são feitos ao acaso. Até porque para que sejam descobrimentos implicam que há alguém tentando descobrir alguma coisa.

O mundo de hoje que reclama da sociedade do super-consumo, das relações baseadas na futilidade, da necessidade estética acima do prático, é o culpado, não por descobrir tais conceitos, mas por seguir conceitos sem prestar atenção em suas vidas. No mundo de hoje as pessoas procuram a si mesmas e não umas às outras.

Nossa história cultural nunca foi baseada na "facilidade" que vem da futilidade. Desafio qualquer um a listar 10 grandes escritores completamente felizes. Desafio qualquer um a listar 10 grandes músicos completamente felizes. 10 obras de arte relevantes que não carreguem dentro de si o aço já substituído por plástico, em geladeiras. Diretores teatrais, atores, e até palhaços que não chorem no camarim a dor de existir.

Arte é coração. A arte é a única coisa que nos distingue dos animais, além do amor neurótico que o ser humano carrega dentro de si. Esse amor é artístico. Esse amor, mesmo quando carência pura é feito de ferro, nunca de isopor.

Cada vez mais vejo homens e mulheres sozinhos ou ligados em relações insólitas, leves, ou sem caráter. Uma geladeira que quebra em 5 anos é uma geladeira sem caráter. Um pneu de carro feito pra se esmigalhar numa rodovia é um pneu sem caráter. O Homem não tem mais caráter. Os bens materiais são feitos pra gerar dinheiro pra alguém trocar sua geladeira sem caráter por outra sem caráter. Uma Big Band jamais será formada de novo, uma produção musical como "A day in the life" (The Beatles), nunca mais poderá ser repetida porque a pirataria acabou com o mercado fonográfico convencional. Ok! Tudo muda, e eu aceito as mudanças. Mas a pirataria é o nosso roubo diário. Somos ladrões de galinha. Baixamos um grande clássico do jazz na internet, de graça, e metemos como toque de celular. É a geladeira que dura 15 minutos.

E as pessoas? Cada vez mais lindas e sozinhas e sem coragem de assumir as sua impossibilidades, suas incapacidades de amar! Porque o amor ficou raso, fútil, ligado ao plástico dos facebooks. Tem um mundo de supostos intelectuais que cultuam a alegria plena, como se isso existisse. "Basta sentir a "energia""- dizem, insanos. Sim, devemos estar nos tornando árvores! Eu até considero isso uma evolução corporal, pois uma árvore não faz concurso público, não precisa fazer força para existir. É o ser perfeito da natureza. Porém uma árvore quando chora de amor (e elas "choram"), não escreve belíssimas poesias, nem músicas, nem literatura, nem constrói um barco e vai morrer no mar. Não sabe o valor que existe numa Florbela Espanca, triste e amargurada...

Estamos cada vez mais centrados na nossa "geladeira" interior, quebramos rápido, porém somos maravilhosos, porque podemos cantar baboseiras e amar vulgarmente e sermos felizes por 5 anos.

Pois eu quero é mais! Eu desejo ser como um serrote que corta e dura 100 anos. Eu não me troco por felicidades instantâneas banais. Eu me recuso a ser uma geladeira. Eu quero ser um puta Rolls-Roice, que não precisa de propaganda na televisão pra vender. Eu sou feito de turbina de avião! Eu não aceito uma obra artística vazia e rala. Quando leio, leio Dostoievski, porque quero aprender com suas mágoas. Não quero a solução dos que olham para o Sol e se acham curados, por uma  alegria dogmática feita de vitamina D. Quero comer a Lua, e sei que essa é a receita dos grandes musicais, das grandes peças, das grandes obras. Sei que pra ser pintor tem que correr o risco das doenças respiratórias, e sei que os grandes guitarristas machucam os dedos nas cordas 0,12. Não aguento guitarristas de merda. Gosto do som louco e soturno da guitarra. Como gosto de um violão antigo, de madeira triste e velha, onde reside a sabedoria anciã de uma floresta.

