sábado, 31 de dezembro de 2011

Tempo e Sonho V

Não sei como alguém pode sofrer tanto quanto você... Disse Sigmund. Na verdade acho que sei sim, continuou... E de repente da cozinha lá de casa me vi em cima de um monte, cujo cume era muito íngreme, de rocha vulcânica adormecida por milhões de anos. Era o cume de uma montanha que ia subindo, e subindo até onde a vista já não podia aguentar, e o topo desta montanha possuía a largura de um poste de luz da cidade. Iluminado por um sol escaldante, e uma lua estonteante, eu me encontrava lá em cima. Os dois pés juntos sem espaço para abri-los. Abrir-me! Quedava-me estático, sem poder me mexer, sob o risco de cair no fosso da vida. E então Sigmund disse-me:

- Você ainda está em coma, meu amigo. Mas não se preocupe, é porque você deseja estar. Infelizmente não posso te dar a mão. Não posso te ajudar a sair do seu pico de altura e espaço micros. Mas será um ótimo momento para discutirmos o Tempo e o Sonho e suas relações.

Encontrava-me eu, completamente atônito àquela situação, e não acreditando em mim mesmo, tive que equilibrar-me  para não cair em meu próprio vácuo. Sigmundo então chegou os olhos bem perto dos meus, e pude até sentir o talco de sua barba rescindindo.

- Está é a sua maldição, meu jovem amigo. Poder se mexer quando não deve se mexer. De certa forma essa é a história do Tempo e do Sonho. Uma vez estático, no cume da fina rocha, presencia-se o Tempo. Porém, a impossibilidade de se mover em nada tem a ver com o Tempo, propriamente dito. Ela é feita do Sonho. É o que você apenas pode atingir dentro de seu subconsciente. Seu consciente é cair, e isso é inevitável. Pois que o Tempo é sempre inevitável; o Sonho nunca. 

Quis perguntar "porquê", mas Sigmund jogou suas palavras na minha frente, e disse:

- Einstein errou! A Ciência errou! HAHAHAHAHAHAHAH!!!!! E desatou num riso misto de choro e alegria. Algo de louco, porém nada profano. Algo de genial e profético. 




- O Tempo não existe, meu velho camarada! O Tempo é apenas o movimento das coisas. Não é uma dimensão. Quando você nasceu sua vida era uma planície baixa e inerte. Os rios de sua existência trataram de desencadear o processo de erosão do seu ser. ISTO é o Tempo! Em cinquenta anos você já havia se tornado um Grand Canyon. Bastou apenas um filete de água, um Rio Colorado, e uma sucessão de outros filetes e aí se encontra você: num alto de uma ponta que se esvai a cada dia, até que o grande momento chegue, e você caia no vazio que pertence a qualquer um. Cada um tem a sua história moldada em erosão pelos Rios Colorados devidos de suas vidas. Cada um possui o seu Canyon, mas a ação do Tempo é inexorável, e não depende de dimensões, nem de misticas, nem de acasos, nem de relógios que o pensam marcar suas horas. O Tempo não passa da areia que cai numa ampulheta. O Tempo é o cair da areia e nunca a ampulheta! Einstein errou! HUHUHUHUHUHUH!!!!!! Tempo é Movimento!




Olhei para baixo e por um segundo entendi a sua "verdade".  E pensei então no tratado filosófico de Camus, que dizia que a vertigem nada mais era do que o desejo de pular. E neste momento Sigmund reapareceu, só que desta vez por trás, num ângulo que eu não consegui vislumbrar. E continuou:

- ..........o Sonho. O Sonho é o que existe atrás de você, meu jovem amigo. Ao contrário do que se pensa, o Sonho é o lastro do livre arbítrio. É a única coisa que faz você não cair para trás deste rochedo. É a representação da vontade de existir em pé. E é claro que ele nunca vai se concretizar, e você um dia há de cair, mas até lá o sonho te segura. O sonho é o músculo da alma. É o que te faz florir. E independe do movimento dos córregos, dos cometas, das explosões das supernovas, do Universo em expansão. Há uma expansão da alma. O sonho é a verdadeira gravidade das coisas. O Tempo é apenas a erosão das partículas; o movimento dos astros. O Sonho é a vertigem que nos move. E não se engane, amigo, até papagaios sonham! Estamos todos atrelados às erosões do Tempo-Movimento. Porém, sonhar é uma dádiva, uma vez que não se sonha, se está morto.

- Mas não são interdependentes, Sonho e Tempo, caro Sigmund? Perguntei eu.

-É claro, sua anta! Disse ele. - Um carro só anda caso as rodas rolem, e isso é atrito (Tempo). Porém, há duas possibilidades na vida: ou você aperta o acelerador, ou perde o freio ladeira abaixo. HUAHUAHAHUAHUAH! 

E sumiu. Mesmo assim perguntei a mim mesmo. "Será que esse cume alto e fino e frágil existe porque estou em coma e chegou minha hora derradeira?" Foi bem naquele momento em que me vi sacudido pelo menino, meu paciente de quinze anos, letrado, nerd, e tão improvável ainda, embora não mais virgem.

-Acho que o senhor teve uma apoplexia de algum grau, ou entrou em estado catatônico, cataléptico, ou coisa assim. Disse ele.

- E o que foi que eu falei, se é que falei? Tem alguma coisa que eu disse, me conte por favor?

- Bom, o senhor balbuciou algo sobre sanduiche de manteiga com presunto....




Dispensei o moleque. Realmente logo seria o último ano do dia, quer dizer, último dia do ano, perdão. Mas que diferença faz? Aquela conversa com Sig me remeteu fisicamente ao Arpoador, onde sentado nas pedras, eu me via sozinho, apesar do formigueiro de turistas sem devaneios e criatividades, apenas sede de algo novo. Prazeres quaisquer...

Sentado numa pedra, olhando o mar, e a Lua que já partia o céu determinando o espaço do Homem, senti minhas mãos serem tocadas por uma menina de vinte anos. Demorei um minuto dentro daqueles olhos verdes até que pude perceber que pertenciam à uma de minhas pacientes: a menina. 

Não sei como ela surgiu, só sei que seu semblante parecia irradiar a luz da própria lua, e por um momento me apaixonei . Então ela me disse: 

- A luz da lua é o Sonho, o Sol é o Tempo. Devaneio e erosão, eis as partículas que fundem-se no Ser Humano. O universo é belo, não acha, senhor Jonas? 

- Não consigo pensar neste momento. Preciso de uma casca de noz ralada com Nescau...

- Aqui está, meu amor. O senhor, meu psiquiatra, merece tudo que tenho para dar. E me entregou o copo cheio.

E assim fizemos amor em público, num canto de mar. E enquanto eu percorria seu corpo liso de jovem mulher, eu sentia a porosidade da rocha contra a minha pele de médico. E neste minuto ouvi Sig dizer em meus ouvidos, quase dentro de meu cérebro: 

- Pele é lua, pedra é sol. Lua é sonho, sol é erosão. Sonhos são partículas da alma, sujeitas apenas a preencher nosso vazio original. Tempo é colisão de astros, é explosão de radiadores, são passos dados ao infinito da morte, e dos sonhos também. Einstein era um robô feito de sonhos, assim como vocês também são. 

E ao ouvir suas sábias (ou erradas, vai saber...) palavras, eu pensava que sexo é Tempo, amor é Sonho, e os dois juntos dão razão ao ser humano que somos nós. Eu e a menina dos vinte anos, nos amando totalmente dependentes de sonhos e tempos.

Depois nos sentamos, e não percebemos a multidão que nos seguia com olhos atônitos, e risadas murmuradas e idiotas. E conversamos sobre o ano novo. E sobre a indiferença da data. Falamos sobre compartilhamentos de pensamentos, e vi que mais uma pessoa neste mundo além de mim pensava igual. Que não há ano novo. Tudo é novo enquanto houver movimento mental. E que tudo será velho enquanto houver movimentação física. E que tudo isso se confunde assim como 2011 se confundirá com 2012, logo ambos se tornando uma coisa só: a existência de uma roda que gira, e de um fogo que nos alerta e nos consome.

Passaram-se quatro horas de conversas e sonhos, até que Jonas viu-se acariciar por uma fosca e bela luz solar, que ainda não o direcionava de frente, mas raspava-lhe a fronte, tecendo em seus olhos sensações que se esfumaçariam, assim como a menina, que nunca existiu ao seu lado, apenas em Sonho, mas que custou-lhe o Tempo, e afinal, era sua paciente.

