domingo, 23 de novembro de 2008

Outro dia vi a foto de uma moça que eu conheci. Na foto estavam ela, o filho de uns 5 anos, e o ex marido. Ela é uma mulher alegre e bonita. Muito bonita até. O filho é alegre como a mãe, e o pai parece ser um cara legal e cuidadoso. O pai, que também é ex marido, e ela aparecem na foto olhando o filho de forma orgulhosa e extremamente amorosa. Mas o que tem tudo isso a ver? Porque escrever sobre uma coisa corriqueira dessas?

Por nada, não. É que ao ver a foto eu pensei numa coisa interessante e paradoxalmente bela, ou talvez nem tanto, mas acomodadamente bela nos destinos da nova humanidade de cada dia.

As pessoas achavam que o ideal era sempre os pais juntos, casados em amor, e criando os filhos juntos, todos compartilhando desse amor maternal e ideal. Eu sempre achei que essa forma de união fosse a melhor para os filhos. Que só com muito amor desse tipo eles poderiam crescer saudáveis, e possuir uma idéia boa do que simboliza o amor eterno. Achei que a únicaforma de uma criança crescer feliz seria através de pais casados e que se amassem.

Mas olhando essa foto eu vejo a coisa toda de outra forma. Os pais dessa criança não se amam mais, não da maneira "ideal". São amigos. O amor mudou, viraram grandes amigos que compartilham algo indescritível.

E essa criança poderá crescer até melhor do que as que possuem a sorte de terem pais unidos no amor e em casa. Essa criança vai crescer com a exata medida do amor. Ela vai saber que o amor existe, mas acaba. Vai saber que embora acabe ele pode se transformar, e que nem tudo que se transforma vira algo canalha. Mas que pode virar sim.

Não acho que a outra criança, dotada de tudo certinho deverá ter uma vida hipócrita cheia de mentiras. Mas acho que não estará condizente com o mundo em que vivemos hoje. Ou se estiver, pelo menos não estará tão preparada para os infortúnios e degraus da vida. Cada vez mais cheios de buracos de espinhos e buracos de algodão.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Obamaaaaaaaa!

Ontem no seu discurso de vitória Obama disse: "We as a people are gonna get there!. " Disse dessa forma. Não disse: "We as a country, are gonna get there." Uma sutil mudança, uma ligeira maneira parecida de dizer uma coisa diferente.

Tenho certeza de que poucas pessoas devem ter se ligado nesse detalhe. Houve outros. Mas este sintetiza o discurso do Obama. A mudança (change) que ele prega é esta. Antes os Estados Unidos eram um país, agora são um povo. Um povo misturado sim, que se auto segrega, que briga, de divide em vários, mas que acima de tudo, especialmente agora, são um povo. Essa noção hebraica de povo é algo que poucos conseguem entender, poucos conseguem realizar, botar em prática.

Ontem eu vi um momento de confluência histórica. Há quarenta e poucos anos atrás um negro e uma branca fizeram um filho mulato. Se Obama fosse completamente negro o momento histórico pontual de ontem não teria se dado. Pareceu que o destino realmente havia sido traçado por alguma conspiração universal. Foi preciso também oito anos de um fracassado governo típico redneck. Foi preciso que acontecesse na era da super e total informação, da internet fácil, rápida a ponto de poder ser usada como mecanismo arrecadador. Foi num momento em que o mundo se cansava irremediavelmente dos EUA. Se Bush pisou na jaca de forma forçada e escrupulosa, Obama pisou no arco-íris de forma inevitavelmente por acaso. Ou nao.

Sou um cético. Sempre tenho a impressão de que estão armando um teatro e que vão me enganar. Isso é um bem, e um mal que possuo. Mas acompanhei tudo ontem, consciente do que estava acontecendo. Consciente do momento histórico que se escrevia na minha televisão, aos meus olhos. Eu que vivi alguns anos nos EUA, e entendo como eles são, como pensam, como expressam seus sentimentos ambíguos de racismo e liberdade. A figura física deles nada mudou. Quem viu pela CNN o mapa azul (democrata) e vermelho (republicano) da eleição percebeu que é o desenho dos EUA durante a guerra civil. O nordeste superdesenvolvido e industrial votou no Obama, enquanto o sul patriarcal e "escravizante" votou no McCain. O centro longínquo e reacionário votou no republicano, com exceção da região de Kansas, que é um pouco mais cultural sim. A costa oeste da California votou no democrata.

Os americanos não mudaram de um dia para o outro. Não foi um milagre o que aconteceu. Foi um desenho de uma contrução histórica, que aos poucos vai traçando um novo rumo naquele país, para aquele povo. Hoje são uma maioria feita de minorias. Minorias que cada vez mais se interligam, que aumentam em volume, em quantidade e não há mais como não se fundirem. E se sobrepôem aos pilgrims iniciais.

Vai ser difícil vermos um presidente europeu negro. No dia em que isso acontecer aí sim o mundo realmente mudou de verdade. Depois de oito anos de um governo comprometido com os interesses de um segmento tradicional, pioneiro naquele país, racista, segregador e fracassado intelectualmente, o povo americano optou por fazer a diferença. Obama foi o sujeito certo, que fincou o pé certo no local certo, no momento certo. A luta ontem foi travada pela ignorância contra a inteligência. Felizmente ganhou a inteligência. Me emocionou ver americanos negros abraçados com brancos. Me arrepiei ao ver as familias dos futuros governantes no palanque (palco); louros e negros juntos num país onde eu vivi, e nunca imaginei isso pudesse acontecer. Não tão rápido, pelo menos. E nada ali foi teatro.

Tudo vai ser difícil. Ninguém sabe qual será a qualidade técnica deste governo, mas uma coisa é certa. A personalidade está aí, e ela é rara em nossos tempos, é preciso aproveitá-la. E há algo que temos que admirar no povo americano: o povo americano aprende com seus erros. Precisamos fazer o mesmo por aqui.