Relacionamentos hoje em dias são baseados na esperança de algo que não existe: a felicidade completa, eterna, dinástica, financeira. Felicidade é momentânea, e depende de se matar um leão por dia. Tem que se segurar muita infelicidade para ser feliz. Não acredito em promessas de igrejas e religiões que não sejam completamente altruístas. Não acredito no belo à toa, sem esforço, acredito no que dura. Já experimentei o bonito, já experimentei o rico, e sei que as pessoas mudam de acordo com suas situações instantâneas. Acredito na troca duradora. Não acredito em  levar porrada e dar a outra face. Mas acredito que beijos são faces simultâneas.

Nosso mercado que vende merda, e premia o medíocre é um mercado que valoriza a alegria fútil e barata, que não passa de um sonho de consumo. Hoje, as pessoas não valem o quanto pesam, por isso não são felizes, mas precisam fingir que são. E eu acredito que geladeiras feitas para quebrar, quebram.

sábado, 22 de outubro de 2011

Eternidade

Eternidade deve ter a ver com éter...
Há éter na idade

Eternidade é como uma cortina que impede o Sol
É como o amor guardado numa gaveta fechada
E que a empregada sem saber joga fora por nada

E você só descobre no dia seguinte

E se sente como um pássaro sobrevoando um deserto
Sem árvores, moitas, ou qualquer lugar de pouso
E de repente você não tem onde colocar as mãos

Nem sua alma, seus olhos, seu livre-arbítrio, sua idade
Maculada por outra pessoa que vestida de ingenuidade
Atira fora tudo que se esperava de eternidade

A eternidade é um conceito parecido com uma gaveta
Que guarda um saco fechado com carinho;
Que parece nunca mais sair do lugar, esperando ser jogado fora

E outra pessoa simplesmente joga...

Outra pessoa joga...

Joga...

A Sua eternidade fora


quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Efeito Borboleta???

Não acredito naquela história de que o assassínio de uma borboleta pode alterar a ordem das coisas no universo. Acho isso uma besteira. Uma imensa baboseira. Um sofisma até.

Acredito que as coisas se anulam. O assassínio de uma borboleta nada significará para humanidade, quanto mais para o universo. Algo acontecendo simultaneamente anulará o fato. E algo sempre acontecerá para anular o fatídico evento da borboleta. Ou de qualquer outra coisa.

A não ser que o evento seja algo que de fato mexa diretamente com terceiros. Por exemplo: O sujeito pisa numa borboleta e ela morre. Nada acontece, pois a borboleta ia morrer mesmo, ela não ia descobrir a próxima lei da relatividade, não era um líder das massas, era só uma borboleta. Polinizaria algumas plantas e só. Pois então, algumas plantas novas não nascerão daquela borboleta, mas vão nascer de outro algo, que pode ser o vento, ou o cocô de um beija-flôr, ou de outras borboletas. Algo vai acontecer para anular tal fato. Talvez uma supernova exploda naquele exato momento e o mundo acabe, e surja outro.



É claro que se toda uma espécie de borboletas for dizimada da face da Terra, aí sim haverá uma interferência.         Mas existe sempre a supernova que pode explodir, ou blá-blá-blá...etc. É aí que entra o que eu acredito. Eu acredito que a morte da borboletinha não causa nada de tão influenciável assim. Assim como acredito que um carro passando sozinho pela Rua Barata Ribeiro, Copacabana, à noite,não vai mudar o mundo apenas por existir, ou por passar pela rua. Não é isso que move o mundo. Mas se, por acaso, este mesmo carro estiver sendo guiado por um bêbado, e este bêbado atropelar cinco pessoas paradas na calçada esperando o sinal fechar, aí sim! acontece uma mudança no mundo. Mas se o bêbado não atropelar ninguém, for apenas parado na lei seca, e depois seguir pra casa com uma multa a mais, isso não vai fazer qualquer diferença para a vida das pessoas, ao planeta, ao universo, nem a mim mesmo.

É claro que estou sendo pouco romântico. Faz bem para as pessoas acreditar que se pisarem num buraco e caírem no chão, que esta queda terá importância universal na ordem das coisas. E quem ler isto pode até me odiar, mas eu mesmo já caí no chão milhões de vezes e não senti, nem vi mudança alguma acontecer. "É claro que você não vê, ô idiota!, mas acontece." Dirá o sujeito infeliz. E a única coisa que posso dizer é: "Deixa de ser burro, ô infeliz." Mas por ironia do destino, ele não sabe que a sua ignorância fará sim muita diferença para o mundo e quiçá para o universo.