Mesmo assim, Jonas levantou, olhou para os lados já vazios de turistas, se dirigiu à uma poça de água límpida,   que corroía lentamente a pedra do mar do Arpoador, e mijou. E ficou surpreso, pois o que saía dele não era mijo, era perfume. E tinha cor de champanhe.


(Continua... Feliz Ano Novo...) 





quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Lady Liuwa

Assisti a um lindo programa do National Geographic na TV: a  história de uma leoa solitária. Chamada carinhosamente pela equipe de  Lady Liuwa . Este animal selvagem revelou o lado dócil que apenas emerge da solidão.

Nas planícies de Serra Leoa, na África, onde as estações do ano são dinâmicas e difíceis,  Lady Liuwa  se tornou conhecida pelos poucos habitantes humanos, como a última da espécie existente no lugar. E ficou famosa por vagar solitária em busca da sobrevivência e de um companheiro de sua espécie. Nas batalhas contra as ienas, que roubavam suas presas já capturadas, comumente; nas batalhas contra os homens, caçadores de troféus, e caçadores de outros homens também; em lutas políticas, revoluções, etc.  Lady Liuwa  era a mais famosa sobrevivente de uma guerra de outros, e que dizimou a maioria da vida animal selvagem daquele país.

Logo que a equipe de um fotógrafo chegou ao local, deu de cara com o que procurava: ela. E sendo assim a equipe, sem interferir no padrão natural de sua vida, seu comportamento, seus reveses e sorte, seguia  Lady Liuwa  de longe. A equipe esperava uma reação negativa do animal à presença do homem por perto, devido ao trauma sofrido por tamanho genocídio e violência aos animais de todas as espécies do local, cometido pelo homem.

Porém depois de algum tempo algo incrível se deu.  Lady Liuwa  passou a aceitar a presença desta equipe humana, especialmente a do fotógrafo. E o sinal evidente disto era que  Lady Liuwa  passou a caminhar ao lado do carro da equipe, e não raro, rolava pelo chão demonstrando afeto, numa tentativa canina de chamar a atenção, uma aproximação até. Mas quem é louco de se aproximar de um predador selvagem com até 3 metros de comprimento e dentes de 20 centímetros?


(Foto de Lady Leoa, tirada do site do Net Geo)


Um dia o fotógrafo, andando sozinho pela planície à noitinha, avistou Lady Liuwa, que nada fez. Não reagiu, não rosnou, não demonstrou nada além de um afeto longínquo, cauteloso, felino. Em seus olhos de tristeza o fotógrafo percebeu que havia uma conexão entre os dois. E na volta,  Lady Liuwa  o seguiu, e a partir de então passou a dormir junto ao acampamento.

Eu, tão acostumado a ver programas violentos, quanto em relação a animais, pela TV, fiquei tocado com este em especial. E nas tomadas de close de  Lady Liuwa , eu via em seu olhar, em sua postura, o seu lado humano, impossível de se notar quando um animal deste se encontra em grupo. E me dei conta de uma coisa que já havia percebido há muito: a solidão é um sentimento que humaniza, porque talvez seja ela a semente de um outro sentimento, dito apenas humano, mas que para mim pertence a qualquer indivíduo, de qualquer espécie: o amor.

Só sente amor quem tem a medida da solidão. Ok... Vão me achar contraditório, obtuso até. Não me importo. Não estou aqui fazendo apologia da dor, ou do sofrimento como redenção. Isso eu deixo para a Igreja Católica e demais similares. Estou apenas dizendo que nos olhos de  Lady Liuwa , havia inexoravelmente algo de humano, uma percepção do indivíduo que ela só conseguira ao ter todos os outros de sua espécie desaparecidos. Um caminhar decisivo na hora da busca predatória, porém a tristeza escapada da alma, derramada pelas suas pupilas leoninas ao sentar para devorar solitariamente sua presa. Uma aceitação de sua "sorte" quando, cercada por ienas, era obrigada a  largar sua presa e, diplomaticamente, entregá-la aos outros, sem lutar.

Sim, quando um animal é capaz de calcular suas chances, e de fazer uma escolha diplomática, é porque pensa como humano. Afinal,  nada é diplomático por instinto.  Lady Liuwa , é uma leoa que rolava no chão, à procura de um amigo humano, na falta de um de sua espécie. Estamos falando de um "leão", e não de um gatinho na rua!

No fim do programa a equipe consegue levar para perto de  Lady Liuwa , a duras penas, dois leões machos capturados a milhas de distância, em outro território, e são bem sucedidos. Agora  Lady Liuwa  possui dois leões machos para caçar, acompanhar, e quem sabe encher aquela planície selvagem de leõezinhos - tomara!

Neste mundo louco somos todos iguais. Humanos não são melhores que bichos. Todos sofremos traumas, todos estamos suscetíveis às intempéries da vida, ou proveniente dos outros, que podem nos fazer mal. Todos damos um passo na direção da evolução, muito mais de acordo com nossas necessidades do que facilidades. E nesta vida é muito importante saber identificar o que você é, e isso sempre remete à origem de cada um. O que se perde depois é apenas obstáculo, por mais que possa significar muito, em algumas situações, para cada um de nós.

Ver aquela leoa caminhando sozinha, subsistindo sozinha, existindo sozinha, me lembrou da dor de ser só, e da felicidade de muitas vezes não ser . Me avisou que o antídoto à solidão é o amor, e que talvez sejam tecidos da mesma matéria, do mesmo fio que nos compõe a única "coisa" humana que há, e que encontrei em  Lady Liuwa.  Um animal que "virou" gente.

E quantos homens utilizam a dor como culpada pela sua embriaguez... É vero que pode ser. Mas não precisa ser. O truque é utilizar a embriaguez como culpa para a dor. Transformar solidão em trabalho, trabalho em amor, e amor em vida.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Tempo e Sonho IV

O menino, como eu ia dizendo, não possuía meios de bancar seu tratamento. Um dia, me chegou com uma nota de cem na mão dizendo que gostaria de pelo menos pagar por alguma coisa, com tudo que tinha no momento. Claro que declinei. Primeiro que uma nota de cem não ia fazer diferença no meu orçamento caríssimo, de psiquiatra renomado, figurão, comedor de belas mulheres e caviar iraniano. Segundo, que não queria tirar o dinheirinho do pobre garoto, que ainda, pensava eu, era virgem e devia precisar do dinheiro para sei lá o quê. Mas obviamente perguntei a ele como havia conseguido cem reais de um dia para o outro. Considero essa uma pergunta importante, e um tanto curiosa para um psiquiatra no trato de um adolescente, visto que esse mundo está louco, e me interessa o seu comportamento. O menino então me respondeu sem pestanejar. Disse ele: "Sou cambista de banco."

Cambista de banco... pensava eu... Que diabos é um cambista de banco? Foi o que lhe perguntei, e ele logo respondeu, sem sorrir. "Eu chego no Banco do Brasil, peço à moça da entrada umas 20 senhas de atendimento no caixa. Ela já sabe do esquema. Eu dou a ela um troco depois. Aí, eu vou lá pra dentro, espero passar um tempo pra que as senhas já estejam quase na hora de serem chamadas, e monto minha "banquinha" num canto do banco. Muita gente até já sabe. Vendo cada senha por uns 5 reais para quem não tem saco de esperar na fila. Para quem está com muita pressa vendo até por 10 reais. É claro que o banco tem que estar bem cheio para que meu comércio funcione. E já fui expulso de algumas agências, e até banido, jurado de morte pelos seguranças etc. O senhor sabe quantos Bancos do Brasil existem na cidade?"




Pasmem. O moleque era um gênio. E bem naquele momento percorreu-me uma alegria que seguiu-se a um arrepio na espinha e um ventinho bobo no ouvido. Era o meu amigo ancião e barbudo, vulgo Sigmund, para os íntimos como eu, que aparecera para me dizer algo. Pedi um momento ao menino e fui à cozinha, pois é o que eu faço quando vejo Sigmund, geralmente, e estou em meu apartamento. Me pediu uma pêra, o Sigmund. Não entendi nada. Disse-me apenas que se a pêra tivesse sido a fruta proibida, a história de Deus teria sido diferente. Não entendi mesmo. Riu, uma risada cocainômana, e sumiu como nuvem.

