domingo, 8 de maio de 2011

A Minha Mulher Furta Cor

A minha mulher feliz é um cetim furta-cor. Nela se esconde o indefinido, o que não se pode pegar tão escorregadio é a alegria diversa em cores que no fim nem são cores, são como uma aura de algo que não dá pra explicar. A minha mulher triste é como um balde que busca água de um poço num sertão qualquer, onde a caatinga predomina e o povo já emigrou faz tempo com medo das enchentes dos ventos vazios e empoeirados. A minha mulher feliz é a água que existe de repente no fundo deste poço e que por algum motivo ninguém viu, ou apareceu como um milagre, talvez chuva, e que vai fazer retornar à vida o vilarejo inóspito do lugar insólito e perdido que se salvou. A minha mulher triste são óculos de grau quebrados, uma moeda de um real num canto que o mendigo não consegue ver, é a felicidade tão próxima e tão perdida, é a casinha humilde na letra da música do Vinícius, é a dança solitária numa praça iluminada por um poste amargo. A minha mulher feliz dança por essa praça sozinha, e o poste amargo e amarelo sabe que é farol, e que a nau vem, está atravessando a rua apesar dos carros desvairados e das bicicletas na contra-mão, e dos punguistas à espreita, que ela vem, a nau, e que vai destroçar a frota de francesa e vai realizar num abraço tão forte o sonho do universo. A minha mulher triste é uma criança sentada na sarjeta de um meio fio, chorando, e implorando por dez reais que faltam para que a família não seja despejada de algum buraco no Bairro de Fátima. A minha mulher feliz é o homem que chega e oferece esses dez reais, e encosta o dedo na lágrima de criança e diz: existe um mundo, embora não exista humanidade. Que a felicidade é uma guerra entre a alegria e a tristeza. E que embora um aluguel não possa ser pago com amor, um amor também não pode ser alugado. A minha mulher triste é feliz porque existe e sabe disso.

4 comentários:

  1. Obrigado Anônimo, é muito saber quem voce é. :)

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  2. Tão bom existir...e ser material de suas palavras tão bem construídas...transbordo de orgulho de você, e dessa sua mente repleta de riquezas infindáveis!

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  3. Anônimos ou não, como não apreciar suas palavras?

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