segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Arte

Esse mundo está equivocado. A cantora não tem que ser bonita, nem o compositor tem que subir no palco e contar piadas, nem o cantor tem que ter olhos verdes, nem o ator tem que tirar a roupa, nem o escritor tem que fazer rir em feira literária, etc.

Billie Holiday era puta e feia. Dostoievsky era um neurótico, viciado em jogo. Balzac morreu trancado num quarto escrevendo até não poder mais. Poe morreu bêbado na sarjeta. Bach foi esquecido por cem anos. Mozart morreu louco como indigente. Quase ninguém nunca ouviu falar de Assêncio Ferreira. Quase todos os grandes músicos de jazz enterraram suas miseráveis vidas na heroína. Aldous Huxley nunca escreveu um livro alegre. Tchekov também não. Os músicos românticos morriam de tuberculose e absinto. Noel compôs Último Desejo, tísico, no leio de morte. Oscar Wilde foi preso e condenado ao ostracismo até o fim de seus dias.

Eu tenho pena deste mundo de hoje em dia, que cultiva a alegria do artista como forma de entretenimento e talento. Toda arte apenas alegre está necessariamente voltada à alienação das massas. Esta arte é burra, e não me interessa. Só vejo beleza na profundidade das coisas, que é o esconderijo do artista, a caverna do mundo, a fantasia que esconde. O artista verdadeiro não é um palhaço tentando agradar uma platéia. O artista verdadeiro é um ser sofredor, que vive sua arte como forma de canalizar e expelir toda a sua dor. Porque não existe arte sem dor. Porque arte dói.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Trufas

O amor é uma fruta

Colhida aos ventos.

O amor é uma trufa

Que nasce se escondendo.

Perdida em terra d’alma

O solo a pele tecendo,

Surge quase do magma

Da Terra derretendo.

Surge de uma mágica

Escondida no alento.

É uma desconstrução inversa

A união entre semente e vento;

A solidão tubércula...

A trufa no âmago da terra

Se prepara e tece a fécula.

Quer ser encontrada e espera

Antes mesmo de nascida.

Que fruta é essa (o amor)

Que deve sempre ser pressentida?