Voltei para o sala onde atendia meu jovem paciente. Mal sentei em minha confortável poltrona de couro de bizão norte-americano, o menino começou a me revelar como havia perdido a virgindade naquele mesmo dia, de manhã. Naquele momento notei um certo constrangimento normal do garoto. E pensei como a sexualidade é realmente a coisa mais importante no ser humano, depois do dinheiro, é claro. Pois quem não tem dinheiro não pode ter nem sexualidade. E entendi o pensamento de Sigmundo sobre a maçã sendo substituída pela pêra. A pêra tem a ponta que a maçã não tem. E tudo que tem ponta é sexual. Uma bola perfeita serve apenas para se jogar futebol. Até os seios femininos necessitam de ponta. A ponta é símbolo da vida e da procriação, seja ela uma ponta passiva ou ativa, no caso, fálica. A ponta é o conflito do círculo, e... algo que eu ia dizer e realmente acabei de esquecer, uma pena...

Mas voltando ao meu jovem paciente, é incrível como um menino com tamanha cara-de-pau, capaz de comercializar senhas dentro de um banco, pode sentir mais vergonha ao comer uma mulher pela primeira vez. Claro que isso se deve à figura materna. O mundo é um círculo, assim como é  a vida. A mãe é a ponta da pêra, é o que diferencia as pessoas umas das outras. Talvez por isso se use tanto a expressão "É a mãe! Mas chega de pensamentos parasitas. O menino interrompeu meu fluxo cerebral e começou a contar rapidamente a sua história - como forma de vencer a própria vingança de ter comido uma mulher pela primeira vez (É a mãe!). Mas achei interessante a história, porque começou a me contar onde foi, como foi que descobriu o lugar, quem o indicou, e que havia ido sozinho embora sua mãe tivesse alguma vez o alertado sobre o perigo de ser sequestrado e vendido como escravo branco em países da África (por que será que só as mães falam dessas coisas nestes momentos?). Bom, o menino chegou no puteiro, que era de quinta... Tocou a campainha, e foi logo atendido por uma mulher gorda com uma verruga no queixo e óculos de Woody Allen (ele de novo.. pensei eu). O menino ficou à espera da puta se refrescar e se aprontar. Quando entrou na cabine foi como se tivesse entrado numa câmara de gás. Seu coração, ainda coraçãozinho, pulava em vez de bater. A puta não era nem bonita nem  feia, mas era fácil (coisa que logo no ínicio dos Tempos o Homem aprende a dar valor). Tiraram a roupa burocraticamente. Quando a puta deitou na esteira, fez assim com os braços na direção do menino e disse: "Vem, amorzinho." (Silêncio) O menino então respondeu de forma incrível e sucinta: "E os prolegômenos?" Nesta exata hora Sigmundo apareceu do meu lado e disse: "É gênio! mas não adianta tratá-lo, amigo, não tem cura, ele será advogado..."



De repente tudo sumiu, e a única coisa que eu via na minha frente era um cinzeiro de cristal, limpo, com um caroço de noz moscada dentro. Cortei-o com uma faca em partes, para facilitar a digestão e as engoli. Me vi de repente apaixonado por Gerúndia.

Gerúndia, era a velha que eu tratava. Minha paciente. E o amor que eu sentia por Gerúndia engolia elefantes. E de repente vi um imenso prédio, de mais de 30 andares. E eu sabia que Gerúndia se encontrava no décimo quinto andar. E eu, papai noel (estava vestido como), possuía  a missão de subir e entrar pela janela de Gerúndia levando na boca uma rosa e nas costas um saco cheio de sonhos. Este saco pesava muito, mas eu subia mesmo assim. Com minha avançada idade de uns 300 anos, e uma barba branca que às vezes agarrava em minhas botas de inverno, eu subia, e subia, e quase chegava no décimo quinto andar. E quando felizmente atingi o andar que me esperava, e botei as mãos na janela aberta, eis que a parte de cima cai em meus dedos, e com imensa dor me despenco de lá de cima do décimo quinto andar, com uma flor na boca e um saco de sonhos nas costas. Demoro um minuto apenas para atingir o chão, mas ao invés de atingi-lo, atinjo uma velha que carregava um guarda-chuva de florzinhas roxas. Esta velha era Gerúndia! Não sobreviveu ao choque, mas salvou minha vida, e assim eu pensei, por um momento que me salvara por amor, e não acidente. Mas não seria o amor uim acidente, de qualquer forma?

De qualquer forma, entrei em coma. Fiquei  em estado catatônico por 10 dias sem poder atender meus pacientes. E nenhum deles apareceu para se consultar. Quando passou o efeito de meu coma, levantei e fui para  a cozinha. Havia me dado vontade de comer um pão com manteiga e caviar. Lá estava Sigmund...

(continua...)

sábado, 17 de dezembro de 2011

Tempo e Sonho III

Todo psiquiatra, bem como qualquer um que lide com o ofício de curar mentes neuróticas, também é um neurótico. E uma coisa é certa: adoramos tudo sobre o Woody Allen. Ele é o Dostoievski contemporâneo, e é engraçado. Não possui o ranço dos russos cheios de neve, e é judeu, o que o torna mais engraçado ainda, e inteligentíssimo. Não fosse judeu não seria nada. Tenho um paciente do qual não cobro um vintém. Pois ele não tem acesso a dinheiro ainda. Tem apenas 15 anos e está sentado no meu divã neste exato momento. É um adolescente, mas tenho certeza de que quando olho para ele estou olhando para o Woody Allen. Embora sua família seja rica, dona de concessionárias de automóveis, o tratam como o filho pródigo que veio na hora errada. Acho que sou o único com quem ele profere palavras.

Tem 15 anos e, juro por Jesus e toda a sua trupe, não faço a menor ideia de como ele entrou no meu apartamento, visto que estava sozinho e ele não possui a chave. Quando entrei ele já estava lá. Mas também  isso não importa . Pedi um minuto para ir ao banheiro, e ao invés disso engoli um caroço de noz-moscada. Só a noz salva!



Não costumo relatar as conversas que tenho com meus pacientes, mas essa é necessária. O moleque é astuto. Me contou que colocaram no rol de entrada do prédio dele uma árvore de natal. Estamos em época de natal, não é? Pois bem... continuando. Colocaram uma árvore de natal que parecia uma rave cheia de exctasy, sei lá como se soletra isso... Bom.... semana passada o menino passava pelo corredor, onde fica a árvore piscante, e deu de cara com a  síndica do prédio. O menino pediu um minuto de atenção, encarou a horrorosa e amedrontadora velha  e disse:

- Cara senhora, gosto do natal, acho as árvores cintilantes lindas, porém não acho justo que meus pais sejam obrigados a contribuir com os seus custos através da taxa do condomínio, portanto gostaria de solicitar o abatimento do que não nos é devido.

A senhora horrorosa respondeu impávidamente, quase sem mexer as feições, repletas de botox:

- Amiguinho... todos no prédio são responsáveis pela árvore. Ela é para todos e portanto foi comprada por todos, inclusive seus pais, os quais não podem utilizar de tal abatimento.

- Minha senhora, com todo o respeito à sua religião, mas eu e meus pais somos judeus, nós achamos linda a árvore, e não possuímos qualquer tipo de preconceito, porém não pertencentes à sua religião não nos sentimos na obrigação de contribuir com os custos e compra de linda árvore.

A velha conseguiu mexer uma célula botuliforme e mandou na lata:

- Queridinho... Seus país serão cobrados sim, enquanto a árvore piscar.

O menino respondeu agora com um jeito engraçado:

- Minha flor... A árvore pisca porque quer, não porque meus pais assim desejam. Portanto eu peço o abatimento...

Foi interrompido pela desagradável mulher:

- Amor... enquanto a árvore piscar, toda vez que seus pais passarem por ela, eles terão que pagar por isso!

(silêncio tenso e constrangedor)

- Querida.... eu não pago nada cada vez que passo pela senhora e sua boceta pisca, não é?

Foi o que ele disse. O resto do relato faz-se desnecessário, pois o que importa na vida não são as desgraças e sim as suas razões. Pelo menos para os psiquiatras como eu.




Esse mesmo menino, me contou que seu maior medo não era o de morrer, e sim de morrer virgem. Isso me remete de novo ao bom e velho Woody Allen. Woody com certeza morre de medo de morrer. Não há dúvidas que sua obra tão vasta e insistente continua a existir, ano após ano, pelo simples fato dele morrer de medo de morrer. Morrer de medo de morrer é por sí só uma frase engraçada. Uma tremenda e quase redundância nonsense. Pense bem... Mas não é a toa que o velho Woody, já ancião Allen, tem o T.O.C. de lavar as mãos a cada segundo, e sempre cantando a velha canção "Happy Birthday to You..." duas vezes seguidas. Pois sabe-se que isto determina o tempo necessário para que todos os germes desapareçam numa lavada de mãos.