Poucas pessoas sabem, mas eu sou um artista mentiroso. Muitas músicas, assim como textos meus são inventados do nada. Invento personagens dramáticos para pôr em letras de músicas românticas. As pessoas acham que eu sofri com isso, e é óbvio que sofri. Mas sofri como autor. Algumas vezes com inconscientes alheios, outras puxando, da minha própria mente, sentimentos dolorosos de fatos que não aconteceram literalmente, mas que aconteceram de alguma outra forma em minha vida, ou em algum plano mental só meu. Ou seja: só Eu sei a dor que me dói, ou que não Me dói.

Porém, minhas idéias expostas são verdadeiras. Pelo menos naquele momento. Pois acredito muito mais num mundo dinâmico do que num mundo religioso. Acho que fazer mal a alguém resultará numa mudança universal. Fazer algo que não afetará de forma negativa ou positiva a vida de terceiro, a um certo grau, não resultará em nada de significativo. Acho que como judeu, que sou, mesmo não sendo religioso, acredito na lei  da "volta". Nas Tábuas da Lei, Deus escreveu: "Não matarás.  Não roubarás, etc." Acredito que são todas leis de "interferência intersocial". Ou seja: o mundo dá voltas. Sacaneie alguém. Mas tenha a certeza de que será sacaneado também. Roube o dinheiro de alguém, que mesmo que enriqueça, vai pagar com sua consciência. Pela lei do Kharma, de alguma forma se paga quando se faz mal a terceiros. Pode ser  com um soco no olho, com algo pior, ou com o próprio livre arbítrio deixado por Deus a Caim depois que este assassinou seu irmão Abel: a mente da gente é nosso pior algoz e prisão. Saber-se um merda é muitas vezes pior que ser um merda. "Não mentirás." Está escrito também. Mas Deus poupa os artistas verdadeiros (Mas só os verdadeiros, não os babacas de plantão.)


Eu conheço um cara que já andou muito por aí. Já viu muitas gentes, não experimentou de tudo, mas já viu de tudo. Já voôu o mundo. Já viveu experiências perigosas e outras honestas. Sei que esse sujeito às vezes senta na calçada e tem a coragem de chorar, pois já chorou em calçadas de lugares perdidos e lugares encontrados. Já foi roubado por falsos amigos, já foi roubado por suas próprias necessidades, e enganado por seus próprios olhos. Nunca matou borboletas, mas já matou formigas e baratas e sabe que um cometa não vai partir a Terra por causa disso. Nem você vai ganhar na loteria por causa disso. Este sujeito sabe que uma lágrima rolada pela face cai apenas no chão e pronto. Nada acontece disso. Não gera um terremoto na China. E sei que esse sujeito já rolou lágrimas.




Às vezes ele me liga e conversamos, e dou conselhos a ele. Conselhos de vida. Às vezes conselhos de amor. Mas sobretudo conselhos. Ele raramente me ouve, mas tem me ouvido mais. Tá ficando idoso, já não alimenta sonhos de picaretas. Ultimamente ele aprendeu a lei da borboleta. O mundo muda quando algo interfere nele de forma contundente. O simples acender de um fósforo não muda nada. A não ser que você enfie esse fósforo nos olhos de outra pessoa. Aí sim, essa pessoa tem a vida mudada, que consequentemente mudará a vida de outrem, e assim irá até voltar para você de alguma forma não muito boa. Pois já dizia outro personagem: " A natureza cuida." E é verdade constatada na pele.

Esse sujeito já andou por ruas desertas à noite.Sozinho, e já sofreu a solidão dos que escolhem por ela. Já o aconselhei diversas vezes a não ser assim, mas me parece que muitas vezes a solidão alimenta almas amadas. É o paradoxo da borboleta mesmo. O sujeito não vai deixar de ser amado por ser só, mas ele precisa experimentar, ele precisa desta queima de gasolina irreal para ir em frente. O mundo não vai mudar por causa de sua solidão, mas ele acredita que sim. Ele acredita, assim como Bob Dylan acreditava que Mr. Tamborine Man fosse um personagem capaz de mudar alguma coisa. Com certeza mudou, mas foi anulado por outra coisa que tornou seu Ph neutro. E é fatal, mas todos nós teremos nossos Ph's neutralizados um dia. Todas as obras, todas a vidas, todos os olhares, todos os amores e etc.