O maravilhoso do Tempo é justamente isto. Como um sujeito pode ter medo de criar vida enquanto outro possui o medo de descriar vida. E quem sofre são os germes que nada têm a ver com isso, e que afinal, sabe-se muito bem, constituem a maior população do planeta. Acho que uma visão mais humana da teoria da relatividade de Einstein seria a questão da perspectiva de cada olhar de acordo com a sua velocidade no Universo. É óbvio que ao ficarmos mais velhos tudo nos existe de forma mais lenta, e assim exstimos lerdos como podemos ser, até que um dia paramos e pronto. Portanto a visão do Woody é a mesma que a do menino de 15 anos sentado em minha poltrona divanesca. Apenas o movimento das coisas entre estes dois personagens muda, de tal maneira a criar uma ilusão, à qual cada um acredita e enxerga de sua forma e perspectiva. No fundo somos os mesmos. Seria uma teoria absurda, seguindo o contrário do pensamento filosófico grego de que um rio nunca é o mesmo rio, uma vez que as águas correm.

Mas outra história deste menino muito me obstinou a entrar mais a fundo em suas neuroses tão nervosamente humanas...


(continua)


segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Cabeça de Vulcão

As vezes me dá uma tristeza que é como pedra. Saída de um vulcão que não sei definir ainda, e que com o tempo vai ajuntando mais pedras à sua volta, e vai me rodeando, e me circulando, e prendendo meus pés, e me envolvendo as mãos, e me sufocando as narinas, e me agarrando os cabelos, e invadindo meus ouvidos, e quando de repente percebo, sou eu, pedra também.

As vezes me dá um medo de que esse vulcão que me flagela com sua chicoteada inerte e causticante, ao mesmo tempo que, se me constrói, vai me apagando, apagando, e em determinado momento desapareço num monte de  granito de magma.

E sinto que esse vulcão é feito de sabedoria e experiências. Que vai cuspindo em mim todas as bobagens, todos os erros que cometi, como se eu fosse um presidiário de minha própria cadeia. E com esse cuspe de dureza pétrea, vai me ensinando como regar um jardim chamado Eu. E sinto então, um medo terrível, e que me consome todas as noites, e todos os dias, que é o medo de apenas descobrir a Minha Verdade no momento derradeiro de vida. Que é como ser enterrado vivo. 


Seremos todos um dia enterrados vivos pelas nossas próprias verdades cuspidas de nossos vulcões de vida. À cada vez que compreendemos, mais somos enlaçados na impossibilidade advinda do tempo. Se eu tivesse 12 anos não teria perdido a virgindade num puteiro... não teria buscado amor no lixo...não teria viajado sozinho sem saber o que acontecia aos meus pais...não teria me deixado sucumbir apenas à educação de terceiros, mesmo que com amor... se eu tivesse 15 anos teria mandado todos os meus professores à merda, e teria perdido o ano com dignidade de quem sabe o que quer...se eu tivesse 25 anos, eu saberia como realizar o meu querer, como sei, ou pelo menos tenho esperança de que sei...agora. 

Não temos idéia de nada. Nem nunca tivemos, nem nunca teremos. Nem nossos pais tiveram, nem terão neste exato momento. A idade não vai apenas nos envelhecendo e nos deixando para trás. A idade vai deixando os outros para trás, e antes que nos demos conta, venceremos a corrida, e estaremos sozinhos. Envolvidos pela poeira da pista, pelo público maldito, tentando nos jogar de cima de um pódio surrealista.

Tenho medo quando lembro que João Cabral de Melo Neto, o grande poeta do concreto, do "não-amor", do niilísmo vulcânico, morreu rezando e implorando perdão a um Deus que não acreditou durante toda uma vida e obra.



Tenho medo de um dia entender a vida quando me for tarde demais. E tenho "admiração" pelos ignorantes, que pensam chamar a atenção do mundo com aforismos tirados de livros de banca de jornal, e que provavelmente nem entendem o peso, a massa, a pedra com que foram enlaçados os intelectuais (de verdade), proprietários de tais aforismos. Se um idiota paga 10 reais pra postar num "site de relacionamentos" coisas que ele pensa entender. Esse idiota, por exemplo, morre e não sabe. Sorte dele, não é? Ser um otário completo e não saber. Um brinde à idiotice de alguns! Clap! Clap! Clap!

Acho que um dia, se eu chegar aos 95 anos, que pretendo, no meu leito de morte vou temer gritar "eureca!". E vou temer achar que estarei gritando, quando na verdade estarei sussurrando ao mundo minha tardia descoberta . Terei sido coberto por completo pelo meu próprio vulcão de vida, explodirei como uma supernova, e espalharei as cinzas do conhecimento pelo Universo, em meu próprio solo. E de lá, quem sabe, brotará, um ramo de alecrim.




quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Tempo e Sonho II

Quando abriu a porta, teve por um instante, a sensação de náusea no fígado. Deve ter sido a noz moscada e o uísque, e pensou: "como é bom e difícil morar sozinho". A velha se encontrava prostrada, sentada na cadeira de vime da ante-sala que continha o elevador.  Seu olhar de desdém fixos deram lugar a um olhar grande e amarelado, e por um segundo ela se transformou mesmo num avestruz. Teve que colocar a mão na cabeça, que doía imensamente, e pedir desculpas. Ela foi levantando-se com ajuda de uma bengala de madeira de lei, ao mesmo tempo que reclamava da demora no atender da porta, que havia tocado a campainha uma centena de vezes, e etc. Ele não se recordava disso.

É sempre melhor chamar uma mulher de "linda" do que de "gata", aconselhava o seu laptop. Gera uma sensação de cavalheirismo sem roubar a sedução do malandro. Mulher gosta de homens espertos, e odeiam cafajestes, dizia o laptop para ele. Quando abria o laptop uma luz irradiava dele, como uma energia, uma radiação, e com ela surgia um oráculo que respondia suas dúvidas, e muitas vezes traçava a linha psiquiátrica que destinava aos seus pacientes.



Acho importante que a velha se mude para uma fazenda, e comece a reproduzir avestruzes. Esta seria a maneira prática de constatar que os pobres animais não a querem sexualmente, pelo contrário, querem uns aos outros. E ainda é algo lucrativo! Dizia o laptop. A velha foi dispensada em apenas vinte minutos de análise psiquiátrica. Receitou a ela esteróides e uma alimentação baseada em carne de boi e muita creatina.

Nos seus dias de folga passeava pela orla do Recreio, onde não morava. Dirigia até acompanhado de seu chofer. Mas quem dirigia era ele. Conversavam horas a fio sobre diversos assuntos, e seu chofer tinha cara de pivete. Quando estacionavam o carro na orla do Recreio o chofer já havia desaparecido, e ele sem entender, ficava meio zonzo, fechava e trancava  a porta do carro importado e seguia sempre para aquele banquinho do calçadão - sempre o mesmo.

Sentava no banco, abria o seu caderno de anotações, e começava a rascunhar remédios e tratamentos e observações sobre seus pacientes. Quando possuía dúvidas sempre olhava ao longe esperando a chegada do grande velhinho. O velho barbudo sentava ao seu lado e tecia as melhores formulas e opiniões sobre os casos, um a um. Conversavam como loucos, e de repente sumia como nuvem. Então ele levantava, voltava ao seu carro importado, onde o chofer pivete já o esperava pronto para voltar pra casa. No caminho engolira uma semente de noz-moscada.

Possuía cinco pacientes. Um senhor de meia idade, uma garota de uns 20 anos, a velha de idade bem avançada, um menino de 15 anos recém desvirginado, e um senhor muito distinto de uns 60 anos. Todos bem tranquilos, talvez com exceção da velha cismada com avestruzes sexuais.

Quando chegou em seu prédio, subiu até seu andar, entrou em seu apartamento e se encaminhou para a biblioteca, lugar onde costumava atender seus pacientes. O garoto de 15 anos já se encontrava sentado numa poltrona o esperando atentamente.


(continua...)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Tempo e Sonho


Quando Jonas teve sua primeira alucinação foi assim: duas doses bem servidas de uísque com gelo e uma bolinha de noz moscada suavemente ralada e colocada dentro da bebida. Foi um estouro. Havia lido sobre as propriedades alucinogênicas do tempero, e como era uma pessoa de oitos ou oitentas resolveu botar pra foder. Foi realmente um estouro. E como dizem que as alucinações sempre são algo como uma mistura mística do Universo e nosso inconsciente, a primeira sensação que teve foi a de se transformar num mosquito. Escorregou pelas paredes de cristal do lindo, e trabalhado copo de uísque, inexoravelmente até o líquido amarelo, agora meio escuro devido à influência da noz. Se lembrava de  tentar se agarrar num iceberg de gelo, sem conseguir, e ao mesmo tempo que deslizava ao líquido, o copo fazia movimentos circulares como se alguém tentasse misturar a mistura e sorvê-la. E de repente, quando suas asas também já se empapuçavam de álcool sentia o copo tremular e inclinar como um avião que fizesse uma curva, e num momento rápido vislumbrou de cara o vermelho de uma boca e um bigode esbranquiçado, e quando viu melhor notou que era ele mesmo quem próprio começava  a virar o copo para dentro da boca vermelha,. A língua pastosa e branca do álcool... Era ele mesmo que se auto-ingeria. Começou a gritar, e viu que isso não era possível, pois mosquitos não gritam, e de repente acordou quinze horas mais tarde na banheira de seu apartamento na praia do flamengo. Uma banheira imensa do melhor granito que havia no mercado. Acordou quase afogado e com uma imensa dor de cabeça, sem saber direito como foi parar lá.


Levantou trôpego, se enxugou na toalha, deu uma breve olhada no espelho e constatou olheiras cadavéricas azuis - a onda não devia ainda ter passado completamente, assumiu. Mas a razão já havia voltado e dentro dela ele pensou o quanto talvez estivesse indo longe demais em suas experiências. Até porque eram solitárias como ele sempre fora. Apenas cercado de pacientes que precisava atender de qualquer maneira, pois pagavam muito, e muito bem mesmo, por quarenta e cinco minutos de seu tempo e suas palavras. Olhando em seu Rolex jogado no mármore perto do espelho confirmou que possuía apenas dez minutos para escovar os dentes e se preparar para o paciente do dia. Aquele era um dia morno, calmo, perfeito para experiências de noites anteriores.

Foi se vestir, e no momento em que se vestia a campainha deu quatro toques simultâneos e rápidos. Devia ser aquela velha de bosta, viciada em cricket, e que sonhava todas as noites com um avestruz a perseguindo sexualmente. Lembrou-se que a louca chegava todas as vezes antes da hora, e que isso o incomodava plenamente. Pois era oito ou oitenta, mas não suportava isso em outras pessoas que não ele. Ele era o médico, então, caralho!, ele marcava a hora e gostava que atrasassem, porém que nunca chegassem antes. Se vestiu rapidamente, suas olheiras ainda estavam azuis (para ele) e foi ao encontro da porta pelo imenso corredor repleto de tapetes persas já carcomidos, porém de valor inestimável. Girou a chave e abriu a porta.

(Fim do primeiro capítulo)

sábado, 3 de dezembro de 2011

O dia em que tentaram me pegar

Me pegaram desprovido de tempestades
Criei então tempestades
Me pegaram desprovido de mares abertos
Criei então ondas
Me pegaram isento de lacunas, de subterfúgios
Criei então os versos
Quiseram me pegar de todas maneiras
Me atirar num calabouço e calar minha boca à escuridão
Criei então a música
Me pegaram com seus braços de ilusão
E suas amarras de olhares
E suas cadeiras de ferro, e seus interrogatórios de vento
E suas palavras de caldeirão, e suas mágoas de bocas abertas
Me pegaram sim, mas não me pegaram
Pois incólume é o amor, transparente é a música
E escorregadia é a alma

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Esperança

Existe alguma coisa de algodão nesse chumbo que eu não sei o que é. Algo de irrespirável que alivia, nuvens de cigarro por onde passam aviões pelo meu céu. Beleza de estátua, beleza querendo se movimentar e ao mesmo tempo presa na pedra de Carrara. Uma pessoa pintada de prateado em cima de um pedestal na Av. Nossa Senhora de Copacabana esperando que um vintém caia e um vento mais forte a derrube.

Existe em você a explosão das super-novas, e a inércia das nebulosas coloridas. A abdução pela própria vida prejudicial à a própria vida. O abuso de si mesmo disfarçado de beijo. O dedo em riste ao mesmo tempo apontando ao horizonte. A falta de noção da luz que reside na treva, e a inteligência dos beduínos que se cobrem de negro para acumular o calor do deserto.

A pinta que na verdade é maquiagem. A vida que na verdade maquia. Os desejos incontidos numa massa de modelar de criança que gruda no tapete e não sai mais. Existe em você uma cauda de elefante maior que a tromba, e uma árvore tão grande, mas tão grande, tão inatingível de alta, que vai além da estratosfera, escapando do oxigênio e sufocando a si própria.



Existe em você um campo de futebol vazio, com um estádio cheio, e os jogadores tentando destrancar a porta do vestiário que ficou presa num cadeado enferrujado. Existe em você um engarrafamento monstruoso e um guarda enlouquecido fumando maconha por detrás de um arbusto.

Há em você os mistérios do ser-humano. Há em você seres humanos misteriosos. Existe em você a vontade de seguir não se sabe pra onde. As catástrofes cobertas de flores. Os abismos cobertos de cores. Os sonhos tão fáceis de não serem atingidos. Há um caminho de labirinto, mas que na verdade é reto e sem fim. Há que se livrar da sua própria kriptonita histórica. Existe em você...

Há um mistério contido nos seus olhos de seda. O mistério dos bichos que tecem seda. Há uma esperança nas mãos. E, por fim, há uma desesperança latente que um dia há de te salvar.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Aletro e a Maldição de Zeus

Existia numa pequena cidade na costa do mar Jônico, na Grécia, um casal de camponeses que por se amarem da maior forma possível, e por tantos anos, um amor perfeito, provocaram assim a inveja de Zeus. Zeus então lançou sobre eles cada vez mais dificuldades que iam tornando suas vidas difíceis e colocando deste jeito, em prova, o seu amor. Porém a cada dificuldade, mais unido o casal se mantinha, e seu amor era cada vez mais sólido.



Um belo dia este casal teve um filho, fruto de seu amor intocável. A criança foi chamada de Aletro. Zeus, ao ficar sabendo da notícia, mandou um mensageiro ao casal, levando a eles um pergaminho com uma mensagem. "Por causa de seu amor incólume aos meus desejos, lançarei um desígnio ao seu filho, sendo o qual, ele não deverá procurar amor em lugar algum, ou em qualquer pessoa, nunca! Ao invés, o amor terá que procurá-lo, e nunca o contrário. E que se, por ventura, seu filho desrespeitar esta ordem será punido com a pior das lástimas provenientes do amor: nunca encontrá-lo."

Aletro cresceu e se tornou jovem e forte, porém seus pais sempre o preservaram de seu destino, pois tinham fé que com uma criação repleta de amor, e com sua beleza e juventude Aletro, facilmente não precisaria procurar amor. Este viria a ele facilmente. Porém Zeus vendo o crescimento saudável de Aletro, e com muita inveja de seus pais, fez com que Aletro encontrasse, em seu caminho, um cavalo dotado de poderes mágicos, chamado Solidão. Aletro se afeiçoou ao cavalo, que era negro, forte e lindo. E assumiu Solidão como um fiel amigo, que o levava para onde ele "achava" que queria ir.

Solidão e Aletro eram inseparáveis. E formavam a perfeição como dono e cavalo, e cada vez mais, um parte do outro, iam juntos a todos os lugares. Porém, sempre que Aletro tentava cavalgar para o Vale das Flores, onde o Sol brilhava e inundava os corações de amor e luzes de possibilidades, Solidão de alguma forma desviava o caminho e subia às Montanhas das Neves Fluorecentes, lugar inóspito, bem longe de tudo e de todos. 


Nestas montanhas nada havia de interessante, apenas neve confusa e adstringente aos olhos, e no cume a casinha pobre de um ancião, o velho Esperança. O velho passava os dias desenhando calendários para marcar mais dias, e cozinhando bolos de vento. E numa dessas viagens de Aletro às Montanhas das Neves Fluorecentes, Solidão deu de cara com a casa do velho, e sem saber quem ele era, deixou que Aletro fosse de encontro a ele.

Aletro, então, bateu à porta do velho, que o recebeu com café quente, e bolinhos de mel. E durante a conversa Aletro contou ao velho de sua vontade por cavalgar o Vale das Flores, e de sua impossibilidade de sempre seguir naquela direção, sem saber o porquê. O velho, que era uma espécie de mago alertou Aletro, mostrando a ele que, de fato, era o seu cavalo, Solidão, que sempre o levava para aquelas bandas inóspitas, de propósito. 