Esse sujeito já foi como o Pequeno Príncipe. Já visitou vários planetas e já amou flores que tentou proteger. Mas achou isso impossível. Ele já cativou e já foi cativado, mas sabe que há sempre a hora de partir.

Este sujeito não sabe viver. Foi arremetido ao seu próprio mundo e lá se encontra. Seu planeta apenas possui calçadas, e mais nada. Não há casas nem árvores. Minto, há um imenso Jatobá. Pois sombra é importante e lá bate muito sol de dia. Mas é só isso que tem lá. Não têm pessoas. Apenas aquelas que vivem dentro dele e que ele sabe que precisa cultivar. De resto são calçadas, onde rolam lágrimas sempre sob um céu estrelado e ao gosto de uma Coca-Cola geladinha. E ele me disse uma vez que não há invenção melhor que a  panacéia perfeita.

Ele também fuma cigarros. E eu já mandei parar. Ele diz que cada cigarro altera o curso da vida na Terra.  eu disse a ele que não. A Fábrica de cigarros talvez.... Mas que o vento que sopra de manhã trazendo os últimos aromas das Flores da Noite anula a fábrica. Pelo menos enquanto houver um equilíbrio. Ele disse que ácido faz bem pra sua saúde pois o tira da realidade. E que isso altera o universo. Deixe estar. A única coisa que altera o universo é o amor.

Um dia ele me perguntou: "O que é o amor?" Minha pobre resposta foi: "Algo que eu conheço muito, mas desconheço bastante." E ele antes que eu terminasse a frase (pois é muito insistente e parece mesmo o Pequeno Príncipe) insistiu: "Pode me dizer realmente o que é o amor?"

Aí eu pensei melhor e mudei toda a minha concepção sobre este texto. Quanta burrice! É óbvio que matar uma borboleta muda o curso do universo!

domingo, 16 de outubro de 2011

O Bar

Tão imprevisível é o mundo quanto este texto. Imagine um bar qualquer, situado num bairro sujo de Bucareste. Lá fora faz um frio de congelar mosquitos voando. Dentro do bar a temperatura beira os 15 graus célcios. O bar é retangular. No fundo há o grande balcão, onde um barman prepara tiras de limão. No centro do bar há apenas uma mesa, e no canto uma sinuca grande e vazia.

Sentados na única mesa do bar, dois homens, um de cada lado, não se parecem um com o outro. Um é louro de olhos castanhos, estatura mediana, forte, atarracado, vestindo jeans e camiseta branca. Do outro lado o homem parece uma salsicha de tão alto, magro, cabelos escuros e ondulados caindo por sobre o pescoço, mas não muito. Um deles fuma um cigarro preto e o outro um de palha. Não se falam, mas se conhecem, embora pareça que não.

O homem do bar sai de trás do balcão e traz dois copos e duas garrafas de vodca. Uma vagabunda e uma excelente.A excelente vai pro sujeito louro atarracado, a outra vai pro homem que parece uma linguiça de cabelos. Este usa calças brancas de linho bem cortado, e camiseta verde com desenhos de flores vermelhas. É difícil se concentrar nessa mistura de cores.

Os dois viram dois copos de vodca ao mesmo tempo, sincronizados, porém, nunca se olham. O louro, baixinho e atarracado grita algo sem sentido. Parecido com um latido. O homem do bar sai de novo de trás do grande bar e deposita no meio da mesa um prato amarelo com uma grande azeitona no meio. Os dois tomam mais duas doses cheias das respectivas vodcas.

Neste meio tempo já existem três outros homens jogando sinuca no canto do salão. Outros atiram dardos num desenho tosco e numerado, circular, próprio para dardos e que fica na parede perto da sinuca. O clima fica tenso quando a azeitona é colocada em cima da mesa. E um cachorro enorme e abre sua enorme boca e lança um grande bocejo avisando dentes. O cachorro está de olho em tudo, mas não para de se coçar, e volta e meia rosna para o homem do bar, que prontamente leva um pote de ração e deposita com receio na sua frente.

Neste momento abre-se a porta do bar, trazendo com ela flocos grossos de neve e um vento gelado. uma loura maravilhosa, num vestido vermelho que deixa à mostra suas pernas bem feitas, seios iguais a canhões de guerra, corpo impecável de atleta do sexo, cabelos louros num liso com permanente, e tudo feito pra matar. Seu perfume entra com a neve, mas a neve cai, enquanto o perfume se espalha pelo ar que tem cheiro de graxa e gasolina barata.

Todos param e fixam seus olhares prontamente para a incrível loura da "playboy". Menos os dois homens sentados no centro da mesa. Estes continuam impávidos, e centrados em olhar a azeitona negra. Neste momento a loura estanca, não sem deixar de mexer sensualmente o quadril e aponta para a azeitona, e diz. Mas sua voz soa grossa como de homem e isso transtorna os que estão jogando dardos e sinuca, que prontamente voltam a jogar. Ela aponta para a azeitona, com seus dedos de unhas grandes, falsas e vermelhas, e abre a boca como um trovão: "Isto não é uma azeitona! Isto é uma bala de revolver!"

Naquele momento o cachorro se levanta e ruge como um urso. Pelo recinto pequenos camundongos traçam caminhos se escondendo pelos cantos, como que loucos e interessados em saber sobre a situação. O homem do bar joga-lhes pequenos farelos de pão visando que os camundongos se mantenham mais pelos cantos.

Os dois homens sentados na mesa do centro, já acabaram as vodcas e já iniciaram outra. No momento em que ouvem a loura, olham para a azeitona e constatam que na verdade ela realmente não é azeitona, e que também não é bala de revolver, ela é um abacaxi. Olham para a loura e num impulso imprevisível gargalham de forma a dar a entender sua sabedoria tão mais aguçada e antiga.

O urso lambe a  perna da loura  com carinho. Ela deixa, mas se sente incomodada pois sua enorme língua parece lixa, e ela tem medo de que rasgue sua meia fina. A loura dá um chega pra lá no "urso", puxa uma cadeira e senta-se no meio dos dois homens, ambos ainda sorrindo na mesa. Ela pede um uísque ao homem do bar. Este pergunta aos três homens que jogam sinuca, se é possível que algum deles pague o uísque. Os homens fazem cara de "alguém pagará", e dizem que sim.

O abacaxi , no centro da mesa cresce, e já é uma planta colossal, que quase atinge o teto do bar. O bar possui pé direito bem alto, mas sua estrutura é de frágil madeira antiga. O pessoal dos dardos continuam a lançar e acertar alvos. O cachorro já se encontra perto deles. Os camundongos parecem enormes, apesar de seu pouco tamanho. A perspectiva do lugar fica esquisita mediante ao cheiro de graxa e gasolina, e os jogadores de sinuca, embora já não possuam mais moedas para jogar, continuam a devastar freneticamente, com seus tacos, bem ornados e desenhados, o verde da mesa.

A linda mulher com voz de homem, teve seu vestido enroscado num espinho de uma das folhas do abacaxi e continua subindo com ele. Já se encontra há uns dois metros do chão, porém age como se nada acontecesse. Um dos homens se aproveita para olhar por baixo de sua saia e planejar a investida de um dedo bem certeiro.

O homem do bar, apesar do frio, mostra sua testa suada de tanto trabalho, enquanto  lê gibi e jornal ao mesmo tempo. Todo o salão parece pequeno ante o tremendo abacaxi que cresce, porém os camundongos dão a impressão de serem gatos de tão grandes.

O cachorro-urso-monstrengo já começa a dar sinais de chateação e come um dos gatos-camundongos, o que causa uma comoção nos atiradores de dardos. Os da sinuca tentam recuperar as bolas presas dentro da mesa, destruíndo a mesa com serrotes e machados.