Aletro se encheu de indignação e tristeza, saiu da casa do velho pela porta dos fundos sem que Solidão o visse, e quando começava a seguir uma trilha que levava para longe daquele lugar deu de cara com uma flor. A única flor que incrivelmente resistia àquelas temperaturas gélidas. A famosa e raríssima Edelweiss. Aletro se apaixonou imediatamente por Edelweiss. Pois esta era uma flor especial, tão especial que era a única que conseguia sobreviver naquele ambiente e ainda assim ser a mais linda, a mais forte, a mais adaptável das flores de qualquer lugar. E que possuia uma cor linda, e uma presença contagiante. Aletro e Edelweiss se identificaram logo que se encontraram. E foi amor à primeira vista.

Aletro pegou Edelweiss em suas mãos com todo o carinho do mundo e voltou para a casa de Esperança que disse a ele: "Preste bem atenção, Aletro. Encontrou amor, mas isso não o livrará de seu cavalo..." Aletro não entendeu bem o que o sábio ancião dizia, agradeceu, se despediu e foi ao encontro de Solidão, esporeando-o e ordenando que saíssem logo dalí e voltassem para a casa de seus pais. Foi tanta a empolgação, que Aletro nem olhou para trás. Esperança apenas o mirava pela porta entreaberta, e com seus olhos azuis e sábios, o mirava, e pensava, pensava, pensava....



Aletro cavalgava Solidão com vontade. Desciam as montanhas com velocidade intensa, feliz por encontrar amor. E assim foram correndo e cavalgando as estepes frias até chegar no sopé quente, perto da região de sua casa. E durante o caminho à sua casa, seguiu Aletro, feliz da vida. Quando enfim chegou botou a sua mão no bolso para pegar Edelweiss, porém ela não estava mais lá. Aletro então olhou nos olhos de Solidão e sentiu-o rindo por dentro e quieto por fora. E foi aí que Aletro se deu conta das palavras do ancião e as entendeu. Edelweiss era a mais maravilhosa das flores, porém pertencia às montanhas nevadas e inóspitas. Ela não aguentara o calor das planícies. E olhando de novo para Solidão, entendeu porque o cavalo ainda estava ali, lindo, de pé, negro e brilhoso, fitando com seu olhar de grandes e certeiras pupilas. E Aletro teve certeza naquele momento de que o olhar de Solidão sugava todo os seus sonhos, e o reduzia a um niilismo desumano, e pior! Solidão ainda estava ali, de pé, maravilhoso e altivo, não havia desaparecido, assim como o ancião previra, ele, Aletro não se livrara do seu cavalo...



Aletro então saiu de lado, e pegou emprestado o cavalo branco de seu pai e que se chamava Temperança. Montou-o e saiu cavalgando Temperança, enquanto seu pai balbuciava as palavras vindas de Zeus, e  que Aletro não chegou a ouvir....

Aletro dirigiu-se ao Vale das Flores decidido a encontrar um amor. Sensível que era, forte e bonito, sabia que encontraria, porém, não sabia de sua maldição. E depois de dias, meses, e anos, Aletro voltou para casa coberto de flores, porém nenhuma era como Edelweiss. Aletro, então já não possuia a juventude de outrora, nem a flor que queria de verdade. Entrou em casa e ouviu de seu pai a estória da maldição de Zeus, e correu para o campo e gritou e imprecou a Zeus que aparecesse e duelasse com ele. Vendo que Zeus não apareceria e percebendo a sua insignificância, Aletro pegou a espada que empunhava e com o coração cheio de mágoa e tristeza ante à sua sina,  tentou se matar.

Zeus, então levantou de seu trono e parou Aletro com a seguinte frase. "Aletro, meu caro... Amor não se busca, se encontra." "Como não conseguiu da primeira vez e não teve paciência para esperar a segunda vez, lançarei outra maldição sobre sua cabeça humana: Não poderá nunca morrer de amor! Nem que queira ou que tente! Passará a eternidade a sofrer até que o amor o encontre, pois a faca nunca há de trespassar suas costelas pelas suas próprias mãos."

Naquele momento Aletro já havia se apunhalado diversas vezes sem que em nenhuma delas fosse causado qualquer tipo de ferimento ou dano. Não era imortal. Não havia se tornado imortal, apenas sua solidão, esta sim seria imortal enquanto ele, Aletro, procurasse o amor que existia fora de si mesmo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A Roleta Russa

Num prédio de uma rua qualquer, de um bairro sujo, havia um quarto de ângulos esquisitos e paredes sujas, iluminado apenas por uma lâmpada amarela, dependurada no teto por um fio torto e cinza.  Em alguns pontos, restos de papel de parede cor de rosa-chá brilhavam ante a luz amarela diabólica que caia sobre a fumaça nublada que entrava com o inverno de São Petersburgo. E numa prateleira cheia de livros, um corvo descansava numa gaiola. Do lado de fora não se via nada além da névoa impenetrável. Apenas um pequeno aquecedor ajudava a iluminar o quarto, com seu brilho vermelho de metal em brasas, e aquecia a borda da mesa redonda de madeira carcomida por cupins, onde três figuras sentavam atônitas: o jovem Tchecov, o velho Dostoievski, e o maduro Tolstoi.




Atônitos porque no meio da mesa redonda e carcomida apenas um objeto reinava ante as três importantes figuras: um revólver calibre 38. No revolver, que poderia conter no máximo seis balas, havia apenas uma bala. O revolver já havia passado, por três vezes seguidas, pelas mãos dos três, o que significava que cada um já havia iniciado uma rodada, e que a sorte ainda rondava o ambiente protegendo-os. Mas até quando? 

A cada rodada um começava. E agora era novamente a vez de Tchecov. Com o olhar infeliz, de quem sabe tudo, porém nada ainda tirou da vida, Tchecov aproximou vagarosamente as duas mãos tocando o revólver. Suas mãos tremiam e não era por causa do frio que entrava pela janela manchando o corvo de branco. Ante os olhares dos outros companheiros literatos, Tchecov empunhou a pesada arma como se ela pesasse uma tonelada, e com os olhos vidrados de cansaço e desesperança, apontou-a para a própria têmpora e sem pestanejar apertou o gatilho. Não houve tiro.




Um ar de alívio deixou suas narinas como se a bala tivesse enfim saído do cano. - Chega! Não aguento mais essa pressão toda. Se não conseguimos morrer, porquê continuamos tentando? - disse Tchecov. 

- Calma. Você ainda é jovem demais. Sua carreira, até então, nem deu os frutos que dará. nem o Monge Negro ainda acabou. Está com medo de perder a chance de se tornar o melhor contista russo? Calma, você não morrerá. Se algum de nós há de morrer, que seja o velho Dostoievski. A sorte é cega, porém justa. Tenha esperanças no gatilho, meu jovem Tchecov. - disse Tolstoi.
- Porquê me odeia tanto, Tolstoi? Tem raiva por não ter vivido as minhas experiências numa cela fria? Sente inveja por não ter tido a oportunidade de poder retratar em palavras tantos personagens amargos? Pois preste bem atenção, que eu já passei por isto antes e de forma bem pior. Medo de morrer não tenho, e meu vício sabe muito bem que não será de bala de revólver. - disse Dostoievski.
- Calemos a boca! Você não perde por esperar, meu caro Dostoievski, que agora será minha vez. Caberá ao destino querer Ana Karenina viva ou não! -  disse de forma arrogante, Tolstoi.




Este pegou a arma como se fosse um soldado. Com força nos braços. Seus músculos se retesaram mais que árvores pelo gelo que descia do céu, e rapidamente levando o cano do revolver ante à face, fez uma careta de louco de absinto, e enfiando o cano na boca apertou o gatilho antes que qualquer respiração soasse. Mais uma vez apenas ouviu-se o "tlec" morto da arma. Tirou o cano da boca com um sorriso, e a certeza de ter assassinado o grande Dostoievski.

Nenhuma palavra foi dita.

Dostoievski levantou, se ajudou da bengala que trazia encostada na cadeira, e andou como um ancião até um móvel de mármore tosco e enegrecido, que havia num dos ângulos irregulares do recinto. Pegou a garrafa de vodca que havia trazido, abriu-a e tomou um grande gole do gargalo. Não ofereceu aos demais. Abriu a gaveta do móvel e encheu sua mão com fichas de jogo. E disse: - Se der verde hei de viver; se der vermelha morrerei. Fechou-as numa mão e levou calmamente até Tchecov, e pediu que fechasse os olhos e tirasse uma ficha. Deu verde.