A loura já atingindo o teto canta um tema de Irving Berlin, enquanto os dois homens da mesa do centro agora se estranham. Um levanta e tira um revolver do bolso. O outro tira uma granada de mão. Todos gritam sem deixar de executar suas funções. Um segundo gato-rato é devorado pelo cachorrão.

Neste momento abre-se de novo a porta do bar. Mas apenas uma carga de neve entra, em grandes flocos, que faz todos se arrepiarem de frio, trazendo a noite sem luar.


sábado, 15 de outubro de 2011

Ensinamento.

Está escrito na Bíblia do Antigo Testamento. Parte da sabedoria de um povo de quase 6000 anos.


"A Mulher constrói, e a Mulher destrói."



domingo, 9 de outubro de 2011

Canto de Vida

Seguir... o que importa seguir?                                          
Sentir... o que importa sentir?
Fazer, isso sim importa
Pois quando fazemos
Fazemos a nós mesmos
Com pés na Terra e olhos no horizonte.
E sentimos...
Seguir? apenas com passos de tamanha alma verdadeira
Pois nos desfolharemos como pétalas sem nome
Se apenas acreditarmos alcançar estrelas

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O Passo



Eu luto por amor.
Depois eu luto de amor.



Gerônimo era um menino normal.  Morava numa cidade normal, com uma família normal, comia uma comida normal, tinha amigos normais e vivia uma vida normal. Um dia sua mãe pediu pra que ele fosse comprar algo, numa loja azul, que ficava num vilarejo perto de uma colônia de pescadores, meio longe de onde ele morava. Gerônimo era novinho, mas na cidade do interior que ele morava, as crianças começavam a andar sozinha cedo, e na maioria das vezes descalças. Não era uma cidade pobre nem rica, era uma cidade do interior, com casas humildes porém decentes e e dignas, e um povo trabalhador e responsável, porém preguiçoso, que gostava de  passar o dia de folga deitado na rede fumando cigarro de palha e ouvindo as cigarras a cantar.

Gerônimo seguiu seu caminho. Como sua mãe havia mandado foi na direção do vilarejo. O caminho era alternado por terra batida, um pouco desértico no meio, e ia se tornando grama e pasto seco misturado com algumas árvores floridas e outras de menor porte. O dia estava ensolarado porém não estava quente. Era um dia ambíguo, como a vida. Gerônimo levava consigo uma bolsa leve, de pano bege, onde guardaria os produtos; como tudo na vida.

Gerônimo à partir de determinado momento adentrou uma trilha de terra que cortava um imenso pasto de grama recém colhida. Andou por mais ou menos uns dois quilômetros, quando de repente deu de cara com uma imensa árvore, do tamanho de um caminhão, e neste ponto a trilha se dividia em duas: uma para cada lado. Gerônimo não podia seguir em frente, pois a enorme árvore não permitia. Ao mesmo tempo a árvore impedia qualquer visão do meio; havia portanto apenas dois caminhos a serem trilhados, e Gerônimo teria que escolher a direita ou a esquerda.

Gerônimo não conhecia bem a direção, então naquele momento escolheu seguir pela direita. Naquele exato momento uma estrela colidiu com outra, um gato em algum lugar do mundo miou, uma criança nasceu nas mãos de uma parteira, e um cometa raspou incólume a Terra, encoberto pela luz do Sol e livre da ignorância das pessoas.




Gerônimo, sem saber, havia tomado a maior decisão de sua vida. A primeira de todas, o seu rumo, gerado pela necessidade peremptória da decisão a que lado tomar, e tudo isso orquestrado e sob gestão exclusiva do Acaso. Gerônimo deu o passo, mas não teve culpa de tê-lo dado.

Sua vida daí em diante partiu. Tanto do sentido de quem vai à frente, como do sentido outro, de se aquebrantar em partes. Pois muitas vezes ir em frente não significa ir certo. E todas as vezes, não ir significa o impossível, e o impossível não há. Apenas para aqueles que sonham. Porém até os que sonham dão seus passos no imaginário, sem perceber que o Todo se movimenta apesar de sonhos, e que a corrente de movimento está fadada a nunca parar; independente da vontade dos cantadores, dos escritores, dos músicos, e dos atores, todos, sem exceção dão o grande passo, mesmo sem dar.

Não se pode dizer que não houve felicidades na vida de Gerônimo, porém seria melhor descrevê-las como alegrias fáceis, fogos-fátuos, arroubos momentâneos e pouco duradouros, porém valiosos algumas vezes. Não foi fácil. Seu pai morreu, sua mãe fugiu, seus professores o esmagavam. O ensino recolhia de sua cabeça tudo de bom que um dia seus pais o haviam doutrinado. Foi massacrado pelos amigos, foi negado nas piores peladas de futebol, assim como foi-lhe negado o direito de se comunicar com facilidade, seu pensamento foi cerceado, e seu futuro foi declarado passado.

Gerônimo terminou a adolescência sem saber quem era, quem havia sido, e o que poderia vir a ser. Com algumas alegrias e algumas ajudas atingiu alguma faculdade e tirou notas boas e notas ruins. Mas nada disso importava, pois suas decisões acabavam dando sempre erradas, e sempre que se via em situação de escolha, Gerônimo sofria o mal dos males. Não namorou (apenas uma vez com uma meretriz), não se casou, e nem teve filhos. Não se educou como devia, e seu lazer se restringia a assistir as peladas dos outros.

Aos quarenta anos Gerônimo deu sorte e conseguiu um bom emprego, graças a um bom vizinho que o ajudou. Mas perdeu o emprego, perdeu a casinha que seus pais o haviam deixado, perdeu a linha e ganhou bebida. Bebida sempre se ganha em algum lugar; é o consolo dos fracos. Porém, até para a bebida precisa se gastar, e chegou um momento em que Gerônimo virou mendigo para poder beber. Quem não viveu o que Gerônimo viveu, não sabe que para muitos, Deus atende pelo nome de Cachaça.

Aos cinquenta anos foi entregue aos cuidados do governo, e teve a mesma sensação de ter voltado à infância e à sua temida trupe escolar que o massacrara. Foi colocado na função de limpar os restos e dejetos dos outros. Trabalhou, se esforçou ao máximo, como se aquilo fosse um cargo no Itamaraty. Conheceu uma menina numa época em que não existiam vitaminas em seu corpo. Não era um homem feio, porém maltratado. pelos outros, por Deus, pela cachaça talvez? Que importa? Talvez por si mesmo. Mesmo!

A vida foi se sucedendo e Gerônimo perdeu o trabalho, perdeu o dinheirinho pouco, perdeu, a trouxa de roupa, perdeu o lençol de estopa, perdeu a cabeça, perdeu os sonhos de criança, perdeu o cabelo, perdeu os amigos, perdeu os conhecidos, perdeu os inimigos, perdeu a paisagem, perdeu os óculos, perdeu a luz, perdeu a linha, perdeu dois dedos, perdeu mais vitaminas, perdeu o amor...............................................................................................................................................................................................................................................................e viu que havia perdido o tempo.

Um dia, uma quinta-feira sem número certo, Gerônimo se encontrava deitado em seu leito de morte num hospital público da cidadezinha onde nasceu. Seus olhos paralizados na direção do teto evitavam olhar a cruz que havia na parede do quarto. Não havia soro, nem aparelhos de respiração, nem tampouco remédios. Uma  mariposa circulava atônita a lampadazinha amarela que quase se despencava no chãozinho de ladrilhos quebradiços e da cor de terra. Do seu lado sentava-se com cuidado um velho padre, que rezava a extrema unção. Não havia mais ninguém no recinto.