Tolstoi gargalhou até pigarrear encostando sua testa nos joelhos. Tchecov tremia absorto num suor proveniente do medo e do amor que sentia por Dostoievski, tanto quanto pela sua própria vida. Dostoievski, sem sorrir, se virou, caminhou irregularmente até seu lugar na mesa, e de pé tomou o revolver em suas envelhecidas e enrugadas mãos. Calmamente levantou o revolver, revelando uma força a qual os outros não acreditavam que ele, naquele momento,  ainda pudesse ter, e empunhou, e apontou o revólver para a própria testa. Horas pareceram se passar, mas foram apenas uns dois minutos de espera. Dentro dos quais ouviu-se a risada eufórica e louca de Tolstoi dizendo: - Pode apertar o gatilho, velho, a sua ficha é verde, você não há de morrer, sortudo!

Logo após a frase mal dita, o velho Dostoievski, com uma rapidez de criança retirou o revolver de sua própria face e naquele momento ouviu-se um estrondo de bala. Olharam para o lado, onde jazia sem se mexer e quase completamente embranquecido o corvo que congelava na janela. Apenas um filete de sangue escorria pela parede gelada.

Então disse Dostoievski: - Meu caro amigo Tolstoi, há que viver muito para aprender a sorte das fichas. Há que se viciar muito, ainda, para que consiga escrever uma estória sem palavras. Apenas os atos nos contam coisas, e preste bem atenção. Sou velho mas ainda não estou congelado como aquele corvo estava. 



sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Alma

Quando bebo uísque
Não sinto a ponta dos meus dedos
E isso é bom...
Acho que não sinto a ponta dos meus dedos
Porque talvez
Quando eu beba uísque
Não sinta a minha alma
E isso é bom...
Isso é bom...
Talvez porque a alma não seja leve
Como deveria ser
Talvez a alma pese
E nem por isso é algo ruim
Mas não é aquilo
Que pregam as religiões
E sim aquilo que você carrega
Todo dia consigo mesmo
E que ao mesmo tempo que te faz voar
Pesa



terça-feira, 8 de novembro de 2011

A República dos Jabutís

Meu nome é Girimum. Que significa abóbora, não a cor, mas o fruto, só que o fruto é abóbora, que também é cor, embora eu seja verde, pois não sou uma abóbora, sou um jabuti. É isso aí, mermão. Sou um jabuti carioca por opção, ou acaso, ou sorte, que é a mesma coisa. E adoro jujubas.

Na verdade vim da África, não posso me considerar afro-brasileiro, não por ser verde, o que não teria nada a ver com o termo. Mas porque não nasci aqui, sou imigrante, mesmo assim esse negócio de ser afro-alguma coisa é idéia de americano, coisa chata pra caramba.
O lance é que eu vim nadando mesmo, fui caindo em correntezas cabralezas, apareceu um tubarão, tive que desviar rota, segui por atalho, bati com a cabeça no Atol das Rocas, fui descendo, descendo, peguei carona num pinguim otário e sem querer, quando fui ver, estava em ipanema. Olha só como é o acaso, né? Mais um pouco tinha caído em São Paulo, no Guarujá. Com certeza ia ter mais emprego. 
Sorte é um negócio que ou o jabuti tem ou não tem, cara. É o acaso. Vem e vai como marés.

Mas quando eu "desembarquei" aqui, rapá!...a areia tava meio sujinha, mas as mulheres...! Cada gata escandalosa. E os homens mal-educados que só eles! Vi uma gata do bumbum passar pela orla à toa quando de repente dois ciclistas ultrapassaram já mandando beijinhos e elogiando: "parabéns!. Sabe... sempre achei essa coisa de elogio coisa de babaca broxa e viado. Homem que é Homem não elogia, Homem que é Homem fica na sua e faz por merecer. Só quem não tem talento tem que ficar adulando e correndo atrás. Bom, desculpem, essa foi a impressão que eu tive. Sou um jabuti carioca por opção. 

Amigo... Eu cheguei num domingo de sol, e pra conseguir chegar no calçadão foi um inferno. Gente pra cacete. Fiquei louco pra tomar uma água-de-coco, mas não alcançava o balcão, nem dinheiro eu tinha, não ia adiantar. Me contentei com umas sobras jogadas no chão. Que povo porco esse. Tá certo que na África não é muito melhor não, mas me disseram que havia acontecido a tal da colonização, bla-bla-bla... mas minha primeira impressão não foi boa. Tirando as bundas, claro. Mas isso na África tem de montão.

Tomei um sol, dei uma esverdeada gostosinha...e parti pra luta por comida. Fui andando até o leblon, seguindo o conselho de uma piranha meio que perdida na água. Fui até um supermercado chamado Zona-Sul. Achei engraçado símbolo do coração e o nome Zona. Zona na África é puteiro, mas lá só tinha salame e queijo e um mundo de bacana comendo pizza. Me chutaram de lá. Literalmente. Um gerente com cara de viado...

Fui seguindo pra copacabana e eis que me deparo com o mesmo supermercado - Zona Sul! Mas esse não era só supermercado não, esse era zona-puteiro mesmo. Cruzei com uns travecos escolhendo uma linguiças, e uns boiolas escolhendo macarrão. Fruta quase não tinha, e o que tinha tava meio podre. Saquei logo que devia ser um bairro decadente. E de repente, quando já ia afanar uma latinha de manteiga, eis que me puxam de lado, e quando vi tava num buraco na parede, eu e mais uns 5 jabutis que nem eu. 

Juro que cocei os olhos pra ver se estava sonhando. Porra.... saí da África pra ser puxado por mais jabutis num supermercado-puteiro!? Fala sério, né? Mas um deles era uma jabutizinha boa pra caramba, e daí resolvi ficar com eles. Logo um deles começou a falar num castelhano muito do vagabundo. Me chamava de camarada, e a cada frase, três palavras eram "revolucion". Eu só queria uma manteguinha pra passar no meu pão...revolução é o caralho! Lá na África Chê Guevara é simbolo de maconheiro, e olha que lá é terra de revolução, você não faz nem idéia, amigo.

Aí eu falei pro cara: Você não devia estar de vermelho, cara? Jabuti que é jabuti não faz "revolucion" não, a gente faz é cocô nos outros. E ele respondeu: "Mas é isso companheiro, fazemos cocô nos outros mesmo! Nosotros somos terroristas de la mierda!" 

Eu já tava trocando olhares com a jabutizinha linda do grupo, nem dei idéia pra ele. Tava tentando convidar a "gata" pra passear entre os queijos, quando me pegaram pela mão e saíram correndo, se é que isso é possível pra gente como nós, jabutis, né.... Isso porque ia chegando o gerente viadão com os caras da limpeza. Me meteram junto numa tubulação de ar condicionado e eu acabei num cubículo no teto do pardieiro alimentício.

Sei que a galera "jabutonga" vivia lá como se vive numa colônia hippie. Mas só comiam alface, e só alface não dá forças para se fazer uma revolução. Sei que a cada dia que se passava um jabuti novo chegava. E ao longo de um mês nem cabia mais jabuti naquela espelunca cubicular.

Quando éramos uns 200 jabutis, minha respiração já havia esgotado e fui forçado a acelerar essa revolução. Saímos da toca que nem baratas e marchamos, e enquanto marchávamos as pessoas iam correndo de nojo, uns transexuais vomitaram, uns policiais sairam prendendo uns turistas, o gerente foi demitido e foi tanta cagalança de jabuti, foi tanta merda com formato de minhoca espalhada que o supermercado acabou sendo fechado para reformas. Isso gerou tal polêmica que toda a rede, incluíndo a loja bacana do leblon, acabou sendo fechada, pois as pessoas se recusavam a entrar. Tomaram nojo da marca Zona Sul.

Meu amigo jabuti vermelho ficou tão feliz que teve um derrame de felicidade - bebeu tanto rum que empacotou. E eu, que era o único jabuti que falava português assumi o comando da "revolucion". Meus compadres conselheiros diziam que o próximo passo teria que ser marchar discretamente para Brasília, e fazer a mesma coisa no Palácio do Planalto, que de lá é que surgia toda a merda do país, e que se quiséssemos que a grande frota jabutonga da África tomasse o Brasil, teríamos que encher o palácio de cocô também.

Então enquanto o supermercado permanecia fechado, nós fomos aglomerando a cada dia, mais de 200 jabutis. Ao fim de alguns meses era tanto jabuti que nem dava pra contar. Numa madrugada dessas, marchamos todos para fora do estado. Foi a maior "carreata" jabutonga jamais vista. Em 6 meses estávamos na frente do Palácio da Alvorada.

A entrada foi por um canal estreito que levava fiação por debaixo da terra. E por sorte adentramos por um buraco que ficava bem na parede ao lado do closet do presidente brasileiro - Dilmo sei-lá-oquê, algo assim... Dali pra sala do presidente foi um pulo de jabuti. E quando entramos na "sala oval" brasileira eramos mais de 50000  jabutis enfezados e prontos pra luta. Demos de cara com uma mulher, que mais parecia uma mondronga com um topete esquisito, e com cara de faxineira de bordel, porém muito bem vestida. Ela, sentada na poltrona do presidente, se levantou de um pulo só...e desmaiou. 

Começou então a grande cagalança revolucionária. Em cerca de 30 minutos o Palácio da Alvorada havia sido evacuado por eles e por nós. Só que em sentidos contrários. Era tanto cocô de jabuti que daria pra ver por satélite. E assim sendo, tomamos o país.

É claro que houve alguma disputa entre nós, mas por unanimidade, e por ser o único a falar carioquês, etc, etc, e tal.... eu fui posto no poder pela massa de jabutís. Formou-se no poder o PJ. Partido político que dava representação ao que éramos. Engraçado é que não houve luta contra nós, pois demos a sorte de a polícia estar em greve, e os políticos em recesso. E sendo assim,  tomamos o Congresso e o Senado e os enchemos de bosta de jabuti. O país era nosso finalmente!


Primeira medida: decidi então dividir o país em duas partes. Traçamos uma reta que ia mais ou menos do Maranhão até Santa Catarina. Na metade litorânea ficariam as pessoas de bem. Na outra metade seriam jogados os criminosos, os políticos antigos (todos uns ladrões), e os delinquentes. Nesta metade todos teriam que trabalhar em colheitas e viver de uma forma socialista sem liberdades, apenas trabalho e cama para dormir. Afinal, eram criminosos e pessoas do mal. Na outra metade permaneceria o povo honesto, trabalhador, enfim, as pessoas comuns em geral.

Deu certo por um tempo, mas começávamos a perceber que o lado dos maus ia cada vez mais se enchendo. E assim notamos que o funcionamento do país não dava certo. havia algo de podre no DNA do brasileiro. Para tudo havia um trâmite sinuoso, uma maneira escusa, um dinheirinho aqui, um lobbyzinho proibído alí... que mesmo aquelas pessoas de bem se encontravam suspensas e presas numa trama ideológica antiga e mal intencionada. Era como se o Brasil litorâneo começasse a se mudar oficialmente pra o Brasil delinquente do outro lado da linha por nós traçada. 

Logo não havia mais população no lado litorâneo, apenas jabutis. E como eu era o jabuti-mór, o único chefe com noção de português, eu me sagrei ditador supremo de tudo e todos. E minha primeira resolução no comando total ditatorial foi impingir uma ordem para que todos os brasileiros (agora do lado ruim) fossem forçados a comer jujubas cinco vezes por dia. Elas fornecidas por indústrias dinamarquesas de jujubas. Quem não comesse jujuba nas horas devidas seria levado ao muro e passado a fogo. 

Essa medida totalmente nonsense de minha parte causou distúrbios dentro do partido, que começou a rachar. Havia uma esquerda escondida que começava a tramar e conspirar a minha queda do poder. E assim ocorreu a guerra civil dos jabutís. Eu fui deposto e enviado de volta para a África.

Confesso que sinto saudades de Ipanema e das bundas brasileiras. Mas nunca mais voltei ao Brasil. Hoje penso em talvez me associar ao site do CouchSurfing.org e talvez rodar o mundo escondido na bolsa de alguma mulher. Quanto ao Brasil? Trocou seis por meia dúzia... É e será sempre a República dos Jabutís. A não ser que voltem ao passado de 500 anos, e comecem tudo de novo.








sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Vidas

Vidas...vidas...vidas...
Tão diferentes
E tão parecidas...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Poema de Mim

Para mim não existem primaveras, nem abelhas flamejantes
Nem barcos de tristezas, nem caveiras de plástico, 
                                              / nem cavaleiros andantes
Para mim não existem trincheiras, nem fogo cruzado
Para mim não existem sedas nem vertentes mágicas 
                                              / nem baralho armado


Para mim não existem venenos de oliveiras, 
                                              / nem estrume de cobra
Nem cinzeiros de nuvens, nem lagartos que sorriem, 
                                               / nem pau-pra-toda-obra
Para mim, não existem rastros pela cidade, 
                               / nem palcos infestados de mordaça
Para mim a morte é de pano, e os arames sustentam 
                                                 / a gravidade flutuada


.............................................não
.............................................sim
.............................................tão
.............................................mim


Para mim não existe a dúvida mal lavrada
Para mim não existem mais palavras...
Para mim não existem cercas de mentira e pronto!
Eu, que me afoguei em redemoinhos de sonhos...


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Somos Cogumelos

Em minha alma não existe um pássaro, existe uma estrada. Em meu peito não existe um pássaro, existe um labirinto. Em meus olhos não existem pássaros, existem aranhas. Em meus cabelos não existem pássaros, existem pincéis. Em meus dedos não existem pássaros, existem bordéis. Em meus pés não existem pássaros, existem fiéis. Em meus sonhos não existem pássaros, existem montanhas.

Sou o que sou, e sou o que sou. Nada mais me ilude. Nem as fogueiras das paixões, nem as flechas dos estúpidos. A vida é feita de pegadas na água. O destino é fluorecente e escondido por cordilheiras impenetráveis. É preciso ser uma broca de chumbo. É preciso ser o vento. É preciso ser a própria erosão do universo para ultrapassar os confins de cérebros alheios.



O Universo é pra mim um vaso de planta. Onde Deus, um dia, plantou um carvalho, e onde o diabo plantou uma orquídea. A noite dos tempos acabará quando a orquídea sugar, com toda a sua beleza, o incomensurável pão do carvalho de Deus. Será uma guerra sempiterna entre a boceta azul mais linda do mundo, e o pau mais grosso e viril que existe. Temo pelo pau, pois sabe-se bem: quem tem boceta tem a força. Mas o pau há de aguentar o tranco da orquídea.

Orquídeas são flores de esquisita beleza e estranha natureza. São o que há de mais belo entre as flores, mas precisam de um carvalho para sobreviver. Não possuem raízes (pelo menos a maioria). Os carvalhos são lentos, e vigorosos. São verdadeiros canhões de seiva bruta. São eles que seguram a terra. São a gravidade em forma de planta. São mastros que se espalham pelos lados e se transformam em labirintos. São prédios onde habitam desde morcegos a macacos e uma infinidade de seres insignificantes.



Este mundo é dos seres insignificantes. Mais dos insignificantes do que das plantas. O Homem é um conviva. Não representa 30% do que há de vivo no planeta. O Homem é uma orquídea feia, que suga a Terra como se suga a um carvalho. Não plantamos raízes, quando plantamos são frágeis. Ainda somos cada vez mais nômades em busca de uma felicidade de seiva. Trocamos de lados com facilidade, mas não somos belos. Somos feios. Nada fede mais que o animal Homem. Um cachorro com uma semana sem banho fede menos que um mendigo que anda na rua sem se lavar há uma semana. Há que se desejar distância do ser comum - Homem.



O Homem é um otário. Vencem sempre as ilusões. O Homem é um ser que vive de ilusões e de veleidades. Nossos sentidos são poucos. Nada sabemos dos mistérios do infinito. Possuímos conceitos do tamanho de formigas, e rastejamos uns pelos outros. O Homem é um mar de egocentrismo. O Homem se acha Deus mas não passa de uma orquídea feia, expelida de um Paraíso, e cultivada pelo diabo. Nem bonitos, nem perfumados, nem azuis somos. Nos comunicamos através de subterfúgios e cultivamos nossos próprios umbigos.

Somos o sal da merda, o mal em oferta, o diálogo das bestas, o marketing dos medos. Medo pra quê? Nada pode ser pior que nós mesmos. Temos medo de parar de sugar nossos carvalhos diários. Somos nômades de galho em galho. Não somos nem seres. Somos conjuntos de células que funcionam sabe-se lá como ou porquê. Somos colônias vivas de micro-seres desaparecidos e fedorentos, protegidos por mitocôndrias. E nos preservamos através de uma meleca chamada DNA.

Mas produzimos muitos choques internos mentais, e a santa música...

Somos colônias. Somos cogumelos mágicos...

Algo no universo nos consome pra dar onda.