Subitamente não havia mais padre no recinto, e os olhos de Gerônimo viajaram pela sua vida, e enxergaram coisas que havia feito e se arrependido. Coisas que não o levaram a lugar algum. Porém, tudo leva a algum lugar e Gerônimo teve esta percepção. Olhou para sua pernas, para seus pés encardidos e simplesmente pensou. Pensou, e lembrou de sua mãe fugitiva, e do seu pai morto pela enchada, e lembrou sua vontade de jogar pelada, e lembrou das pequenas e fúteis alegrias do amor, e lembrou de todos os seus fins trágicos e pensou-os menores do que o que estaria por vir, quem sabe...(?) Porém, não pelo seu desejo próprio, Gerônimo sabia que devia viver, mas, além, mais além disso, sabia que poderia ter vivido. E imprecou contra a vida miserável que foi se sucedendo progressivamente em sua história, e xingou a Cachaça amarga, mas apesar disso sabia e pensava e se esforçava para lembrar alguma coisa importante, algo que justificasse tanta injustiça, e que pudesse, no momento derradeiro, livrá-lo da culpa de ter sido um sujeito sem sorte durante a caminhada. "Caminhada???" O pensamento saiu rouco de sua já não existente voz. Então Gerônimo voltou a olhar seu pé dilacerado pelas caminhadas, e lembrou-se de quando sua mãe, ainda viva e sadia, o havia mandado caminhar até o vilarejo dos pescadores, e lembrou do quê, por tanto tempo, havia esquecido de comprar - pão especial para uma humilde celebração. Gerônimo se lembrou da árvore e do caminho que se separava em dois, um para cada lado. E lembrou ter aleatoriamente escolhido um dos lados. E um gemido rouco saiu de sua garganta já definhando. "Porque escolhi aquele caminho, meu Deus?" E a dúvida plena, que talvez seja a maior de todas no universo se abateu sobre o quase defunto Gerônimo: o que teria acontecido se eu fosse pelo outro caminho... "Teria sido melhor....?"

Foi naquele momento em que a porta se abriu e entrou um menino, uma criança linda, de 10 anos de idade, cabelos escuros e lisos, olhar ingênuo e puro. Chegou-se a ele, e bem ao seu lado, em pé, parou. Esta era a criança que Gerônimo foi um dia.

Gerônimo então pegou em sua mão e lamentou. A criança, sem nem sorrir nem entristecer, segurou em sua mão e disse: "Gerônimo, você desejaria ter outra chance? Desejaria descobrir se o outro caminho talvez pudesse ser um caminho melhor?"

Gerônimo não conseguia mais nem balbuciar palavras, nem sons, diante da emoção da vida e da morte, ambas presentes no recinto à espera de uma reação. E foi pelos olhos de Gerônimo, pelo brilho de seus olhos, e pelo sorriso brotado em sua face, que a resposta foi compreendida pela criança que ele, um dia, havia sido, e que se encontrava em pé, bem ao seu lado, como que uma miragem boa e verdadeira.


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"Gerônimo, vai comprar pão bom na vila perto dos pescadores, menino! Que hoje vamos fazer uma celebraçãozinha aqui! Vai logo, menino, não demora!"

E assim viu-se Gerônimo, de novo seguindo o caminho que o levaria à grande Árvore e ao seu Acaso. Um pouco de caminhada e logo estava ele ali, de novo, como se nada houvesse acontecido. E no momento da dúvida eterna, algo lembrou a Gerônimo que desta vez ele precisava, deveria!, seguir pelo outro lado. E assim ele fez.

Ao pisar em direção ao outro lado, Gerônimo andou dois metros e  logo tropeçou numa pedra pontuda que havia no caminho. Caiu no chão, ralou o joelho um pouco, se levantou, limpou o ferimento com as mãos, sacudiu a poeira, sorriu, e tocou em frente sua nova vida.


domingo, 2 de outubro de 2011

The only living girl in Rio.

Mesmo que impossível, você foi feita pra mim
Você foi feita pra mim como o carvão para o fogo
Como as montanhas para os rios, como as palavras para o seu único 
                                                             / ouvido
Você foi feita pra mim sem saber que foi feita pra mim....
Sob uma lua texana, um ponto num mapa traçado em nanquim
Como vistas de mares são feitas para navios
Como nozes são feitas para geléias
E fazendas para frutas desconhecidas por mim....
Algum planeta vai passar, vai explodir o mundo e você...
Ainda será feita para mim...
Como flores para bichinhos, como dores para cinemas, e músicas 
                                                   / para um violão
Com todas as inseguranças, e vontades e sonhos de vida e poesia 
                                                             / sem fim
Você foi feita pra mim...
Como as crianças para os parquinhos
Como as gangorras para os irmãos mais velhos...
E os escorregas que não escorregam mais
Você foi feita pra mim...
Como os luares de outros lugares ainda bem longe de mim...
Você foi feita....